Isotope e um luso toque

Em Londres e Cascais | No seguimento do boom de micromarcas que acompanhou o advento do Kickstarter, a Isotope foi fundada em 2015 e registada em 2016 por um casal português residente em Inglaterra. O seu restrito catálogo apresenta alguns modelos plenos de originalidade e já está um novo na forja. Conversámos com José Mendes Miranda em Londres e tivemos a oportunidade de passear o Goutte d’Eau por Cascais antes do confinamento.

Não são muitas as marcas de relógios exclusivamente mecânicos fundadas por portugueses. Houve a Roger Dubuis, a um nível mais elevado. Há as ‘irmãs´ Prometheus e a Borealis, ambas sedeadas na Amadora. A Meia Lua, de Lisboa. Também convém não esquecer as peças comemorativas do Museu do Relógio de Serpa/Évora. E há a Isotope Watches, fundada em 2015 por um casal luso em Harpenden, no norte de Londres — para onde José Mendes Miranda e a sua mulher Joana se transferiram no período de grave crise financeira que por alturas de 2011 assolou Portugal. E foi em Inglaterra que José, um Produtor Executivo (filmes, publicidade, animação) oriundo do Porto, materializou o velho sonho de estabelecer a sua própria firma relojoeira, depois de muitos anos de colecionismo e estudo do mercado. Foi precisamente por terras de Sua Majestade que com ele nos encontrámos pela primeira vez, depois de diversos contactos por via digital ao longo dos últimos anos.

Jose Mendes Miranda, fundador da Isotope Watches com a sua mulher Joana © DR
Jose Mendes Miranda, co-fundador da Isotope Watches © DR

O encontro deu-se em Southfields, a pequena localidade dos arrabaldes de Londres contígua ao histórico All England Lawn Tennis Club que acolhe o mítico torneio de Wimbledon. Foi à volta de um capuccino que tivemos conhecimento do projeto que rodeou o lançamento da Isotope e dos planos para o futuro próximo; o novo modelo Goutte d’Eau estava então em vias de ser lançado e, no regresso a Portugal, ficámos a aguardar por um exemplar para o fotografar e fazermos a devida análise.

As variantes Goutte d’Eau

O Goutte d’Eau Nordblad Limited Edition chegou na véspera da declaração do estado de emergência e a equipa da Espiral do Tempo encontra-se atualmente a respeitar as regras de confinamento, pelo que ainda não foi possível retratá-lo em estúdio como desejado… mas antes do endurecer das medidas ainda tivemos a oportunidade de passear com ele na zona de Cascais, aproveitando o belo cenário costeiro em dias ensolarados e o azul marítimo condizente com as nuances do mostrador.

O Goutte d'Eau Nordblad Special Edition e o Farol de Sta Marta, em Cascais © Miguel Seabra/Espiral do Tempo
Goutte d’Eau Nordblad Special Edition no Farol de Sta Marta, em Cascais © Miguel Seabra/Espiral do Tempo

O Goutte d’Eau é o segundo modelo lançado pela Isotope e tem tido sucesso tanto pela popularidade inerente aos relógios de mergulho como também pelo seu posicionamento de preço, com variantes entre os 425 e os 585 euros consoante o calibre automático — para além de um look muito personalizado que o afasta do arquétipo habitual da tipologia Diver baseado no Submariner da Rolex: caixa redonda, asas tradicionais, mostrador preto, luneta giratória unidirecional. A arquitetura do Goutte d’Eau não tem nada de completamente novo mas apresenta uma estética bem diferenciada graças a uma caixa tonneau do tipo ‘compressor’, uma luneta giratória interna manejada através de uma coroa suplementar e ainda o elemento de estilo em forma de gota associado à marca que surge não só destacado a relevo no mostrador mas também sintetizado no elo de ligação da bracelete metálica.

Os dois modelos Goutte d'Eau já lançados: o Orange e o Nordblad Special © Isotope Watches
Os dois modelos Goutte d’Eau já lançados: o Orange e o Nordblad Special Edition © Isotope Watches

Compreende-se o êxito do Goutte d’Eau. É um produto consistente de uma marca diferente, e hoje em dia há muitos aficionados que adoram comprar relógios a preço acessível de micromarcas emergentes. É um tipo de cliente que aprecia a diferença e não gosta de gastar muito dinheiro. O preço do Goutte d’Eau coloca-o numa fasquia dominada por um gigante que também é uma marca de culto e sobretudo uma referência nos relógios de mergulho, a Seiko. Mas é uma excelente alternativa e, para além disso, também usa calibres automáticos Seiko nalgumas das variantes já lançadas — e que são atualmente oito, divididas entre dois modelos: o Goutte d’Eau Orange com movimento Seiko NH35a nas alternativas com ou sem data e com movimento Sellita SW 200-1 com ou sem data; e o Goutte d’Eau Nordblad ‘Special Edition’ também com movimento Seiko NH35a nas alternativas com ou sem data e com movimento Sellita SW 200-1 com ou sem data.

A mergulhadora recordista Johanna Nordblad com o 'seu' relógio © DR
A mergulhadora recordista Johanna Nordblad com o ‘seu’ relógio © DR

O Goutte d’Eau Orange é de produção regular e apresenta um fundo transparente em vidro de safira. Deve o seu nome ao laranja presente na gota que adorna a coroa da luneta, no ponteiro dos segundos, na inscrição da estanqueidade (que é de 200 metros) e no alaranjado até aos 15 minutos da escala na luneta rotativa interior. Terá futuramente a companhia gradual das variantes Yellow, Red e Green. Mas o Goutte d’Eau Nordblad Special Edition, dedicado à recordista do mergulho sob gelo Johanna Nordblad, não tem muitos mais exemplares disponíveis. Aquele que temos atualmente em mão é a variante motorizada pelo calibre suíço Sellita SW 200-1 sem data; para além da cor nos detalhes do mostrador, diferencia-se do Goutte d’Eau Orange (e dos outros futuros modelos de produção regular) pela referência suplementar ‘Nordblad’ no mostrador e por ter um fundo de caixa fechado com uma ilustração gravada alusiva à mergulhadora finlandesa e a inscrição ‘Johanna Nordblad Ice Freediving World Recordist’.

O fundo do Goutte d'Eau Nordblad Special Edition © Isotope Watches
O fundo do Goutte d’Eau Nordblad Special Edition © Isotope Watches

Pode dizer-se que o tamanho de caixa é universal, com os seus 40mm de diâmetro por 12,7 de espessura na versão com movimento Sellita (as de calibre Seiko têm 13,4mm). As asas curtas tornam-no acessível mesmo a punhos mais pequenos ou femininos. E o facto de a luneta estar no interior ‘abre’ mais o mostrador, fazendo o relógio parecer maior. Uma variante de caixa maior afigura-se perfeitamente pertinente e já está a ser pensada. “Vários amigos e clientes têm feito essa sugestão e estamos a estudar uma caixa com 42mm de diâmetro”, confessa José Mendes Miranda. Essa parece ser a evolução mais natural do modelo Goutte d’Eau, até porque os adeptos da tipologia de mergulho são normalmente aficionados de relógios maiores — mesmo que uma caixa de 42 milímetros de diâmetro com arquitetura tonneau e asas curtas esteja longe de ser considerada sobredimensionada. A margem de crescimento é boa.

O Goutte d'Eau Nordblad Special Edtion e várias alternativas de correias em pele e braceletes em cauchu © Miguel Seabra/ Espiral do Tempo
Várias alternativas de correias em pele e braceletes em cauchu © Miguel Seabra/ Espiral do Tempo

Aliás, a dimensão dos modelos atualmente existentes é tão ‘maneirinha’ que o Goutte d’Eau pode facilmente ser utilizado de modo mais ‘civil’ com o recurso a correias de pele que lhe possam dar um ar mais casual elegante. Com um acabamento de superfície escovado, a caixa em aço 316L é acompanhada de uma bracelete do mesmo aço dotada de fecho de báscula com sistema extensor e o estojo inclui uma bracelete preta de silicone suplementar, mas pode ser facilmente vestido com qualquer correia de pele ou bracelete NATO de 22 milímetros. Como tivemos a ocasião de o comprovar, testando várias alternativas entre a baía, a marina e o Farol de Sta Marta em Cascais.

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A bracelete de aço com elos maciços talvez pudesse ser mais elegante com um afunilamento até aos 20 milímetros na zona do fecho, mas foi pensada por e para profissionais: “A Johanna Nordblad pediu especificamente uma bracelete que fosse muito robusta, porque lhe tinha acontecido em várias ocasiões anteriores as temperaturas muito baixas fazerem com que as peças da bracelete no fecho contraírem-se e abrirem”, revela José Mendes Miranda. Daí a bracelete manter os 22 milímetros ao longo da sua extensão e o fecho ser particularmente protuberante por toda a segurança que lhe deve ser inerente e também porque está dotado de um sistema extensor muito útil para usar sobre mangas ou fatos de mergulho… para além de também dar jeito quando os pulsos aumentam ligeiramente no calor do verão ou quando se ganham uns quilitos a mais. Uma boa ideia seria existir em alternativa um fecho mais simples e menos volumoso para uso normal.

Bracelete em aço 316L com fecho de báscula com abertura de segurança e sistema extensível com microregulação © DR
Bracelete em aço 316L com fecho de báscula dotado de abertura de segurança e sistema extensível © DR

O mostrador, de construção em sanduíche tornada famosa pela Panerai com as aberturas na zona dos indicadores horários a revelarem a placa luminescente Super-Luminova BGW9 por baixo, inclui no meio a tal nuance de design que acompanha todos os modelos da Isotope. É uma espécie de gota estilizada também presente nos indicadores das horas às 3, 6 e 9 horas, e que até parece um dos típicos menires do Obelix (a referência é um piscar de olho em homenagem a Alberto Uderzo, um dos criadores da banda desenhada do Asterix, que morreu recentemente). E o certo é que a gota acaba por ser um elemento de estilo distintivo, inspirado pelas linhas do Talbot-Lago T150-C SS Coupé de 1937 e também no Kitchen Clock com alarme de Max Bill ou na corrente de design denominada Good Form; já tinha sido utilizado no primeiro modelo que acompanhou o lançamento da Isotope: o Rider Jumping-Hour.

A luminescência do Goutte d'Eau e o Riuder na sua versão de mostrador Black Pepper © DR
A luminescência do Goutte d’Eau e o Rider na sua versão de mostrador Vintage Pastel Green © DR

Rider Jumping-Hour

O Rider Jumping-Hour é outro tipo de relógio e para outro patamar de preço, à volta dos 2.700 euros. Até porque está dotado de uma especialidade mecânica: um módulo especial de horas digitais saltantes acoplado ao movimento automático de base (que pode ser o ETA 2824 ou o Sellita SW 200). Para relógio de lançamento da Isotope, o design tinha de ser especial e a verdade é que foi conseguido um visual marcante graças à combinação de uma caixa oval sobredimensionada de 46 milímetros de diâmetro com um mostrador onde a tal gota surge invertida e a dirigir o olhar para a janela onde pontifica a hora digital.

Rider Jumping Hour © Miguel Seabra/Espiral do Tempo
O Black Pepper é a única versão do Rider Jumping-Hour sem mostrador contrastante © Miguel Seabra/Espiral do Tempo

As voluptuosas formas arredondadas remetem para os anos 30 e o movimento Art Moderne. E o sistema de horas saltantes é uma homenagem ao engenheiro austríaco Josef Pallweber, que esteve por trás do lendário relógio de bolso da IWC com horas saltantes de 1885, e ao designer suíço Gérald Genta, que tanto utilizou módulos de horas saltantes nos seus modelos. Existem diversas variantes de mostrador para o Rider Jumping-Hour, praticamente todas com a gota em preto contrastante no meio do mostrador. Um relógio de estética verdadeiramente original, com as horas digitais a serem complementadas por ponteiros analógicos dos minutos e segundos de eixo central.

Rider White Russian © Isotope Watches
Rider Jumping-Hour com mostrador contrastante White Russian © Isotope Watches

O Rider deixará de estar disponível em breve, com a conclusão da sua produção de 99 exemplares. Entretanto, José Mendes Miranda preparou dois novos modelos cujos protótipos tivemos a oportunidade de experimentar — o Old Radium Titanium, um relógio de estilo mais militar, e o Palloncino, uma peça mais elegante. Desses dois, o Palloncino está para já na gaveta e o Old Radium em fase de análise. Até porque na forja está um produto mais interessante. Bem mais interessante.

Na mesa: o Rider em destaque, com o Old Radium e o Palloncino atrás © Miguel Seabra/Espiral do Tempo
Na mesa: o Rider em destaque, com o Old Radium e o Palloncino atrás © Miguel Seabra/Espiral do Tempo

O senhor que se segue promete ser um caso sério e tem tudo para ajudar a Isotope a ganhar mais reconhecimento: o GMT 0º é um relógio mais desportivo e perfeito para viajantes com o seu segundo fuso horário a partir de um disco central. Com 41,5 milímetros de diâmetro e movimento automático SwissTech com GMT, está em fase de prototipagem; a previsão é de três ou quatro modelos regulares e estão já pensadas algumas edições limitadas muito interessantes que estarão de certo modo associadas ao imaginário português.

Uma das versões do GMT 0º e o fundo da caixa com os principais fusos horários © DR
Sketch de uma das versões do GMT 0º e o fundo da caixa com os principais fusos horários © DR

E para além do GMT 0º, qual o futuro próximo da Isotope? “Há algumas medidas que vou tomar. Uma delas é tentar usar apenas movimentos suíços, mesmo que os Seiko sejam robustos e não dêem qualquer problema. Outra é que a assemblagem seja totalmente feita na Suíça e com dois níveis de controlo de qualidade”, adianta José Mendes Miranda, que revela trabalhar com parceiros suíços de La Chaux-de-Fonds, Genebra, Bienne e Lucerna. 2020 prometia ser um ano de grande descolagem para a marca e mesmo com o mundo em suspenso devido à pandemia continuam-se a vender os Goutte d’Eau. Obviamente, as medidas restritivas estão a afetar os fornecedores e poderá haver atrasos com o desenvolvimento do GMT 0º enquanto produto final. Mas, mais cedo ou mais tarde, acabará por dar à costa. E espera-se uma visita do fundador a Portugal logo que a circulação esteja normalizada.

Em Londres com José Mendes Miranda, o Rider e o Old Radium © Miguel Seabra/Espiral do Tempo
Em Londres com José Mendes Miranda, o Rider e o Old Radium © Miguel Seabra/Espiral do Tempo

“Investimos muito no GMT 0º. Usamos os nossos fundos para financiar esta loucura e por enquanto não está a dar lucro, mas preferimos ir devagar”, confessa José Mendes Miranda, que já antes tinha idealizado o lançamento de duas outras marcas até à terceira ser mesmo de vez com a Isotope. “Não quisemos recorrer à banca para estarmos sem compromissos”, acrescenta. Uma boa parte da coleção pessoal de relógios que tinha antes foi vendida para financiar a sua companhia; depois do lançamento do Rider e do Goutte d’Eau, o GMT 0º afigura-se fundamental na estratégia de consolidação da Isotope em tempos de grande incerteza económica devido à pandemia.

Mais informações no site oficial da marca em isotopewatches.com

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