Pedro Lima: para lá do ecrã

Edição impressa | O seu rosto é um dos mais reconhecidos dos ecrãs de televisão portugueses. Sendo ele ator, diria, no entanto, que o que mais o caracteriza enquanto indivíduo, e que o acompanha de criança até hoje – e, digo eu, até quando lhe for possível – é ser um desportista. Não porque se limite a ter praticado desporto toda a vida, mas porque parece ter enraizado o espírito e os valores positivos que normalmente lhe associamos. No pulso, um TAG Heuer, como convém a um desportista. Um TAG Heuer Monaco. Eis um filme possível sobre Pedro Lima, para lá do ecrã.

Entrevista originalmente publicada no número 61 da Espiral do Tempo

Tendo nascido em Angola, é natural que seja um desportista e que tivesse praticado até mais do que um desporto. Como é que começou a fazer desporto e quantos desportos fez?
A minha ligação com o desporto tem que ver com um princípio de educação, que eu também transmito aos meus filhos. Nesse percurso de cultura de vários desportos e de assistência a eventos desportivos, o meu pai achou que a natação era prioritário. O que aconteceu é que eu fui muito bem-sucedido muito rapidamente na natação — e o projeto de aprender vários desportos ficou pelo caminho. Claro, jogava futebol e vólei na escola, e faço surf desde pequeno.

Como angolano, “tem, naturalmente, o bom gosto de ser do Sporting”. Também é um gosto que vem de Angola e da preponderância que os diversos sportings tinham em diversas modalidades?
(risos) A minha família é toda sportinguista, não foi bem uma escolha. Foi herança genética, mesmo. Só depois constatei que o Sporting tem uma cultura desportiva multidisciplinar, apesar do foco muito grande no futebol. Frequentei muitos espetáculos desportivos, vi muitos jogos de hóquei, de basquetebol, de andebol, de boxe, de taekwondo, de ginástica. Assisti a muitos espetáculos desses no antigo pavilhão do Sporting. E de atletismo. Estava em Alvalade quando o Fernando Mamede bateu o recorde da Europa dos 10.000 metros. Tive essa sorte. Admiro esse ecletismo do Sporting, que tem o desporto como um valor virtuoso.

Enquanto desportista, teve o ponto alto como nadador olímpico, por Angola. Como foi essa experiência?
Foi um deslumbramento, especialmente nos primeiros jogos em que participei. Quando se começa e se pratica um desporto de alta competição, o grande sonho é sempre participar nos Jogos Olímpicos. Antes de representar Angola, representei Portugal em campeonatos da Europa e em várias competições internacionais até aos 16 anos. Quando tinha 17 anos, era ano de Jogos, e eu não obtive os mínimos para representar Portugal. Como na altura o Rui Mingas era o secretário de Estado do Desporto de Angola, e era também amigo dos meus pais, lembrou-se de me fazer esse desafio. Adquiri a nacionalidade desportiva angolana e aproveitei essa oportunidade. São os Jogos do Carl Lewis e do Ben Johnson, na velocidade, e são os Jogos da Rosa Mota, por exemplo. Com 17 anos, cruzei-me na Aldeia Olímpica com alguns dos maiores ícones do desporto, meus heróis, coisa que se acentuou na minha segunda participação, quando, em Barcelona, se deixou o fundamentalismo em relação às modalidades amadoras, e se começaram a aceitar atletas profissionais.

Pedro Lima
À esquerda, Pedro Lima no set da série “Onde está Elisa”, na qual usou um TAG Heuer Monaco enquanto interpretava o arquiteto Bruno Pires. À direita, com o mesmo relógio, no âmbito da entrevista para a Espiral do Tempo. © Paulo Pires/ Espiral do Tempo

Dá-se o caso de eu me lembrar muito bem dos Jogos de Barcelona, justamente por causa da equipa de basquetebol que Angola tinha, do jogo que fizeram contra o melhor ‘dream team ever’, e da vitória contra a equipa da casa, a poderosa Espanha. Diga-me que viu esses jogos ao vivo!
(risos) Vi o dos EUA, tive a oportunidade de ver ao vivo esses deuses e, mais que um deus, o Michael Jordan. Nós também estávamos em competição e os atletas não têm acesso aos espetáculos, mas insisti muito com as direções e lá consegui um lugar. E foi inesquecível. Nós acompanhávamos os jogos da NBA, na altura, e havia esse mito chamado Michael Jordan, um atleta de uma beleza extraordinária e que correspondeu completamente às minhas expetativas, ou superou, porque tudo aquilo era muito bonito. O jogo contra Espanha, não vi…

Como é que geria a superação dos tempos, trabalhar para o centésimo de segundo, para obter uma marca ou um pódio? Era obcecado?
Era. A performance mede-se com o tempo, e o desafio é sempre encurtar o tempo em que percorremos a mesma distância. Eu era nadador de velocidade, pelo que cada centésimo conta. Melhorarmos um centésimo em relação à nossa anterior melhor marca já provoca um sentimento de superação. Trabalhávamos para isso todos os dias e às vezes conseguíamos fazê-lo nos treinos. Nunca pensei muito sobre isso, mas acho que tinha algum sentimento de frustração, porque nos treinos sentia que estava a andar muito bem e nas competições havia atletas a andar muito mais, sobretudo ao nível dos Jogos Olímpicos. Na velocidade, tudo tem muita importância, desde o salto de partida, e eu pensava: como é que eu treino, treino, treino, e um tipo que também só treina passa por mim assim? Se soubesse o que sei hoje… mas, na altura, pensava que era só a treinar que se ia lá… De qualquer forma, hoje acho que o nível médio de atletas de cada país é uma coisa que está mais bem resolvida. Se aqueles com quem competimos mais regularmente, nas competições regionais, forem de um nível mais alto, isso estimula-nos a uma superação constante. Se o nível for fraco, a desmotivação é muito grande — e eu surgi numa altura em que o nível era muito fraco. Dizem os entendidos que eu tinha muita qualidade aos 11 anos, mas como havia uma grande diferença em relação aos outros atletas, lá está, desmotivei-me. Comecei a inventar lesões para não treinar, tudo era uma chatice e, se calhar, se tivesse alguém que me ganhasse com mais frequência, talvez não tivesse inventado essas lesões (risos).

Pedro Lima
Pedro Lima enquanto Bruno Pires na série “Onde está Elisa”. No pulso um TAG Heuer Monaco. © Paulo Pires/ Espiral do Tempo

Por se manter um desportista, faz todo o sentido ter um TAG Heuer no pulso. Um desportista que se preze tem de ter, pelo menos, um TAG Heuer. Um atleta olímpico “tem obrigação” de ter, pelo menos, dez. Quantos é que o Pedro tem?
(risos) Dois. Comprei o meu primeiro TAG Heuer entre uns jogos e outros. Tenho-o desde essa altura. Depois, tive outras marcas e agora tenho este, que é fantástico.

Bom, a TAG Heuer lançou um modelo ligado ao Sporting; por isso, esteja à vontade…
(risos) A sério?

Sim. O que é que gosta no relógio que tem no pulso?
Hoje, olho mais para o relógio como uma máquina. Não o uso pelas horas que ele indica, naturalmente. Há muitas alternativas e mais rigorosas, enquanto meio de medição do tempo. Mas também não uso relógios eletrónicos! Têm de me agradar esteticamente e, no que respeita ao design, este é irresistível. E depois tem por trás esta história do Steve McQueen, um dos grandes heróis do cinema e das corridas, um ícone masculino. O relógio faz-me sentir um bocadinho Steve McQueen…

Torna um pulso viril, não é?
(Risos) É, transmite uma certa masculinidade.

Para quem teve uma, ainda que fugaz, passagem pelo universo da moda, parece ir um bocado ao arrepio dela ao ter como referência um modelo vintage.
Sendo uma pessoa algo conservadora — no gosto e na estética, não nos costumes —, todo o conceito à volta da moda viola o meu conceito de temporalidade necessária. A moda está em permanente mudança, sempre a inovar, o que me provoca algum desconforto e um ritmo de vida com o qual não me identifico. Nunca tive vontade de ser modelo, nem me interessa muito esse universo, a não ser quando as criações permanecem. E isso também acontece nos relógios. Na relojoaria, também há modas, mas quando se recupera um modelo que foi lançado há 40 ou 50 anos — este foi em 1968 ou 1969 — se, na altura, esse modelo foi moda, hoje já não o é, hoje é um clássico. Na altura, lançaram-se dezenas de modelos de que hoje ninguém se lembra.

Entretanto, torna-se ator. Reflete sobre o efeito do tempo nos filmes e nos atores que admira?
Claro. Tudo quanto se torna clássico tem essa relação com o tempo. Certas obras são intemporais. Resistem à erosão do tempo. Outra caraterística é a sua universalidade, são obras que têm a ver com o ser humano, o que mais importa é o ser humano, os seus valores, independentemente da época em que são realizados. Acontece no cinema, na literatura, na arte. O tempo é o grande aferidor da qualidade. Eu considero-me um pouco conservador nos gostos e tenho alguma resistência à inovação, e acho que tem que ver com isso, com a necessidade de esperar para perceber se o que estamos a ver e a sentir é ou não importante — e só o tempo faz isso, com calma e paciência.

Será que o mais aborrecido de se ser ator é ver, de uma forma que mais ninguém vê, o passar do tempo sobre o corpo e o rosto?
Eu não gosto de me ver, mas é porque reparo em questões que não têm que ver com isso. Pormenores que pertencem à nossa intimidade e com os quais é difícil lidar. É difícil colocarmo-nos na posição de espectador, quando parte dessa história somos nós próprios. Em relação ao envelhecimento, as grandes personagens não são novas, e são-no cada vez menos. Há pouco tempo vi um filme, o American Hustler, em que o Christian Bale tem uma interpretação genial e nós ficamos completamente fixados na interpretação dele. De repente, ele tem uma cena com o De Niro, uma cena com uns três minutos. E ficamos surpreendidos e a pensar que, afinal, a interpretação do Bale não era tão boa como isso, porque o de Niro faz qualquer coisa de mágico e toma conta da cena. E isso, penso, tem que ver com a idade, as rugas, a voz, o peso, o corpo, o cabelo. O que ele dá ali é o resultado dos anos de experiência e do mundo que ele tem, coisa que a juventude não consegue passar.

Como é que gere a influência do seu trabalho em casa? Se tem de trabalhar um personagem mais crispado, é difícil desligar quando chega a casa? Fica zangado com toda a gente?
Eu acho que não trago a personagem para casa, mas é inevitável. São muitas horas passadas com a personagem. Não quer dizer que o façamos todos os dias, mas o período de gravação é de 12 horas. É normal trabalharmos no mínimo oito horas por dia, durante muitos meses, com aquela personagem, com aquele registo. Às vezes, há algumas crises de identidade, ficamos a pensar quem somos, o que é que quero, o que é importante. Há alturas em que nos sentimos um pouco perdidos. É a vida que escolhemos, mas quando a escolhemos não temos noção de nada disto.

Pedro Lima
Pedro Lima recebeu-nos simpaticamente em sua casa para uma entrevista onde se falou de relógios, do tempo e do percurso de vida do ator. © Paulo Pires/ Espiral do Tempo

Entretanto, tem cinco filhos. Como é que se consegue fazer desporto assiduamente quando se tem cinco filhos? Só mesmo um atleta olímpico, presumo…
É preciso tomar alguma atenção às oportunidades que o tempo nos dá. Ter uma grande capacidade de adaptação às circunstâncias do momento. Para já, há uma série de fatores que nos permitem antecipar o que vai ser o nosso tempo. O tempo que demora a terminar uma determinada tarefa. Quando faço surf, sei a que horas há a maré, quando é que chega um determinado tipo de ondulação, como é que vai estar o vento a determinada hora, e isto permite-me antecipar certas coisas, nomeadamente, se o que pretendo fazer nesse dia vai ser conciliável com as obrigações das quais não consigo fugir, por exemplo. Às vezes, paga-se com desgaste físico, cansaço, com horas de sono a menos, mas faz-se.

Qual é o melhor tempo da sua vida, o que passa com os seus filhos, ou é mesmo a fazer surf?
O tempo é muito valioso, todo ele, cada momento. É um pensamento muito próprio, mas diria que nem os momentos maus eu dispensaria. Podem ser angustiantes, mas ajudam muito a valorizar o que temos de bom na vida. E depois há outros momentos geradores de grande alegria, de grande bem-estar. A norma é que os momentos bons superam claramente os momentos maus, e uma das grandes responsabilidades nesse balanço é a existência dos meus filhos. Dão sentido à minha vida, fazem com que tenha um propósito de viver, de trabalhar. O que faço também é por eles, não só para sustentá-los, mas para dar um exemplo do que deve ser a relação com os amigos ou com o trabalho. O exemplo é a melhor forma de educar. Há uma resistência natural das crianças aos pais só por serem pais, mas, se tiverem exemplos que eles considerem virtuosos, é mais fácil seguir esses exemplos.

Presumo saber que, acaso não fosse ator, gostaria de ser político. Seria mais um político de consensos ou de afetos?
De consensos. Que, acho, por norma é o que faz falta na vida política portuguesa. Agora, tivemos um primeiro exemplo na nossa governação de partidos historicamente quase inimigos, inconciliáveis, que conseguiram encontrar uma solução de governação e, sinceramente, como português, isso entusiasmou-me. Espero que todos os partidos olhem para este exemplo, comum numa série de países nórdicos, e, no futuro, encontrem soluções de governação, em vez de estarmos permanentemente a deixar cair governos e a fazer eleições que não levam a lado nenhum. Não digo que não seria de afetos, porque acho que os afetos são muito importantes. Tenho isso muito na minha família e nos meus amigos, mas, para os homens e mulheres que escolhem ter uma carreira política, o peso dos consensos devia ser muito grande. As convicções também, mas, uma vez que vivemos em democracia, os consensos são fundamentais.

Olha mais para o passado, para o presente ou para o futuro?
Futuro.

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