Rui Catalão: dos automóveis aos relógios

«Não conheço ninguém que goste de relógios e que não goste de automóveis… e vice-versa» — palavras de Rui Catalão enquanto, sentado no seu 3 Wheeler, olhava com entusiasmo para o relógio que o convidámos a descobrir. Mantendo o espírito de dar voz a quem vibra com o melhor da relojoaria de pulso, resolvemos desafiar um dos representantes da Morgan Cars Portugal a conduzir uma das suas espetaculares máquinas com o espetacular Graham Silverstone RS GMT no pulso. Uma experiência fora de série, relatada na primeira pessoa, e complementada por uma breve entrevista.

Entrevista publicada na edição impressa da Espiral do Tempo 55.

Rui Catalão
© Espiral do Tempo / Paulo Pires

Como é que a Morgan reaparece em Portugal?
A Morgan está implantada no mercado português desde 1986. A inauguração do stand, dia 12 de maio, foi, justamente, uma forma de comemorar os 30 anos da representação da Morgan em Portugal. Até agora, o desenvolvimento da marca foi feito numa lógica de ‘velha economia’, com as coisas a fazerem-se à moda antiga. Se aparecesse alguém que estivesse muito focado na marca, processar-se-ia a venda, mas não havia uma ação proativa relativamente ao negócio. Agora, há a vontade de afirmar que esta marca é extraordinária, que tem mais de 100 anos, que é feita pelas mãos de um conjunto de ingleses numa lógica de manufatura, de craftsmanship, que é mesmo a palavra certa.

Como na relojoaria mecânica, isso são conceitos aparentemente ao arrepio dos tempos. É aí que está o fascínio?
Sim. O desenvolvimento destas peças mecânicas fabulosas faz todo o sentido num período em que existe um processo de globalização e industrialização enorme. Podemos dizer ‘eu tenho a possibilidade de comprar uma máquina, um carro, que eu posso considerar que foi feito para mim por um construtor automóvel exquisite’. Foi por sentir que faz sentido e que havia um grande interesse que desafiei o Jorge Monteiro, na perspetiva de trazer a marca para o século XXI.

Rui Catalão
© Espiral do Tempo / Paulo Pires

E como é que o fez, além da abertura do stand?
Tenho um atelier de design há 14 anos e aproveitei essa minha experiência para puxar pela marca — e, na realidade, as coisas estão a acontecer. Recentemente, tivemos a visita do diretor de marketing da Morgan e ele ficou espantado connosco. Disse que a Morgan Portugal, no que respeita à área digital, estava claramente à frente do sistema mundial da marca — temos cerca de 23.000 seguidores no Facebook. É uma página muito ativa, e, neste ano e meio de trabalho, desenvolveu-se toda uma nova dinâmica.

Numa altura como aquela em que vivemos, é uma atitude empresarial, no mínimo, interessante.
Isto é uma loucura, mas eu acredito plenamente que a Morgan tem um perfil de consumidor muito bem definido, um consumidor apaixonado pelo mundo automóvel, apaixonado por grandes máquinas e que tem uma vontade enorme de ter qualquer coisa que é verdadeiramente feita à sua medida. Hoje em dia, há muito poucas marcas no mundo que têm essa capacidade. Hoje, é tudo muito estandardizado. A Morgan tem coisas que são extraordinárias nos dias de hoje: é a única marca automóvel detida desde o seu início, em 1909, pela mesma família e é a única marca automóvel que continua a ser 100% inglesa, por exemplo. Começou com o Henry Morgan, que construiu o 3 Wheeler, o ex-líbris da marca. Curiosamente, este modelo foi construído com três rodas, porque, na altura, pagava-se menos impostos tendo três rodas em vez de quatro. Em Portugal, ainda hoje não paga ISV pela mesma razão, porque é considerado um triciclo. Mas é um carro que não vem barato, porque é construído por quatro operários ingleses inteiramente dedicados à sua construção — e a mão de obra especializada inglesa, como a suíça na indústria relojoeira, não é propriamente barata. O 3 Wheeler foi produzido de 1909 a 1936, e no ano seguinte lançaram o modelo mais famoso de todos, que é o 4/4 (four-four) — que não é um todo-o-terreno, como se pensa — e que é o único modelo na indústria automóvel que mantém a mesma linha desde o início da sua produção, há 80 anos. Para celebrar a data, foi feita uma versão especial que terá um único exemplar distribuído por cada país. Portugal receberá o seu.

Rui Catalão
© Espiral do Tempo / Paulo Pires

A designação «three wheeler» compreende-se, olhando para o carro. A designação «four-four» deve-se, então, a quê?
O  3 Wheeler tem três rodas e dois cilindros; o 4/4 (four-four) tem quatro rodas e quatro cilindros.

Visitar a fábrica onde estes carros são produzidos deve ter um fascínio semelhante à visita de uma manufatura de relógios ou de uma destilaria de uísque, não?
Vale a pena visitar, é um espaço com um passado extraordinário. Eu costumo dizer que aquilo não é bem uma fábrica de automóveis, é mais uma carpintaria onde fazem carros. O Morgan tem de ter madeira. É como nos relógios: um relógio para ser considerado enquanto tal, tem de ser mecânico, não de quartzo. A base é ash wood, a madeira de freixo, uma madeira que é brutalmente resistente, mas muito leve. E, depois, a fábrica tem imensos pormenores engraçados como a manutenção de determinado equipamento, o uso de uma forma que é a mesma há 60 anos, a produção de uma cola especial, tudo feito por trabalhadores com décadas de experiência no domínio da arte de trabalhar a pele e a madeira. Aliás, faz parte do espírito da empresa estes saberes serem passados de geração em geração. ET_simb

Rui Catalão
© Espiral do Tempo / Paulo Pires

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