O culto Leica: onde o sonho começa

Não é todos os dias que Portugal surge associado a marcas de culto, como é o caso da Leica. Mais de um século depois, o nome continua a ser uma referência de excelência no mundo da fotografia. Para quem sonha ter uma máquina Leica, aqui é onde tudo começa. E é este o ponto de partida para uma grande aventura.

Foto acima: Detalhe do trabalho manual numa lente de ampliação do viewfinder com o mítico coeficiente de 0,72.

Apesar de conhecida por ser uma marca alemã, cerca de 90% da produção da Leica é feita em Portugal. Há 46 anos em solo luso, mais precisamente em Vila Nova de Famalicão, a fábrica é responsável por cerca de 700 postos de trabalho.

Esq.: Afinação das velocidades de obturação por ouvido. | Dta.: Um pincel literalmente feito de cabelo humano visto que as suas caraterísticas o tornam perfeito para a limpeza imaculada dos prismas. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Esq.: Afinação das velocidades de obturação por ouvido. | Dta.: Um pincel literalmente feito de cabelo humano visto que as suas caraterísticas o tornam perfeito para a limpeza imaculada dos prismas | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Na Leica — Aparelhos Ópticos De Precisão, S. A., fundada em 1973, devido ao escrupuloso cuidado empregado na construção manual, a produção de câmaras é muito reduzida: estima-se 150 corpos de máquinas fotográficas por mês, o que se traduz em menos de 2.000 unidades anuais. O que explica, em muito, a exclusividade da marca. Isto sem contar com os binóculos e os equipamentos de ótica.

A Espiral do Tempo teve o privilégio de conhecer os cantos à unidade fabril, numa visita guiada conduzida pelo administrador Pedro Oliveira. Dispostas num só piso, em forma de ‘U’, e ocupando uma área de 21 mil m² (dos quais 13,6 mil m² são destinados à produção), as instalações, construídas tendo em conta o fluxo de material, contam com uma área total de 3.200 m2 de salas limpas, permitindo, assim, obter produtos de excelência. As melhores máquinas fotográficas do mundo saem da fábrica portuguesa para serem finalizadas em Wetzlar, na Alemanha, e a maioria dos produtos de observação são totalmente concluídos em Portugal.

Esq.: Processo manual de cosedura das cortinas e a sua aplicação já no interior da câmara com o círculo branco que serve de referência para medição da luz. | Dta.: A magia de umas mãos que corrigem elementos óticos até à perfeição. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Esq.: Processo manual de cosedura das cortinas e a sua aplicação já no interior da câmara com o círculo branco que serve de referência para medição da luz. | Dta.: A magia de umas mãos que corrigem elementos óticos até à perfeição | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Onde o extraordinário acontece

Fiquemos a conhecer um pouco da história desta icónica marca. Em 1973, a paixão da Leica entrava em Portugal. A escolha recaiu sobre Vila Nova de Famalicão, o lugar ideal para fundar uma nova fábrica onde o extraordinário pudesse acontecer. Nenhum outro lugar do mundo apresentava uma cultura fabril tão dedicada ao detalhe e à minúcia, com uma reconhecida história e experiência na relojoaria, mecânica fina e filigrana. Passo a passo, dia a dia, a empresa portuguesa tornou-se uma extensão do espírito fundador e pioneiro da Alemanha.

© Paulo Pires / Espiral do Tempo
© Paulo Pires / Espiral do Tempo

Um ano depois, a fábrica acabaria por mudar de instalações para o local onde ainda hoje se mantém — na altura empregava apenas 180 funcionários. É ali que, de um bloco maciço de quatro quilos de alumínio, nascem as míticas câmaras da história da fotografia, desde o modelo M ao topo de gama SL. O que começou por ser uma unidade de binóculos, rapidamente foi crescendo, expandindo-se para a montagem integral da Leica R3. Em 1981, dá-se a primeira ampliação da fábrica, com a construção de um segundo pavilhão. E a expansão continuou. Depois da secção de montagem, foi, em 1987, construído um terceiro pavilhão, onde agora funciona toda a parte da ótica. A produção geral anual ronda os 40 mil binóculos, as 15 mil objetivas, as quatro mil miras telescópicas e as duas mil máquinas fotográficas.

Construir a melhor máquina fotográfica do mundo só é possível com excelência tecnológica: a produção e execução de cada componente tem de ter a perfeição do produto final. Contudo, sublinhe-se, há sempre uma mão a trabalhar em cada câmara Leica: são polidas e pintadas integralmente à mão, conciliando esse aspeto mais pessoal de quem as manuseia com conhecimentos técnicos e científicos excecionalmente avançados. A componente humana é decisiva.

O elemento humano está presente em todas as fases de manufatura, quer dos corpos, quer dos elementos óticos. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
O elemento humano está presente em todas as fases de manufatura, quer dos corpos, quer dos elementos óticos | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

A máxima da empresa é tirar o maior partido da combinação entre a herança, o conhecimento e a experiência — há funcionários com mais de 40 anos de casa, com o state of the art da tecnologia.

Desde 1973, e até aos dias de hoje, ainda ali se constroem as antigas máquinas analógicas, as M, com mais de 1.000 peças individuais: um autêntico artefacto de relojoaria. Estas câmaras, que têm a particularidade de ter as pistas onde o rolo de filme vai deslizar, ainda são produzidas e vendidas diariamente a alguns fotógrafos mais puristas que gostam de trabalhar com filme.

Não há um único robô. Obter o standard de qualidade exigido só é possível manualmente. A maquinaria, por melhor que seja, não consegue ultrapassar a precisão das mãos e do olho humano. Até o quociente emocional entra na equação. A inteligência artificial dificilmente conseguirá rivalizar com a sensibilidade humana.

Uma solução mecânica criada internamente pela Leica Portugal para auxiliar um trabalho repetitivo. Neste caso um apoio de cotovelo bastante engenhoso. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Uma solução mecânica criada internamente pela Leica Portugal para auxiliar um trabalho repetitivo. Neste caso um apoio de cotovelo bastante engenhoso | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

A precisão é toda ela garantida manualmente. Exemplo disso é a secção onde são trabalhados os prismas — peças de uma objetiva que ficam unidas para a vida, graças a um polimento meticuloso.

Ali, conciliam-se equipamentos com mais de 40 anos com ferramentas modernas, e é este encanto tecnológico, esta aventura industrial, que continua a motivar a marca europeia a apostar em Portugal. É um produto alemão, com tecnologia alemã, mas com mão de obra portuguesa reconhecida mundialmente. Fora de Portugal, talvez não haja a noção de que grande parte do processo de fabrico da Leica M é feito em terras lusas. Mais, sem o know-how da Leica Portugal, a marca, muito possivelmente, não continuaria a existir. Até porque o que se faz relativamente aos ajustes das máquinas não se aprende lá fora, é muito específico. Manusear o telémetro, segundo nos explicou Pedro Oliveira, exige anos de prática, e não há escola que ensine a fazê-lo. 

Na fábrica de Famalicão vemos jovens a trabalhar lado a lado com funcionários veteranos. A política da casa é que os mais novos aprendam com os antigos, por forma a alcançar os níveis de conhecimento necessários para assegurar os mais elevados níveis de qualidade.

O elemento humano está presente em todas as fases de manufatura, quer dos corpos, quer dos elementos óticos. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
O elemento humano está presente em todas as fases de manufatura, quer dos corpos, quer dos elementos óticos | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Para trabalhar nesta unidade fabril, é preciso ter um gosto genuíno pelo produto, e isso é notório em toda a equipa. Ao percorrer os vários setores, desde a entrada da matéria-prima, passando pela secção de ótica, de mecânica, montagem, até à etiquetagem, também ela totalmente manual, é notório que existe um esforço conjunto, de equipa, para conseguir atingir a reconhecida qualidade da Leica. Os mais velhos motivam os mais novos. Os segredos industriais são muitos — o que não é de estranhar, sobretudo quando falamos de cálculo ótico. Por fim, visitámos a unidade onde se fazem as gravações com alta precisão com a pintura de baixo-relevo a preenchê-las e onde tudo é feito à mão. Este é um trabalho muito exigente, mas cujo resultado durará a vida inteira.

Para gáudio dos ‘leiquistas’

A 30 km da fábrica, rumámos à primeira Leica Store em Portugal, que se soma às mais de 80 lojas e 60 galerias da marca em todo o mundo. Inaugurada a 1 de dezembro de 2016, na rua de Sá da Bandeira, no Porto, o edifício com 100 m² albergou o que, na década de 20 do século XX, foi o Café Excelsior, uma instituição bancária durante o Estado Novo e, mais recentemente, uma livraria e papelaria.

A Leica Gallery Porto. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
A Leica Gallery Porto | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Ali, os mais atentos à arte da fotografia encontrarão todo o portefólio de máquinas fotográficas e ótica desportiva — parte do espólio foi cedido por colecionadores privados. À nossa espera estava Paulo Silveira, gerente da loja, um apaixonado pela marca. Logo à entrada, o público depara-se com vitrinas onde se alinham diversos modelos de máquinas fotográficas, dos mais antigos aos mais atuais, todo o tipo de lentes e bolsas de vários modelos e cores, a par de livros, t-shirts e acessórios do universo Leica.

Edição ‘Drifter’ by Lenny Kravitz. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Edição ‘Drifter’ by Lenny Kravitz | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

E é impossível passar despercebida a Leica de edição limitada desenhada por Lenny Kravitz. Chamada ‘Drifter’ Set, a M Monochrom é uma câmara revestida com imitação de pele de píton. O impressionante conjunto celebra a dedicação de Kravitz à narrativa visual e presta homenagem ao seu estilo de vida nómada. Apenas 125 conjuntos da Leica M Monochrom ‘Drifter’ estão disponíveis em todo o mundo. Por conseguinte, é uma raridade. 

Detalhe interior de uma Leica Tri-Elmar-M. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Detalhe interior de uma Leica Tri-Elmar-M | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

A Leica Store, além de uma loja e uma galeria, tem um ‘café de cortesia’ para as visitas e, no primeiro andar, uma zona para workshops e masterclasses. Já no andar de baixo, há uma câmara escura, onde se mostra um Portugal de meados dos anos 50 e 60 que já fotografava com máquinas fotográficas Leica. Gérard Castello-Lopes, Silva Araújo e Victor Palla são alguns dos fotógrafos cujos trabalhos estão expostos em molduras a preto-e-branco. Tudo isto num espaço imponente e glamoroso, cujas paredes estão decoradas com painéis de gesso, pé-direito alto e estruturas salientes de inspiração art déco. O universo Leica faz sonhar mais alto.

APO-Summicron-M 75mm, APO-Summicron-M 50mm, Summilux-M 35mm. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
APO-Summicron-M 75mm, APO-Summicron-M 50mm, Summilux-M 35mm | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Leica Store Porto
Rua de Sá da Bandeira 48, 4000-427 Porto
De segunda a sábado, das 10h00 às 19h00.

A Espiral do Tempo agradece à Leica Store Porto a oportunidade de realizarmos esta reportagem e a cedência das duas maravilhosas câmaras fotográficas que nos acompanharam: a Leica CL e a Leica Q2. Ficámos genuinamente rendidos. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
A Espiral do Tempo agradece à Leica Store Porto a oportunidade de realizarmos esta reportagem, bem como a cedência das duas câmaras fotográficas que nos acompanharam: a Leica CL e a Leica Q2. Ficámos genuinamente rendidos | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Saiba mais no site oficial da Leica Store Porto.

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