Oito soluções técnicas, oito designs icónicos

A história dos instrumentos do tempo está muito ligada à resolução de problemas que hoje quase nos fazem rir. O que antes soava a impossível agora parece-nos óbvio, mas convém não esquecer que só as inovações conseguidas por quem cá esteve antes nos permitiram chegar ao patamar em que nos encontramos. Assim é com tanta coisa. E assim é com a criação em relojoaria. As oito referências que se seguem mostram como muitos dos designs mais icónicos da relojoaria de pulso nasceram com o propósito de responder a necessidades práticas funcionais; e como muitas das soluções nascidas dessas necessidades se tornaram símbolos de um modelo e, por extensão, das próprias marcas.

O gatilho do Graham Chronofighter

O ‘gatilho’ destinado a despoletar as funções cronográficas é emblemático e faz do Chronofighter da Graham um ex-líbris de fácil reconhecimento. O protuberante sistema de acionamento através de alavanca facilita o uso e é reminiscente dos instrumentos de precisão presos à perna ou colocados por cima do blusão de navegadores dos bombardeiros da Segunda Guerra Mundial, que, através de uma alavanca semelhante à do relógio, acionavam o cronógrafo para medir o tempo entre a largada da bomba e a deflagração no solo. Este sistema era mais fácil de usar com luvas, e o facto de estar posicionado à esquerda permitia aproveitar ao máximo a ação do dedo polegar, considerado o dedo mais rápido no movimento.

O 'gatilho' do Graham Chronofighter  © Paulo Pires / Espiral do Tempo
O ‘gatilho’ do Graham Chronofighter © Paulo Pires / Espiral do Tempo

A caixa do Reverso da Jaeger-LeCoultre

Reverso da Jaeger-LeCoultre. Ilustração: Magda Pedrosa / Espiral do Tempo
Reverso da Jaeger-LeCoultre. Ilustração: Magda Pedrosa / Espiral do Tempo

Ao cabo de cerca de um século de relojoaria portátil, há muitos ícones representativos do que melhor se fez e se faz no setor — mas, no patamar mais elevado, não há tantos modelos lendários como isso. E o Reverso é um deles: pela ideia (tida por um oficial britânico que jogava polo na Índia e queria proteger o vidro do relógio), pelo conceito (desenvolvido consecutivamente por César de Trey, Jacques-David LeCoultre, Edmond Jaeger e Alfred Chavot), pela estética (influenciada pela corrente art déco), pela marca (a Jaeger-LeCoultre), pela longevidade (desde 1931), pela redenção (após a crise do quartzo nos anos 70, foi o distribuidor italiano Giorgio Corvo que não o deixou ‘morrer’), pela capacidade de ser reinterpretado sem nunca perder a sua essência desde que a patente 712.868 de 4 de março de 1931 registou «uma caixa de aço inoxidável, suscetível de deslizar no seu suporte e poder dar a volta completamente sobre si mesma». Se o Reverso nasceu como relógio desportivo, hoje é o paradigma do relógio elegante — e a sua caixa reversível criada para proteger o vidro transformou-se num palco para a exibição do virtuosismo técnico relojoeiro da Jaeger-LeCoultre.

Jaeger-LeCoultre Reverso Tribute Calendar © Susana Gasalho / Espiral do Tempo

World Timer by Louis Cottier

Esboços e esquemas técnicos da autoria de Louis Cottier relativos ao sistema worldtimer por ele inventado. © Antiquorum
Esboços e esquemas técnicos da autoria de Louis Cottier relativos ao sistema worldtimer por ele inventado. © Antiquorum

Com o início do crescimento da mobilidade em finais do século XIX, época da globalização económica e das viagens coloniais, os relojoeiros foram desafiados a inventar novos mecanismos que refletissem o facto de o globo terrestre estar dividido em 24 zonas horárias. É neste mundo que nasce Louis Cottier, que, em 1931, introduziu o prático sistema das horas universais, com um tempo central de horas e minutos, ligado a um anel rotativo de 24 horas. Tendo em conta que, antes da proliferação da aviação comercial, os relógios de hora universal capturaram a imaginação com o seu pouco prático mostrador, que revelava o tempo real em cidades de todo o Planeta, as grandes marcas revelaram rapidamente interesse pela invenção de Louis Cottier. Afinal, o que se pretendia era a leitura instantânea das horas em diversos pontos do Planeta, sem confusões. Nos anos seguintes, o relojoeiro criaria diferentes variações da hora universal, nomeadamente, um movimento retangular em 1937, e depois o crucial anel de 24 horas colocado no centro do mostrador que roda ao contrário do movimento do relógio. Os primeiros relógios de hora universal de Cottier tinham as cidades fixadas, muitas vezes como parte do bisel. Mais tarde, passou a incluir um anel amovível das cidades. Em 1950, inventa o mecanismo para indicar o tempo universal com duas coroas, vista como uma das mais práticas invenções do século XX na área da relojoaria, e que está especialmente associada à Patek Philippe, marca para quem criou diversos relógios entre os anos 1930 e 1960.

Beguelin World Timer de 1885, um exemplo de indicação das horas mundiais antes do sistema de Louis Cottier. © salonqp.com
Beguelin World Timer de 1885, um exemplo de indicação das horas mundiais antes do sistema de Louis Cottier. © salonqp.com

A proteção da coroa da Panerai

Patenteado em 1956 pelos fundadores da Panerai, mas já utilizado em protótipos anteriores, o emblemático dispositivo de proteção da coroa está indelevelmente associado à marca italiana e à estética específica da linha Luminor, de onde emerge a linha Submersible: trata-se de uma espécie de ponte que integra uma alavanca que liberta a coroa para as suas funções e que contribui para assegurar a perfeita estanqueidade dos relógios. Claro que existem mais marcas com inconfundíveis sistemas de proteção da coroa, mas o sistema da Panerai é especialmente reconhecível à primeira vista.

Sistema de proteção da coroa da Panerai © Panerai
Sistema de proteção da coroa da Panerai © Panerai

Ponteiros 

O característico ponteiro com a extremidade em forma de estrela ou ‘Y’ do Rolex Sea-Dweller © Rolex
O característico ponteiro com a extremidade em forma de estrela ou ‘Y’ do Rolex Sea-Dweller © Rolex

Nos relógios, os ponteiros estabelecem a ligação entre o movimento mecânico e a escala no mostrador e, consoante a forma, podem ser denominados Góticos, Dauphine, Alpha, Folha, Bâton, Javeline, Losango, Pera Americano, Pera Paris, Luís XV, Luís XVI, Espada, e, consoante as suas caraterísticas, existem ponteiros esqueletizados, finos, gordos, azulados, luminescentes, com ou sem contrapeso e, em alguns casos, a sua forma contribui para a identificação da imagem da própria marca. É o caso do ponteiro com a extremidade em forma de estrela ou ‘Y’ que encontramos em modelos com caraterísticas desportivas, como o Submariner, o Sea Dweller, o Explorer ou o GMT Master da Rolex. A marca suíça foi a primeira marca a usar este desenho, e a sua forma tem um triplo propósito. Não só permite uma maior superfície para a aplicação do material luminescente, como, ao dividir a área do ponteiro em três, evita quebras ou fissuras deste mesmo material, garantindo a sua estabilidade. Por último, em ambiente de fraca luminosidade onde o material luminescente cumpre a sua função, demarca-se de maneira clara da forma do ponteiro dos minutos, o que faz com que haja uma clara distinção entre ambos. Mas, na Rolex, há ainda um outro ponteiro que leva imediatamente à identificação do respetivo modelo onde é aplicado. A forma em raio do ponteiro de segundos em cor de laranja do Rolex Milgauss é já uma imagem de marca deste modelo, caraterizado pela sua capacidade de resistir a campos magnéticos de até 1000 gauss.

A forma em raio do ponteiro de segundos em cor de laranja do Rolex Milgauss é já uma imagem de marca deste modelo. © Rolex
A forma em raio do ponteiro de segundos em cor de laranja do Rolex Milgauss é já uma imagem de marca deste modelo. © Rolex

Luneta rotativa

 No momento de saltar para a água, os mergulhadores acertam os seus instrumentos do tempo. A luneta dos relógios de mergulho permite ler quanto tempo as suas garrafas lhes permitem respirar em imersão. Geralmente definida à hora, esta duração é determinante para a sobrevivência, um assunto de segurança que tem consequências específicas na exibição e ergonomia e no design dos relógios. Sendo assim, as lunetas só podem rodar no sentido anti-horário, de modo a que uma manipulação acidental resulte apenas num encurtamento do mergulho. É necessário, no entanto, que estes anéis se mantenham manipuláveis com luvas ou mãos molhadas. Para responder a este conjunto de restrições, os relógios de mergulho apresentam vários níveis de segurança e diversos desenhos. Na década de 1950, o Fifty Fathoms da Blancpain foi dos primeiros relógios de mergulho a dispor de uma luneta rotativa, tornando-se um ícone. Da relojoaria e da marca.

O Fifty Fathoms da Blancpain foi o primeiro relógio a dispor de uma luneta rotativa, em 1953 © Blancpain
A luneta rotativa do Fifty Fathoms da Blancpain tornou-se emblemática. © Blancpain

A coroa

Existem, claro, mas é muito difícil imaginar um relógio de pulso que não tenha coroa. Este dispositivo faz parte da imagem clássica de um relógio e, além do acerto das horas e de outras funções, tem uma função primordial no que à relojoaria mecânica diz respeito: dar corda. Nos antecessores dos relógios de pulso, a corda dos relógios era dada por meio de uma chave, e foi Jean Adrien Philippe, cofundador da Patek Philippe, que, em 1845, inventou um sistema fiável de dar corda sem recurso a uma chave — bastava puxar a coroa do relógio e rodá-la para que tal fosse possível. Hoje em dia, há relógios cujas coroas são verdadeiros símbolos da própria marca — caso da Chronoswiss ou da Oris. Nesta última, o modelo Big Crown deve o seu nome à própria coroa sobredimensionada pensada originalmente para facilitar a sua utilização pelos pilotos de aviação que usavam luvas. Já a Rolex acabaria por criar um sistema de coroa aparafusada em 1926 que veio permitir maior segurança em face da estanqueidade do relógio. 

Há relógios cujas coroas são verdadeiros símbolos da própria marca — caso da Chronoswiss © Chronoswiss
Há relógios cujas coroas são verdadeiros símbolos da própria marca — caso da Chronoswiss © Chronoswiss

Braceletes 

Falar de relógios de pulso é, obviamente, falar de relógios que podem ser usados no pulso. E só este aspeto tem muito que se lhe diga. Afinal, historicamente, as braceletes foram os elementos cruciais para permitir uma portabilidade prática dos instrumentos do tempo. Esta engenhosa solução, que tem as suas origens nos relógios de senhora, ainda no século XVIII,  foi, mais tarde, adotada para os relógios masculinos, através de Louis Cartier. Hoje em dia, as braceletes estão na moda e a tendência de design passa pela constante renovação do look de um relógio através da troca de braceletes, com muitas marcas a criarem mesmo sistemas de troca rápida de bracelete ou com a Internet a aumentar essa oferta e a popularizar as braceletes alternativas. Mas no campo das braceletes, a Tudor conseguiu conquistar um estatuto de culto graças à linha Heritage, que reinterpreta modelos do passado com um vincado estilo rétro, e que se faz acompanhar das suas famosas braceletes de tecido.

As famosas braceletes de tecido da Tudor  © Paulo Pires / Espiral do Tempo
As famosas braceletes de tecido da Tudor © Paulo Pires / Espiral do Tempo

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