Era para ter sido uma entrevista programada, cheia de ideias, baseada na 1919 Collection da Porsche Design, mas o caminho previsto foi minado logo no início. Porque, sem qualquer abordagem prévia, o nosso convidado começou a revelar-se e a conversa fluiu não apenas sobre os dois relógios que o desafiámos a experienciar. Muito pelo contrário. Longe do incontornável e premiado fotógrafo de arquitetura que Fernando Guerra é, conhecemos um verdadeiro entusiasta de relógios de pulso. Um apaixonado também. Quanto aos novos Porsche Design, gostou da experiência, sem dúvida, e chegou mesmo a aventurar-se com algumas fotografias. Mas não esconde que continua a vibrar mais por outro perfil de instrumentos do tempo.
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Texto originalmente publicado no número 57 da Espiral do Tempo, mas aqui complementado com mais fotos exclusivas.
O objetivo do encontro não era a formalidade: uma conversa descontraída com Fernando Guerra que, a nosso convite, não só andou durante um mês a viajar pelo mundo com um Globetimer Series 1 Titanium & Rubber, como também aceitou explorar durante alguns dias o Chronotimer Titanium & Rubber — ambos modelos da 1919 Collection da Porsche Design. O ponto de partida teria de passar sempre pelos relógios em causa, e, como seria óbvio, também tínhamos pensado em explorar o mundo da arquitetura, numa relação direta com a área profissional do nosso convidado — é isto que fazemos como Espiral do Tempo: relacionar o mundo da relojoaria com todos os mundos e todas as áreas possíveis. Nesta altura, o que podemos dizer é que também passámos por esses lados, mas acabámos por descobrir muito mais.
Fernando Guerra
Um dos perigos de abordar personalidades de renome é o inevitável risco de entrar em modo loop, perante o que já foi escrito ou que já foi dito. E, quando se pesquisa «Fernando Guerra» pelos meandros da Internet, há quase sempre algo de comum a muitas histórias: começou a fotografar cedo, aos 16 anos, e nunca mais parou. Com o curso de Arquitetura, optou por seguir um rumo especializado — uniu hobby e formação para apostar na fotografia de arquitetura, numa altura em que esta área era ainda pouco explorada por cá. Para se ter uma noção concreta do trabalho que este fotógrafo tem desenvolvido, o ideal é uma visita ao site oficial da empresa que criou com o seu irmão há cerca de 17 anos. Para aqui, arriscamos apenas salientar que existe um antes e um depois de Fernando Guerra no âmbito do seu domínio profissional. Isto porque o português, nascido em Lisboa, arriscou deixar de lado a abordagem fotográfica vazia da arquitetura para revelar a vida que cada obra tem. Tenta, como o próprio nos disse, «contar uma história, fazer uma pequena narrativa; se estou a fotografar uma casa, o mais interessante é apanhar todos os que ali vivem e interagem a todas as horas do dia: porque, nesse momento, aquela enorme casa que estive a fotografar torna-se numa espécie de relógio no qual as pessoas são como que a engrenagem que dá sentido ao edifício.» E, assim, saímos do modo loop, já que a referência aos relógios não é fruto do acaso. Porque o que a Internet não diz é que, antes da fotografia e mesmo antes da sua paixão por automóveis Porsche, Fernando Guerra comprou sozinho o seu primeiro relógio — não um relógio de pulso, de estilo questionável e de cores bem marcadas, como era apanágio dos anos 80, mas um relógio de bolso que o tem acompanhado desde sempre: tinha 13 anos.
Fernando Guerra: entusiasta, apreciador, colecionador?
Não vale a pena procurar um adjetivo para qualificar a relação que Fernando Guerra tem vindo a construir, desde então, com os relógios — principalmente relógios de pulso. Se alguém pensava que iríamos descobrir uma coleção recheada de marcas imponentes de alta-relojoaria, desengane-se. Para termos uma ideia, no momento da entrevista, o nosso convidado estava entusiasmadíssimo com um cronógrafo GMT Ikepod Hemipode de 2003 — que, pouco tempo depois, acabou mesmo por adquirir e aceitava o desafio de fazer algumas fotografias para a Oris. No entanto, o fotógrafo confessou que vibra com a procura de relógios vintage, em especial da década de 70: «Com os relógios, tenho a mesma política que tenho com os carros: começo por adquirir os mais difíceis e, depois, passo para os mais acessíveis. Neste momento, estou a tentar adquirir relógios que, por exemplo, gostaria de ter quando era mais novo e não podia. Por outro lado, tal como os carros, ter só por ter (guardados) não me interessa. Adoro ter, para usufruir deles.» No seguimento da conversa, Fernando Guerra revelou-se apreciador e entusiasta, mas não só. «Quando arrisco mostrar os meus relógios, muitos talvez questionam as minhas escolhas, por vezes, pouco consensuais face ao que é suposto ser obrigatório adquirir. Mas o que me leva a escolher é muito mais. Quem gosta de máquinas gosta delas por tudo. Na minha perspetiva, o valor de um relógio não é defendido só pela marca, pelos materiais, pelo preço ou pelo movimento. Para mim, existe uma alma dentro do relógio, algo que me chama, e o incrível é perceber essa alma. Existem relógios que parecem ter histórias para nos contar. E compro-os por isso. Depois, claro, há o impulso. O momento.» Por tudo isto, não se considera um colecionador. Não há um critério específico de coleção associado às suas aquisições. Entusiasta? Sim. E vício? «Acho que sim», referiu a sorrir. Aqui vale a pena acrescentar um aspeto: Fernando Guerra nunca sai de casa sem um relógio no pulso: «é a única joia que gosto de usar; além disso, como tempo é aquilo que não tenho na minha vida, acabo por ter uma relação muito especial com estes objetos.»
Perfil de relógio
Tal como um edifício, um relógio tem também uma estrutura. Eleva-se e surge enquanto peça arquitetural com inúmeros detalhes para descobrir e comunicar — razões mais do que suficientes para introduzir o tema da arquitetura. Um fotógrafo de arquitetura que também é arquiteto teria, com certeza, um gosto óbvio no que diz respeito a relógios de pulso. Pensávamos nós, claro. «Julgo que a maioria dos meus colegas tende a usar relógios tipo estação dos comboios suíça. Muito minimal. Isso é o cliché de relógio de arquiteto», destacou Fernando Guerra.
Com efeito, há uma tendência para estes profissionais apreciarem relógios mais clean, mais leves esteticamente. Só que não é o caso do nosso convidado: «de um modo geral, tenho queda para relógios com algumas complicações, robustos, com aspeto maciço, gosto de os sentir. Quando estava a trabalhar em Macau como arquiteto, a minha revista preferida era a National Geographic, e, nessa altura, a Rolex publicava uns anúncios maravilhosos que mostravam exploradores e fotógrafos no alto de montanhas, pessoas em esforço, com um relógio no pulso. Aqueles anúncios causavam impacto. Faziam sonhar. E esse foi um dos motivos pelos quais sempre quis ter um Rolex: o espírito de aventura que esses anúncios transmitiam. Não sou um explorador, mas a minha vida é intensa e imprevisível. Ando 365 dias de botas, constantemente em trânsito — tanto posso estar num sítio tropical sem problemas, como no dia seguinte estar enterrado até aos joelhos a fotografar outra coisa qualquer. Quando compro relógios, têm de ser peças que desligo que as tenho, que sejam resistentes, com as quais possa andar sempre.»
Porsche Design 1919 Collection
Perante este perfil de relógio, voltámos a cair em terreno pantanoso. Convidámos a experienciar dois Porsche Design 1919 (really?). Inspirada nas linhas do Porsche 356 e ancorada na linguagem minimalista e funcional associada à escola Bauhaus, a linha 1919 é uma construção vanguardista e difere do design integrado que, na década de 70, estabeleceu as fundações da relojoaria moderna. O Globetimer apresenta um ponteiro suplementar para a indicação de um segundo fuso horário no mostrador, com a indicação das cidades representativas de todos os 24 fusos, e o Chronotimer integra um movimento cronográfico, com consequente adaptação da caixa (com botões de forma) e do mostrador (numa disposição tricompax vertical). Falamos de relógios com caixas de 42 mm, cujas caraterísticas fazem deles pouco dotados para aventura. São relógios Porsche Design e ponto final. Caixa em titânio (logo, leve) com asas estilizadas, não integradas, linhas puras, mostradores minimais — relógios que encaixavam mais no perfil de arquiteto que esboçámos de início. Quanto muito, tínhamos a ligação ao mundo Porsche — Fernando Guerra é, atualmente, embaixador do novo Porsche Panamera, e essa foi a razão pela qual o convidámos a testar relógios Porsche Design. Isso e a associação à arquitetura, claro. Mas não foi grave: «prefiro relógios robustos, mas tal não me impede de apreciar peças realmente bonitas. E, acima de tudo, sinto um prazer imenso em ver um objeto bem desenhado no pulso.» O nosso convidado aceitou, assim, o desafio. Não só experienciar, como também fotografar os dois Porsche Design já referidos.
Vale a pena ler as suas impressões em relação a esta experiência, bem como algumas fotos que dela resultaram: ‘A experiência Porsche Design 1919 Collection’.
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