‘Correia’ com Pele de Cordeiro?

Muito provavelmente, o tema desta crónica deveria ter sido escrita pelo meu amigo e colega Miguel Seabra. Afinal, é ele o strapaholic, como tão bem confessou na sua recente crónica sobre a correia/bracelete, este importante elemento que mantém os relógios que gostamos bem seguros nos nossos pulsos.

Mas a minha abordagem diverge, claramente, do ângulo estético, para se centrar num outro aspeto, talvez ainda mais relevante na perspetiva do consumidor. Uma abordagem que pode muito bem ser representada pela velha e milenar alegoria do lobo com pele de cordeiro, e cujo significado, parece-me, é bem conhecido de todos.

Jaeger-LeCoultre Polaris Chronograph Pink Gold. © Jaeger-LeCoultre
Jaeger-LeCoultre Polaris Chronograph em ouro rosa. © Jaeger-LeCoultre

Como muitos leitores da Espiral do Tempo já se terão apercebido, é cada vez maior o número de marcas a propor sistemas de troca rápida de correias e braceletes. O propósito desta iniciativa parece ser a todos os níveis louvável, permitindo que o proprietário de um determinado relógio troque fácil e rapidamente de correia, através de um sistema de encaixe, sem ter de recorrer a qualquer tipo de ferramenta. Uma evolução que parece ter surgido por arrasto do crescente desejo de poder mudar e personalizar significativamente a aparência de um relógio, fazendo uso das milhares de correias alternativas, disponibilizadas, na sua esmagadora maioria, por pequenos e médios fabricantes independentes.

A coleção Overseas da Vacheron Constantin oferece agora a possibilidade de troca de braceletes de forma fácil e cómoda. Na imagem: Overseas Dual Time. © Vacheron Constantin
A nova coleção Overseas da Vacheron Constantin apresenta um sistema de troca de braceletes fácil e cómodo e cada exemplar é acompanhado de correia de pele e braceletes metálica e cauchu alternativas. Na imagem: Overseas Dual Time. © Vacheron Constantin

Esta realidade fez surgir uma multiplicidade de alternativas de fácil acesso (muito através do e-commerce) que, além de serem capazes de propor estilos negados à partida pelas próprias marcas, possibilitaram igualmente o acesso a preços significativamente inferiores para uma qualidade equiparada. Estamos assim perante uma vantagem assinalável, considerando que, mais vezes do que menos, as correias de origem apresentadas pelas marcas exigem um preço desproporcional face ao custo do relógio e à própria durabilidade deste elemento.

Braceletes Tudor
As NATO são perfeitas para que, quer atribuir um toque vintage aos seus relógios. Na imagem, uma seleção da Maurice de Mauriac. © Paulo Pires/ Espiral do Tempo

As célebres NATO, agora propostas por diversas marcas mainstream como a Tudor ou a Omega, eram, ainda há poucos anos, vistas como um subproduto pouco digno da imagem dos nomes mais consolidados da indústria relojoeira suíça. Foi necessária a iniciativa da comunidade de colecionadores, que começou a aplicar a variante nos seus relógios contemporâneos e vintage, para o conceito se tornar um verdadeiro fenómeno com vantagens vivíeis e palpáveis para a estética de muitos modelos.

Não foi assim com surpresa que nomes como a Jaeger-LeCoultre, a IWC, a Hublot, mais recentemente, a Vacheron Constantin, a Cartier e a Panerai tenham decidido entrar neste jogo de reconfiguração facilitada dos seus modelos ao propor sistemas de troca rápida de correias.

Neste vídeo, podemos ver o sistema de troca rápida apresentado este ano pela Panerai:

E é aqui que chegamos ao busílis da questão. É que cada uma destas marcas decidiu propor um sistema de troca rápida diferente e incompatível entre si, para além de as respetivas patentes impedirem os diversos fabricantes privados de utilizarem os sistemas nos modelos de correias que produzem.

O que aparentemente é apresentado como uma vantagem para o consumidor, acaba assim por se verificar poder vir a ser um constrangimento da sua capacidade de escolha, onde a opção por variedade, estilo e preço se vê fortemente restringida.

O sistema de troca rápida de braceletes da coleção Aquatimer da IWC. © IWC
O sistema de troca rápida de braceletes da coleção Aquatimer da IWC. © IWC

Para já, a situação não é preocupante, muito por culpa do crescente fenómeno vintage onde a tradicional asa de mola é o elemento vigente no que se refere à forma de fixar uma correia à caixa de um relógio. Mas seria verdadeiramente lamentável que a inovação trazida pelo sistema de troca rápida viesse de alguma forma comprometer no futuro aquilo que, hoje, é visto como um aspeto cada vez mais fascinante associado ao colecionismo de relógios de pulso: a capacidade de alterar radicalmente a imagem e a expressão de um relógio através da simples troca de uma correia.

A verificar-se uma aplicação crescente deste conceito aos modelos das principais marcas de relógios, será claramente caso para se dizer que podemos estar perante uma “Correia” com pele de cordeiro!

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