A manhã estava límpida e, do outro lado da rua onde estávamos hospedados, os nossos amigos da Cvstos já tinham o escritório e o atelier relojeiro abertos. Foi a nossa primeira paragem para bebermos um café decente e bisbilhotar novidades. Já de café tomado, fui um pouco à rua para fumar um cigarro e lembro-me de ter pensado em como era bom ter um dia livre em Genebra.
Normalmente, é uma correria, em que saio do hotel de noite e regresso de noite, em que tenho que fotografar 10 relógios em meia hora ou em que passo os dias dentro dos pavilhões da Palexpo. Mas, estar em Genebra com um dia livre e sem agenda, para um amante da relojoaria e da fotografia, é fantástico. Com este pensamento na cabeça, subimos ao primeiro andar do atelier da Cvstos para dar um abraço ao nosso amigo Antonio Terranova, que ainda recentemente esteve em Lisboa num Encontro Espiral do Tempo, e pedimos-lhe alguns relógios para irmos fotografando ao longo do dia. Como sempre, foi só escolher os modelos e lá fomos nós.
Continuando a descer partindo da Rue Voltaire, chegámos ao Lago Genève e foi aí que fiz as primeiras fotos. Tinha comprado uma lente velhota para a minha Sony e estava desejoso de a experimentar, até porque 40mm é uma distância focal algo invulgar. Os resultados ficaram excelentes de contraste e definição. Aproveitei também para umas fotos com a minha fiel Leica D-Lux 7, aproveitando o dramatismo conferido pela grande angular de 24mm.
Passada a Pont da Coulouvrenière, dirigimo-nos para a Rue de l’Arquebuse, onde uma antiga fábrica de roupa interior feminina é agora sede da Maison Journe. Não custava nada ir ver se o mestre estaria por lá. No pior dos casos, daríamos uma vista de olhos à coleção F.P. Journe que está sempre exposta, enquadrada pela biblioteca de Jean Claude Sabrier, que o próprio mestre adquiriu em leilão há uns anos.
F.P. Journe
Felizmente François-Paul Journe estava lá! Graças aos ‘deuses relojoeiros’, o mestre gosta da Espiral do Tempo, gosta de Portugal e a sua amizade com o meu colega Miguel Seabra possibilita que tenha sempre tempo e boa disposição para falar connosco. Acontecem as tais conversas em off onde se aprende mais sobre o mundo da relojoaria do que em várias entrevistas formais. Por outro lado, Mestre Journe, tinha no pulso um Chronographe Rattrapante em ouro rosa, que me cedeu para umas fotos.
Apresentou-nos ainda as outras versões e também um fantástico Chronomètre Holland and Holland que tinha acabado de ser polido! Reparem, caros leitores, no pano por baixo do relógio para proteção! A conversa estava boa e mestre Journe leva-nos para uma pequena visita aos ateliers onde nos revelou algumas curiosidades dos seus modelos Élégante.
Toda esta intimista visita terminou com este vosso excelentíssimo a fazer a seguinte pergunta a um dos mais geniais relojoeiros da atualidade:
– Mestre, quer ver um relógio a sério?
Sobrolho franzido como resposta e eis que tiro do pulso o meu muy amado Seiko SKX007, passando-o para as suas mãos. Gargalhada geral. Teve, no entanto, a amabilidade de o acertar para a hora suíça. Por isso meus amigos, o meu modesto SKX já foi tocado pelo mestre Journe…
Altura de comer uma sandes, beber um café e de nos dirigirmos a um local que há muito ansiava conhecer. Por detrás de um edifício na parte antiga de Genève, uma escadaria termina num terraço. Nesse terraço há uma pequena porta. Entrando nessa porta estamos nos escritórios da De Bethune.
De Bethune
Duplo golpe de sorte! Não só estava lá Pierre Jacques o CEO, como também Denis Flageollet, o genial relojoeiro cofundador da marca. Lá veio um tabuleiro cheio de relógios que só tinha visto em fotografia e um outro tabuleiro com calibres, umas mini latas de Coca-Cola e cafés. De novo, aqui, não houve entrevistas ou fotos formais, apenas conversa franca e bem disposta.
Mais uma vez, fui abençoado pelos ‘deuses da relojoaria’: o mestre Denis Flageollet acedeu a um retrato. Não é das pessoas mais dadas à coisa, e tenho-o, por isso, como um momento de satisfação muito pessoal.
A De Bethune é algo difícil de explicar. Mecanicamente é do melhor que se faz, sem discussão. Esteticamente é um caso quase único. A marca tem na sua coleção designs tão diferentes, que parecem quase o oposto do que se deve fazer, no entanto, olha-se para uma peça e reconhece-se que é um De Bethune.
M.A.D. Gallery
Corda nos sapatos sem tempo para digerir bem o que ia acontecendo. A próxima paragem nem dei por ela. Havia uns andaimes perto da montra que a ocultavam parcialmente. Estava na M.A.D. Gallery da MB&F! Nesta fase, já estava KO. Um mundo encantado! Obras de arte e objetos de arte relojoeira convivem. Fomos recebidos pelo jovial e apaixonado Charris Yadigaroglu que nos mostrou algumas das primeiras criações da MB&F e também aquele que considero o mais belo calendário perpétuo, o Legacy Machine Perpetual.
Deambulámos um pouco pela galeria, maravilhados com algumas das mais icónicas criações da MB&F como Balthazar o robô de duas expressões, zangado e sorridente, a Star Fleet Machine e outras evidências de que quem trabalha para e com a MB&F é uma criança a brincar muito seriamente o jogo da alta-relojoaria mecânica.
Se, antes de chegar à M.A.D. Gallery, já estava assoberbado pela quantidade de experiências e relógios que me tinham passado pelas mãos, o dia não poderia ter acabado da melhor maneira. Só que ainda me estava reservada mais uma surpresa.
Mais ruas e ruelas na Old Town Genève, parte da cidade amada também por Jorge Luis Borges, batemos à janela de um pequeno atelier relojoeiro que ainda tinha lá pessoas dentro a trabalhar. Cá fora a noite chegava e a luz quente que iluminava a simples sala convidava a mais uma visita.
AkriviA
Fomos recebidos por um bem disposto Rexhep Rexhepi que nos apresentou o seu espaço de trabalho e local onde são concebidos e manufaturados os relógios da sua marca, a AkriviA. Relojoeiro prodígio, o seu percurso não tem parado de surpreender a indústria e os prémios que tem ganho com as suas criações fazem dele um ‘serious player‘ da alta-relojoaria indepedente. Como me disseram ser habitual, o irmão de Rexhep Rexhepi, Xhevdet Rexhepi, estava de air pods nos ouvidos, alheado ao que o rodeava e concentrado apenas no acabamento de um movimento que equiparia o modelo AK-06.
Respira-se relojoaria naquele pequeno atelier, paixão e respeito pelos métiers herdados dos grandes mestres da história. Cada peça é uma obra cuidada e aprimorada manualmente, onde cada detalhe é alvo de atenção nos mais ínfimos pormenores. Curiosamente, Xhevdet Rexhepi, lançou há poucos dias a sua primeira criação em nome próprio, o Xhevdet Rexhepi ‘Minute Inerte’.
Já era noite quando deixámos a AkriviA. Ao caminhar de volta para o hotel, passei em revista mentalmente o dia memorável que estava a terminar. Cvstos, F.P. Journe, De Bethune, M.A.D. Gallery e AkriviA. Cansados mas de coração cheio, foram assim passadas 24 horas mergulhados no melhor que a relojoaria tem para oferecer numa cidade especial. Ir a Genebra, com mais ou menos tempo, é voltar a um local onde sempre fui feliz.