Foi a grande notícia dos últimos tempos no meio relojoeiro: a Rolex lançou o seu programa ‘Pre-Owned’ e, de uma assentada, assumiu um maior controlo sobre os relógios da marca no mercado secundário e deu maior destaque aos seus agentes oficiais. A análise.
Ao longo da última década e, sobretudo, nos últimos cinco anos, o chamado mercado ‘pre-owned’ vem assumindo um papel primordial no contexto da indústria relojoeira — ultrapassando os mil milhões de euros em transações anuais e com as principais empresas do sector a guindarem-se ao nível das principais marcas mundiais, suscitando o interesse dos grandes grupos de luxo. A Chrono24, a WatchBox e a Watchfinder têm crescido exponencialmente graças à enorme valorização de certas marcas e determinados relógios da Rolex, da Patek Philippe, da Richard Mille e da Audemars Piguet, para mencionar apenas os casos mais evidentes. Desse quarteto, o que se tem passado com a Rolex é o que mais tem saltado à vista por se tratar da mais famosa de todas as companhias relojoeiras e também por ter os índices de produção mais elevados.
Apesar de números que se aproximam do milhão de relógios por ano, a Rolex não tem tido mãos a medir no que diz respeito à procura por todos os seus modelos — uns mais do que outros, é claro, mas a verdade é que em praticamente todas as boutiques ou agentes oficiais da marca é muito difícil encontrar qualquer relógio para venda e todos os exemplares que surgem nas montras estão acompanhados da etiqueta ‘For Exhibition Only’. Essa procura frenética tem dado azo a práticas menos recomendáveis, como a compra e venda imediata para um lucro considerável instantâneo ou a proliferação de agentes especializados em preços especulativos. Sem esquecer toda a faceta associada às falsificações ou a Frankenwatches feitos a partir de peças originais combinadas com componentes falsos (o chamado ‘milagre da multiplicação’…). Obviamente, a Rolex tinha de tomar uma atitude para mitigar algumas práticas duvidosas e mesmo criminosas que têm sido feitas à custa do seu nome.
E foi com grande impacto que a marca da coroa lançou recentemente o programa ‘Rolex Certified Pre-Owned’, que vem automaticamente valorizar todos os relógios usados que terão esse selo comparativamente com todos os outros que circulam no chamado ‘grey market’. O programa ‘Rolex Certified Pre-Owned’ permite aos distribuidores da rede oficial da marca a possibilidade de comercializar relógios em segunda mão certificados como autênticos e detentores de uma nova garantia internacional de dois anos. Também permite à marca chamar a si a revisão dos seus relógios, garantir a substituição de peças originais e conhecer melhor os números (de transação e de comercialização) do mercado secundário.
Numa primeira fase, os relógios com o selo ‘Rolex Certified Pre-Owned’ vão estar disponíveis nos pontos de venda do seu histórico distribuidor Bucherer em seis países (a cadeia helvética de retalho está presente na Suíça, Áustria, Alemanha, França, Dinamarca e Reino Unido). Os outros distribuidores e agentes oficiais da marca genebrina poderão aderir ao programa ‘Rolex Certified Pre-Owned’ a partir da primavera de 2023. Isso não vai impedir que continuem a ser vendidos e comprados relógios Rolex no ‘grey market’ (novos que são vendidos em segunda mão para lucro substancial) ou no ‘pre-owned market’ (usados), mas abre-se uma nova via oficial.
E o que significa exatamente o selo ‘Rolex Certified Pre-Owned’? Trata-se de um programa que atesta a autenticidade e o estado impecável de relógios Rolex em segunda mão — mas modelos que tenham pelo menos três anos de antiguidade aquando da sua revenda por um agente oficial. O selo ‘Rolex Certified Pre-Owned’ passa a acompanhar essas peças e simboliza a certificação do seu estatuto em segunda mão. Já o cartão de garantia ‘Rolex Certified Pre-Owned’, entregue no momento da venda, atesta oficialmente que o relógio é autêntico e garante o seu bom funcionamento segundo os elevados padrões da marca; o cartão ostenta a menção ‘Certified Pre-Owned’ e funciona como um certificado oficial de autenticidade.
Uma grande parte do sucesso e da reputação da Rolex tem assentado na fiabilidade dos seus relógios ao longo das décadas. Através do novo programa, a marca visa o acompanhamento da segunda vida dos seus relógios já a circular no mercado — uma abordagem que se enquadra na filosofia Perpetual, que tem muito a ver com a irrepreensível busca pela qualidade superlativa e com o compromisso a longo prazo. Porque a Rolex vê sempre a médio e a longo prazo, nunca se deixando enredar em tendências imediatistas ou modas que possam desvirtuar os pilares porque sempre se tem regido. E o programa ‘Rolex Certified Pre-Owned’ também é um alerta para que os seus relógios — tanto novos como em segunda mão — sejam apenas adquiridos em agentes oficiais, os únicos autorizados a vender e a fazer a manutenção dos relógios da marca.
Graças à sua competência e know-how técnico especificamente desenvolvidos em parceria com a Rolex, os distribuidores asseguram o bom funcionamento de cada um dos relógios ao longo dos anos. E somente a rede oficial Rolex pode oferecer essas garantias. A mão de ferro com que a Rolex tem gerido o seu negócio e defendido o seu estatuto é uma das razões porque a marca é uma das mais valorizadas do planeta, daí se percebendo as medidas draconianas que emprega no combate à contrafação e uso indevido do seu nome. Dura Lex, Sed Rolex!
A Rolex não foi a primeira marca a optar pela via da certificação dos seus relógios em segunda mão — a Linde Werdelin terá sido a primeira, seguindo-se-lhe depois marcas de grande valorização como a Audemars Piguet e a Richard Mille. Mas, atendendo aos números de produção anual e à própria dimensão da marca, a Rolex precisou de mais tempo para avançar com o seu próprio programa. Como, aliás, já se verifica no mercado dos automóveis de luxo: escuderias de prestigio como a Posche, Ferrari, Mercedes e BMW, entre outras, também já desenvolveram programas semelhantes e mesmo com variantes relacionadas com viaturas vintage das respetivas marcas.
Há muita gente a ganhar muito dinheiro com a Rolex, uns de maneira mais pertinente do que outros. Isso não vai deixar de acontecer: os ‘flippers’ (gente que beneficia do acesso privilegiado a relógios através de listas de espera para vendê-los como novos com lucro substancial) continuarão a existir, tal como continuarão a vender-se Rolexes nas lojas ou sites pre-owned. Mas o cenário muda de figura e os relógios certificados serão claramente mais apetecidos. E a Rolex também não vai controlar o preço dos seus relógios com certificação ‘Rolex Certified Pre-Owned’, porque o preço vai ser o do mercado — e um mesmo agente oficial poderá mesmo vender relógios usados mais caros do que o equivalente modelo novo. Mas vai controlar melhor o mercado, acompanhar o destino de mais relógios seus e garantir o serviço de assistência/revisão.