Patek Philippe: Voar mais alto

Edição impressa | Tive o privilégio de privar com o presidente da Patek Philippe, Monsieur Thierry Stern, duas vezes nos últimos dois meses. A primeira, em Nova Iorque, no passado mês de julho, para descobrir a incrível exposição The Art of Watches promovida pela própria Patek Philippe. A segunda, há escassos dias, na Suíça, em Plan-les-Ouates, na sede da manufatura. Entre estes dois momentos, toda a equipa editorial decidiu escolher o Calatrava Pilot Dual Time 5524G como capa da nossa 60.ª edição. Todo um símbolo.

Reportagem originalmente publicada no número 60 da Espiral do Tempo (outono 2017)

Foto de entrada – Thierry Stern, presidente da Patek Philippe. © Espiral do Tempo/ Paulo Pires

A exposição em Nova Iorque "The Art of Watches" com destaque para o presidente da Patek Philippe, Thierry Stern, recebendo os visitantes à entrada © Espiral do Tempo / Hubert de Haro
A exposição em Nova Iorque “The Art of Watches” com destaque para o presidente da Patek Philippe, Thierry Stern, recebendo os visitantes à entrada © Espiral do Tempo / Hubert de Haro

Determinadas atitudes cristalizam os valores e as mais íntimas convicções de uma pessoa. Foi precisamente o que aconteceu em Nova Iorque, no passado mês de julho, uma hora antes da abertura oficial da exposição The Art of Watches: encontrei Monsieur Thierry Stern, presidente e acionista principal de uma marca que pesa mais de 1.300 milhões de francos suíços de faturação anual* e emprega mais de 2.000 pessoas, a dialogar abertamente à entrada da exposição, com pessoas totalmente desconhecidas que estavam na fila à espera para entrar. «Gosto muito de falar com pessoas que têm curiosidade pela bela relojoaria, mesmo sabendo que algumas nunca usaram um Patek Philippe», explicou-nos o próprio, mais tarde, já em setembro passado, numa entrevista exclusiva dada na Suíça, em Plan-les-Ouates. «São um excelente barómetro; obrigam-me a manter os pés bem assentes na terra. Habitualmente, os colecionadores que encontro respeitam tanto a marca que acabam por evitar abordar comigo certos aspetos. Em Nova Iorque, o grande público teve um discurso muito direto comigo, sem filtro. Não somos um grande grupo obcecado pela faturação; o fator humano contará sempre como um dos grandes valores da Patek Philippe», remata Henri Stern — quarta geração de uma família a liderar o destino da mais famosa marca de alta-relojoaria da atualidade.

A icónica entrada do edifício da Patek Philippe que será brevemente complementado por novas instalações de 100.000m2.
A icónica entrada do edifício da Patek Philippe que será brevemente complementado por novas instalações de 100.000m2. © Espiral do Tempo / Paulo Pires

Ousadia vencedora

Este fator humano é também caraterizado pela descontração com que decorrem as conversas, tanto com colaboradores da Manufatura, como com grandes colecionadores ou com completos desconhecidos. Um à-vontade que se tem traduzido, por vezes, em lançamentos de modelos um pouco mais arriscados, do ponto de vista comercial. Quer na nossa revista, quer nas nossas redes sociais, confesso que temos tido bastante prazer em apresentar alguns desses modelos. Podemos citar, entre outros, a surpreendente referência 5960, um cronógrafo com calendário anual em aço, ou, ainda, o espetacular Regulateur Calendário Anual referência 5235G. Ambos fogem aos habituais e mais óbvios códigos de um relógio clássico da marca (números romanos no mostrador, caixa ultrafina com diâmetro máximo de 38 mm) para arriscar alguma rutura na coleção moderna da Patek Philippe. E foi precisamente neste contexto que escolhemos o radical Calatrava Pilot Dual Time 5524G para a capa desta edição.

Patek Philippe Calatrava Pilot Travel Travel Time 5524G-001 © Patek Philippe
Patek Philippe Calatrava Pilot Travel Travel Time 5524G-001 © Patek Philippe

A inspiração para o Calatrava Pilot Dual Time

Lançado em 2015 na feira de Basileia — a Baselworld —, este modelo apresenta todos os ingredientes para seduzir os ‘inconformistas’: caixa sobredimensionada (para os critérios habituais da marca) de 42 mm, coroas de acerto da hora do segundo fuso horário colocadas às 8 e às 10 horas ou, ainda, um mostrador azul-escuro, num conjunto complementado por uma correia de cor castanha. «Os visitantes do nosso museu costumavam regularmente comentar os dois modelos de piloto atualmente em exposição. Decidi avançar com este projeto pouco antes do aniversário dos 175 anos da marca. Devo confessar que o desenvolvimento técnico e industrial foi muito consensual. A título de exemplo, optámos naturalmente por poussoirs de rosca nos dois novos poussoirs do Dual Time», explica-nos Monsieur Thierry Stern. Relativamente à cor do mostrador, o Presidente assume a sua escolha: «a cor azul é diferenciadora num contexto onde predomina o preto nos mostradores deste tipo de relógios.» E terá o Calatrava Pilot Dual Time sido tão consensual junto dos profissionais do setor? «Percebi imediatamente em Basileia* que o relógio iria alcançar um grande sucesso, precisamente por ter surpreendido tanto os retalhistas Patek Philippe, como os jornalistas. Já no final da feira, acabámos por chegar à conclusão de que a produção inicialmente prevista implicaria aos interessados esperar até quatro anos!»

Etapas de fabrico e acabamento de vários componentes que equipam o Calatrava Pilot Travel Time. © Espiral do Tempo / Paulo Pires
Etapas de fabrico e acabamento de vários componentes que equipam o Calatrava Pilot Travel Time. © Espiral do Tempo / Paulo Pires
Etapas de fabrico e acabamento de vários componentes que equipam o Calatrava Pilot Travel Time. © Espiral do Tempo / Paulo Pires
Etapas de fabrico e acabamento de vários componentes que equipam o Calatrava Pilot Travel Time. © Espiral do Tempo / Paulo Pires

Excelência na montagem artesanal

Durante esta nossa visita aos ateliers da marca, em Plan-les-Ouates, tivemos precisamente a oportunidade de constatar todo o rigor indispensável às últimas etapas da montagem do Calatrava Pilot Dual Time. Sendo assim, mantivemo-nos religiosamente discretos junto de uma relojoeira que afinava a colocação dos ponteiros do relógio. Este processo exige uma atenção e uma destreza acrescida no Calatrava Pilot Dual Time por um motivo: quando a função dual time não está ativada, os DOIS ponteiros das horas (da hora local e da hora do segundo fuso horário) devem sobrepor-se rigorosamente. Em nenhuma circunstância, o branco do ponteiro esqueletizado das horas do segundo fuso horário pode ser visível; deve, antes, ficar totalmente escondido debaixo do ponteiro da hora principal.

Talvez aqui importe recuperar algo que nos foi explicado numa visita que a Espiral do Tempo fez à Cadrans Fluckiger — a fábrica de mostradores com chancela Patek Philippe. Há trabalhos especialmente minuciosos, como é o caso da aplicação manual dos indexes, em que as mulheres acabam por tender a revelar mais perícia na sua aplicação. E no caso da montagem dos dois ponteiros um sob o outro, aconteceu isso mesmo. Assistimos, durante perto de 60 minutos (número de minutos que tão bem se adequa ao número desta edição), a esta fase delicada, maravilhados não só pela paciência, como também pela precisão da relojoeira. Muito embora o uso e abuso da expressão, não resisto a acrescentar que o «tempo parou literalmente» enquanto assistíamos ao processo. E a lógica de utilização é simples e faz todo o sentido. Como dissemos, para que não esteja sempre um segundo ponteiro das horas exposto no dia a dia e sem necessidade, mantém-se esse ponteiro guardado. Uma solução muito prática e que valoriza a funcionalidade.

«Mais do que um relógio para piloto, entendo que este Dual Time será utilizado por viajantes», antecipa Monsieur Thierry Stern; «durante a nossa última exposição, em Nova Iorque, tive o prazer de ver este modelo em vários pulsos».

A experiente relojoeira que terminou a montagem de um Patek Philippe Calatrava Pilot Travel Time Ref. 5524G para que pudéssemos captar todas as etapas deste processo. © Espiral do Tempo / Paulo Pires
A experiente relojoeira que terminou a montagem de um Patek Philippe Calatrava Pilot Travel Time Ref. 5524G para que pudéssemos captar todas as etapas deste processo. © Espiral do Tempo / Paulo Pires

The Art of Watches Grand Exhibition New York

O presidente da Patek Philippe confirmou-nos ainda que a The Art of Watches Grand Exhibition New York recebeu cerca de 27 mil visitantes em dez dias de exposição, número que poderia ter atingido os 40.000, se não fossem as medidas estritas de segurança que obrigaram a limitar o número de visitantes a 400, no máximo. Idealmente localizada no edifício Cipriani, mesmo em frente à famosa estação de comboios Grand Central, esta quarta exposição organizada pela marca voltou a ser um evento gratuito e aberto ao grande público, soando como uma consagração da alta-relojoaria suíça em sol yankee. É necessário ter visão para ousar expor centenas de peças, algumas únicas, numa exposição aberta. Instrumentos do tempo que integram o espólio do atual museu da marca em Genebra estiveram expostos junto a modelos da coleção contemporânea, a peças simbólicas usadas por famosos clientes americanos da marca ou, ainda, a algumas séries limitadas especialmente pensadas e desenvolvidas para este mercado, com especial relevância na história recente da Patek Philippe.

Haveria muito mais para escrever, nomeadamente sobre a odisseia pela América levada a cabo por Monsieur Henri Stern, avô de Thierry Stern e fundador, nos anos 40, da Henri Stern Watch Agency (HSWA), ainda hoje sede da marca para o mercado americano. De formação artística e com grande facilidade no contacto humano, teve uma ideia de génio no início da Segunda Guerra Mundial. A concretização desta ideia ajudou a sedimentar o sucesso comercial da sua HSWA. Com apenas 26 anos, tinha sido enviado nos anos 30 pelo pai para avaliar a filial americana. O seu mandato era de duração máxima de quatro meses. Ao concretizar este golpe de génio comercial, acabou por ficar mais de duas décadas nos Estados Unidos. Mas, isto, já é outra história.

NDLR — Segundo o relatório de 2016 do expert René Weber, do banco Vontobel, em parte publicado na revista dos nossos colegas Europa Star, em setembro de 2017.

NDLR — Todos os anos, a cidade helvética de Basileia organiza o maior certame do setor, Baselworld, onde são apresentadas as novidades de grande parte das marcas de relojoaria a nível mundial, incluindo a Patek Philippe.

Reportagem originalmente publicada no número 60 da Espiral do Tempo

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