Tempo e narrativa

EdT51 — Mostradores que evocam viagens históricas, caixas que replicam texturas de paragens exóticas e fundos que relatam façanhas exploratórias ou que retratam protagonistas da conquista. Os métiers d’art transformam alguns relógios em verdadeiros livros de aventuras. Neles, os grandes feitos ganham uma nova vida e as histórias que narram transformam-se em arte.

Texto originalmente publicado no número 51 da Espiral do Tempo.

Por Cesarina Sousa e Miguel Seabra

Vacheron Constantin The Great Explorers 2008
Métiers d’Art Tribute to Great Explorers — Marco Polo expedition (making of). © Vacheron Constantin
Foto de abertura: Classico Amerigo Vespucci © Ulysse Nardin

A relojoaria sempre se associou à arte para ganhar uma dimensão estética suplementar — desde os tempos dos relógios de mesa e de bolso até aos primórdios dos modelos de pulso. E, porque os feitos dos grandes exploradores e conquistadores sempre capturaram o imaginário dos aficionados e dos artistas, tem havido relógios ao longo da história da relojoaria que se destacaram por desenvolverem essa temática tão fascinante. Com o ressuscitar dos mesteres decorativos por parte de várias marcas tradicionais ao longo da última década, abriu-se novamente uma janela no tempo para feitos considerados épicos ou personalidades que deram novos mundos ao mundo.

Cristovão Colombo
Christophe Colomb Hurricane Grand Voyage II (making of) © Zenith

Um dos modelos mais representativos dessa perspetiva relojoeira na atualidade é o recentemente apresentado Academy Christophe Colomb Hurricane Grand Voyage II — a segunda obra-prima dedicada pela Zenith a Cristóvão Colombo, após uma primeira, lançada em 2013. Um módulo Gravity Control e um mecanismo de força constante através de um sistema fusée-chaine são apontados como as grandes complexidades técnicas devidamente destacadas no mostrador, mas o contrapeso do módulo Gravity Control mostra uma microrréplica pintada do hemisfério sul como aperitivo para o resto do que o relógio tem para contar: o verso oferece uma impressionante combinação de cores e de gravuras que evocam o episódio da descoberta da América por Cristóvão Colombo, em 1492. Fixa ao movimento através de um sistema de apliques em ouro, a representação artística apresenta em primeiro plano o lendário explorador a segurar a bandeira da monarquia espanhola e o enquadramento é enriquecido por palmeiras, pela representação de dois indígenas que seguram frutas em jeito de oferta e por um papagaio de asas abertas. Ao fundo, descobrem-se os três navios da expedição: o Pinta, o Niña e o Santa Maria a navegarem em águas azuis sob um céu especialmente luminoso. Todo o conjunto é emoldurado pela caixa em ouro rosa na qual se destaca o número equivalente de uma edição limitada a dez exemplares.

Christophe Colomb Hurricane
Christophe Colomb Hurricane Grand Voyage II © Zenith

O Academy Christophe Colomb Hurricane Grand Voyage II da Zenith é um exemplo contemporâneo do modo como o mundo das aventuras, da história e da exploração tem servido de fonte de inspiração para as manufaturas relojoeiras. No seu todo, o fundo do relógio narra através de imagens e com especial minúcia um episódio marcante da história com incrível vivacidade.

A via do Mercator

Rare Handcrafts
Ref 982/137R-001, relógio de bolso da coleção Rare Handcrafts da Patek Philippe. © Patek Philippe

Na linha da tendência dos métiers d’art, os designados ofícios tradicionais de ornamentação dão origem a relógios que apresentam de forma artística os mais diversos momentos e situações: de réplicas de mapas históricos à recriação de figuras reconhecidas, passando pela reprodução dos mais variados elementos naturais. A Patek Philippe sempre procurou preservar essas técnicas ornamentais mesmo numa altura em que tinham escassa clientela (nas décadas de 70 e 80), com peças dotadas de mostradores que são verdadeiros quadros em miniatura — evocando sagas marítimas ou réplicas perfeitas de mapas da antiguidade, como acontece na mais recente coleção que celebra os 175 anos da marca suíça.

Lakeside Scenes, Rare Handcrafts Patek Philippe.
Lakeside Scenes — peças integradas na coleção Rare Handcrafts, da coleção comemmorativa dos 175 anos Patek Philippe. © Patek Philippe

A Vacheron Constantin é o perfeito exemplo da aposta das grandes manufaturas relojoeiras na preservação de técnicas decorativas ancestrais, incluindo na sua coleção uma linha designada precisamente por Métiers d’Art e onde se incluem modelos inspirados no mundo da exploração e até das descobertas, com dois modelos de homenagem a grandes exploradores: Marco Polo e Cristóvão Colombo. Em ambos os relógios, o mostrador esmaltado apresenta com pormenor mapas históricos alusivos às aventuras dos nomes celebrados, mas também deliciosos pormenores relacionados com as viagens em causa. Um disco na parte inferior do mostrador complementa a zona fixa do mapa, num relato possível de acompanhar à medida que as horas vão sendo indicadas.

Métiers d'Art Tribute to Great Explorers
Métiers d’Art Tribute to Great Explorers — Christopher Columbus expedition (esquerda) e Marco Polo expedition (direita) © Vacheron Constantin

Mas talvez o modelo artístico mais emblemático da Vacheron Constantin permaneça o Mercator. Inspirado nos seus modelos de bolso Bras en l’Air da década de 30, a manufatura genebrina recuperou os ponteiros retrógrados para os colocar no mostrador de um relógio de pulso sob a forma de pernas de um compasso — lançado em 1994, homenageava Gerardus Mercator (1512-1594), criador das primeiras projeções do globo. Desenvolveu esferas armilares, astrolábios, representações terrestres e celestiais; as suas criações juntaram geografia e geometria, metalurgia e gravação, desenho e caligrafia. E os mostradores esmaltados dos primeiros Mercator são reproduções dos planisférios da autoria do cartógrafo e geógrafo holandês; a fama adquirida conduziu a variações e versões para mercados específicos — incluindo uma dedicada a Portugal.

Vacheron Constantin Mercator
Vacheron Constantin Mercator © Antiquorum

Muitos dos relógios associados a feitos de exploração ganharam dimensão mítica por se terem revelado especialmente robustos perante condições extremas em mar, terra e ar. As versões artísticas oferecem outra dimensão simbólica — podem não ser tão indestrutíveis, mas relatam conquistas perante os nossos próprios olhos ou evocam o encantamento de mundos exóticos, através de decorações apelativas, como no caso dos modelos Black Croco e Gold Croco da Franck Muller que reproduzem na caixa a gravação da pele de crocodilo, num sugestivo prolongamento da correia. Entre viagens, histórias e heróis, o mundo da exploração é assim fonte de criatividade para muitas manufaturas. Uma forma fascinante de elevar os relógios a obras de arte e de fazer de cada modelo uma peça de exceção. ET_simb

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