Graham: cronografias alternativas

La Chaux-de-Fonds | A Graham continua a fazer da diferença um vetor fundamental da sua identidade. Fomos ao quartel-general da marca suíça batizada em honra do célebre relojoeiro britânico do século XVIII para um ponto da situação com o respetivo CEO – e constatar que Eric Loth continua disruptivo como nunca e de palavras tão certeiras como as flechas anticonformistas de Robin Hood ou Guilherme Tell.

Nas paredes da sala onde trabalham os relojoeiros da Graham, estão vários documentos afixados num placar e uma citação que se destaca: «enquanto outros fazem zig, nós fazemos zag». Uma frase do managing director Patric Zingg que sublinha na perfeição o espírito da marca e do seu máximo responsável, Eric Loth. Visitámos o quartel-general em La Chaux-de-Fonds mesmo antes do encerramento do espaço europeu para melhor perceber os ziguezagueantes caminhos a seguir no congestionado ecossistema relojoeiro – e conhecer os últimos desenvolvimentos associados aos dois raros espécimes que dominam o catálogo da marca. A pandemia forçou a equipa da Graham a puxar ainda mais pela sua capacidade de adaptação ao meio ambiente, aprimorando o relançamento do Swordfish e desvelando uma irreverente variante do Chronofighter por semana antes da apresentação do Chronofighter Superlight Carbon Skeleton.

Esq.: Eric Loth com o Chronofigther Vintage Bronze. | Dta.: Patric Zingg e os caminhos alternativos da Graham. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

A entrada para a sede é dominada por um grande retrato de George Graham (1673-1751), o mestre inglês considerado incontornável na história da relojoaria mecânica e que, entre outras patentes, foi o inventor do mecanismo de arranque e paragem tornado fundamental em qualquer movimento cronográfico. Eric Loth é um anglófono declarado; sendo um profundo conhecedor da cultura anglo-saxónica e também admirador da irreverente faceta british que contrasta com o maior tradicionalismo atribuído à Grã-Bretanha, torna-se mais fácil perceber uma marca tão especial como a Graham. Mesmo que o CEO se declare orgulhosamente suíço e nunca se esqueça de sublinhar a ‘helveticidade’ inerente à qualidade intrínseca dos seus produtos.

À sua maneira, Eric Loth promoveu um cruzamento entre Robin Hood e Guilherme Tell, que representa um tiro no alvo relativamente à originalidade – acabando por personificar também o papel iconoclasta desses certeiros heróis populares no respetivo folclore dos dois países. Não é fácil ser-se disruptivo quando o peso do establishment tem repercussões quase asfixiantes no mercado; depois de os primeiros anos do novo milénio assistirem a uma folia concetual, a última década foi excessivamente conservadora e moldou os espíritos para uma relojoaria mais clássica, conformista e banal. A exceção à norma tem sido as marcas independentes, e Eric Loth gosta de alardear a sua autonomia.

Assemblagem do Chronofighter Superlight, a variante inspirada pelo desporto motorizado. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

«Prezamos muito a nossa independência, porque nos dá liberdade para pensar e criar – ao mesmo tempo que nos permite adaptar mais facilmente às circunstâncias. Estamos constantemente à procura de novas ideias e de implementar soluções criativas ou inovadoras, de modo a quebrar os códigos preestabelecidos da indústria relojoeira», salienta. «É sintomático que, quando queremos fazer peças mais próximas do que mercado exige, não tenha funcionado tão bem: as pessoas já esperam que sejamos dissidentes e apresentemos produtos arrojados! Está-nos no sangue sermos disruptivos. Sentimos que a reação é melhor sempre que fazemos algo fora da caixa do que quando lançamos algo de mais conservador».

A imagem de George Graham presente à entrada para a sede da Graham em La Chaux-de-Fonds e um dos muitos exemplares superlativos com a assinatura do grande mestre britânico: o Nº 6022 de bolso, concebido por alturas de 1741 e com assinatura Geo.Graham London no movimento. © Carter Marsh & Co. Ltd

Culto do cronógrafo

As expetativas estão sempre relacionadas com a familiaridade. «Todas as marcas precisam de atravessar pelo menos uma geração, 20 a 25 anos, para serem devidamente reconhecidas. Mesmo as grandes marcas tradicionais precisaram de duas ou três gerações para ganhar visibilidade e reconhecimento. O tempo é algo que não se pode comprar; podemos ir mais depressa ou mais devagar, mas é sempre preciso tempo e não se podem queimar etapas. Espero que a Graham esteja a entrar numa nova era, as pessoas já acompanham a nossa comunicação há 10, 20 anos – veem a marca e veem que continuamos com o Chronofighter. O produto tem de ser credível e os agentes também, mas a marca também precisa de manter o seu fio condutor para se estabelecer ».

Enquanto autoproclamada marca de nicho, a Graham – mesmo que já tenha no seu currículo turbilhões ou complicações celestiais como o Orrery – mantém a sua especialização cronográfica historicamente associada a George Graham e assenta o seu catálogo no incontornável Chronofighter e no surpreendente Swordfish. «A palavra ‘nicho’ pode englobar mais do que se pensa. Sentimo-nos confortáveis na área dos cronógrafos porque oferecemos algo de diferente».

© Paulo Pires / Espiral do Tempo

Aquando do seu lançamento, o Chronofighter foi uma autêntica ‘pedrada no charco’ no universo dos cronógrafos. Dotado de soluções estéticas e técnicas atípicas, destaca-se pela coroa sobredimensionada que se faz acompanhar de um gatilho – uma alavanca colocada à esquerda para o início e a paragem do cronógrafo, além de um botão assimétrico que recoloca o ponteiro a zero. A configuração especial deve-se a princípios ergonómicos, permitindo uma otimização das funções cronográficas; na prática, a Graham concebeu o primeiro cronógrafo de pulso da história com uma ação de comando para o polegar, que é o dedo mais rápido da mão. Já o Swordfish foi batizado em homenagem ao conhecido peixe migratório com olhos protuberantes aquecidos; as lentes magnificadoras (em 20%) sobre os totalizadores proporcionam ainda um notável efeito ótico quando os ponteiros das horas, minutos e segundos passam por baixo.

Nos ateliers da marca. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

«Tem havido esta onda neo-vintage na relojoaria ao longo da última década, mas convém não esquecer que sempre explorámos um perfume rétro desde o lançamento do Chronofighter. Só que é um relógio claramente diferente da norma». Como o outro ex-líbris, recuperado para a coleção em 2019. «Tivemos de parar a produção do Swordfish por cinco anos devido à contrafação que nos afetou muito até que um novo interesse no Swordfish nos fez relançá-lo dois anos antes do previsto. Entretanto, a legislação contra a contrafação está melhor e há maior apoio da Federação da Indústria Relojoeira Suíça. Vamos manter o foco no Chronofighter e no Swordfish, vamos continuar a jogar com materiais e animações».

As animações do Chronofighter têm dado que falar. Primeiramente, no mostrador: «É uma das partes do relógio onde podemos atuar com maior liberdade e ser criativos. Como as pin-ups que fomos buscar ao imaginário dos bombardeiros da Segunda Guerra Mundial; demos um nome próprio a cada figura e houve uma história por trás de cada edição limitada Nose Art. Durante o confinamento foi desvelado o Chronofighter Emergency Gold, com um lingote de ouro no mostrador e um martelo incluído no estojo: a indicação é a de ‘partir em caso de emergência’, com o lingote a poder ser trocado por dinheiro vivo e a Graham a repor gratuitamente o vidro. Depois, as animações na caixa: após o lançamento dos Chronofighter em bronze, a última declinação do Chronofighter Superlight apresenta um visual matrix com flancos de carbono translúcido e peso abaixo dos 100g. Quanto ao Swordfish, a sua reintrodução foi acompanhada de uma afinação no design que torna a caixa mais ergonómica e com melhorias na protuberante estrutura de lupas no vidro.

© Paulo Pires / Espiral do Tempo

Clientela e fornecedores

As aves raras não são decididamente feitas para o mainstream. «Como marca de nicho, sabemos que temos outra estratégia que não a conservadora, e, por vezes, temos de intervir em determinados mercados para despertar o interesse de colecionadores locais através de edições especiais. Mas o cliente típico da Graham apresenta fatores comuns em todo o mundo – normalmente, são pessoas que gostam de desafiar convenções e estão à procura de algo distinto ou alguém que tem cinco ou seis cronógrafos e quer ter um diferente, ou então gente rodeada de familiares ou amigos que usam um mesmo tipo de relógio e vai no sentido contrário. São pessoas que pensam de maneira independente », reforça Eric Loth. «E que gostam de narrativas diferentes. As pessoas ficam curiosas e querem saber porque é que existe a alavanca no Chronofighter, que tem três patentes associadas; quando lhes explicamos a ligação aos antigos relógios de aviação presos à perna dos navegadores e que acionavam a contagem do tempo entre a largada da bomba e o impacto no alvo, isso fica-lhes na cabeça. O mesmo sucede com os ‘olhos’ do Swordfish, um pormenor de design que tem um propósito ótico específico. Temos tido a capacidade de captar o interesse dos aficionados e de as pessoas perceberem o que fazemos. Até há gente que me diz que está a começar uma nova vida, profissional ou familiar, e que comprou um Graham porque acha que assim está a validar essa rutura!»

Detalhes recolhidos nos ateliers da marca. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

O currículo de Eric Loth é impressionante: empreendedor nato, tem-se dedicado ultimamente à produção de azeite numa das suas muitas atividades complementares e já pilotou carros de corrida; sendo engenheiro mecânico de formação com pós-graduação em física metalúrgica, ganhou credenciais no Swatch Group antes de se lançar por conta própria e acumular os papéis de designer, relojoeiro, vendedor e colecionador. Uma marca como a Graham precisa desse know-how para sobreviver e ser bem-sucedida; a construção do chassis com os olhos protuberantes não foi fácil e muito menos a do famoso gatilho, sendo necessário ultrapassar dificuldades de estanqueidade inerentes ao sistema de alavanca de arranque e paragem da função cronográfica.

«Temos os nossos próprios fornecedores há muito tempo e essa área vai ser o próximo campo de batalha para muitas marcas, tendo em conta que o Swatch Group vai travar o fornecimento de calibres e componentes. O facto de estarmos no campo especifico do cronógrafo é uma vantagem. Temos usado uma evolução do calibre Valjoux elaborada pela Concepto com o seu próprio sistema de escape ou também os desenvolvimentos da Sellita, mas fazemos as nossas próprias transformações – e como estamos no vale da relojoaria, contamos com o apoio de muitos especialistas à nossa volta. Porque a configuração do nosso Chronofighter é tão diferente, temos de operar mudanças no calibre de base que vão dos 10% aos 80%. É caro fazê-lo e o preço pode ser multiplicado por quatro vezes. Mas o Valjoux é uma base confiável e de fácil revisão, pelo que acaba por ser ideal».

Ao longo de praticamente duas décadas, o Chronofighter foi sendo renovado com o lançamento de edições limitadas ao mesmo tempo que alargava a sua árvore genealógica a variantes distintas de mergulho ou fusos horários suplementares, tendo sido lançado um spin-off Fortress em edição limitada sem a emblemática alavanca. O Swordfish também já teve as suas variantes, incluindo uma versão joalheira com diamantes de todas as cores e denominada Ali Babá. Duas décadas depois, quais os lançamentos preferidos de Eric Loth?

Chronofigther Vintage Flying Tigers. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

«Seria como escolher um filho. Cada relógio sai daqui com amor e a aprovação de toda a família. O Swordfish em bronze tem uma presença muito cool. Quando o meto no pulso, todos perguntam por ele… é um relógio único. Gosto muito do novo Chronofighter Superlight Carbon Skeleton, porque conseguimos algo de fantástico com quatro diferentes fornecedores de carbono e o movimento esqueletizado, num preço que não tem competição. E também do Chronofighter Grand Vintage com inscrições no vidro, utilizando uma tecnologia que nos permite gravar a inscrição em edições muito limitadas – como a ‘Should I Stay or Should I Go’, o título da canção dos Clash que aproveitámos para caraterizar o Brexit e, ao mesmo tempo, questionar filosoficamente o nosso próprio caminho. Fomos os primeiros a usar o cristal para passar uma mensagem naquele que era o último espaço virgem do relógio!»

Com o trabalho de identificação efetuado por Eric Loth ao longo do presente milénio, a aura da Graham está consolidada. Como o próprio diz, é necessária uma geração. E pelos vistos já está a preparar a próxima geração: na sede da marca, vimos por lá a filha e o filho…..

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