Ferdinand Berthoud: uma despedida e a novidade

E depois do adeus? Na recente edição do Watches and Wonders, a Chronomètrie Ferdinand Berthoud despediu-se do relógio/calibre que marcou o seu (re)nascimento e apresentou um novo modelo. Sempre nos píncaros da alta-relojoaria, combinando o clássico com o contemporâneo.

Em Genebra | Foi um projeto pessoal de Karl-Friedrich Scheufele, co-presidente da Chopard, e tornou-se num microfenómeno da relojoaria contemporânea — apesar de ter raízes no século XVIII. A Chronomètrie Ferdinand Berthoud foi fundada para homenagear um dos mais insignes relojoeiros da história da medição do tempo e o objetivo consistia em interpretar o que ele próprio faria para o pulso se estivesse vivo hoje. O projeto era ambicioso: miniaturizar um cronómetro de marinha para o pulso, mas Karl-Friedrich Scheufele e a sua equipa lograram mesmo criar algo de verdadeiramente contemporâneo que respeita escrupulosamente a tradição e a obra do lendário mestre. Quanto à atualidade do catálogo da Chronometrie Ferdinand Berthoud, a recente edição do Watches and Wonders determinou uma despedida (através do Chronomètre FB 2T) e uma nova chegada (com o Chronomètre FB3 SPC).

Retrato de Ferdinand Berthoud ostentando ao peito a insignia da Legião de Honra. O retrato faz-se acompanhar da inscrição ‘Ferdinand Berthoud, Horloger, Membre de l’Institut de France et de la Légion d’Honneur’ | © Ferdinand Berthoud

O inaugural FB1 surgiu em 2015 e assentava tanto num design octogonal verdadeiramente único de Guy Bove como num complexo calibre dotado de turbilhão e fuso com corrente. A aposta foi imediatamente ganha com a conquista do galardão principal no Grand Prix d’Horlogerie de Genève em 2016 e desde então teve continuidade com interessantes variantes em séries muito restritas. Esse prolongamento do relógio inaugural da Ferdinand Berthoud fica este ano encerrado com uma última edição — declinada em três diferentes combinações de ouro e que esgota os últimos 38 movimentos do primeiro calibre da manufatura. E não vai ser fácil agarrar qualquer desses últimos 38 relógios, tal como não tem sido fácil adquirir qualquer peça com a chancela Ferdinand Berthoud.

Karl, Karl-Friderich & Karl-Fritz Scheufele | © Chopard

«Isso só prova que o nosso conceito estava certo», diz Karl-Friedrich Scheufele. «E que Ferdinand não perdeu o seu apelo, que já existia no século XVIII. A procura ultrapassa em muito a oferta e temos tido algumas dificuldades em acompanhar as encomendas devido à nossa produção restrita, pelo que há listas de espera». E haverá seguramente listas de espera para o Chronomètre FB 2T, uma derradeira variante do FB1 que se destaca pela caixa redonda (em contraponto à caixa geométrica do primeiro modelo e respetivas variantes) de 44mm por 14,3mm de espessura e por pontes em safira no movimento — para que seja possível apreciar melhor o calibre que (re)colocou a marca no mapa há oito anos.

Ferdinand Berthoud FB-2T.1, FB-2T.2 e FB-2T.2-1
FB 2T.1, FB 2T.2 e FB 2T.2-1 | © Ferdinand Berthoud

«O sucesso foi muito para além do que eu esperava», reconhece Karl-Friedrich Scheufele, que viu um sonho tornar-se realidade e ser premiado com quatro galardões no Grand Prix d’Horlogerie de Genève (incluindo o máximo) e vários outros por esse mundo fora; quanto à derradeira tiragem, justifica: «Não podemos produzir muitos movimentos diferentes e estamos limitados na produção; só para os acabamentos é preciso aprender durante meses e anos, pelo que temos de fazer opções e seguir novos caminhos». O Chronomètre FB 2T está disponível em ouro branco com mostrador azul escovado (FB 2T.1), ouro rosa com mostrador preto escovado (FB 2T.2) e ouro rosa com mostrador em ruténio escovado (FB 2T.2-1). As três variantes de base surgem marcadas com a gravação ‘Edition Finale’, tornando-as instantaneamente mais valiosas, e podem ser customizadas pelo cliente final.

Ferdinand Berthoud FB-2T.1 no pulso
FB 2T.1 | © Ferdinand Berthoud

Tal como no FB1 inaugural, a abertura no mostrador do Chronomètre FB 2T não desvela o turbilhão, mas as rodas dos segundos diretos; o turbilhão surge em todo o seu esplendor no fundo, apresentando-se em grandes dimensões. O Calibre FB-T.FC-2 é a última adaptação do primeiro Calibre FB-T.FC, sendo certificado pelo COSC com uma frequência de 21,600 alternâncias/hora e 53 horas de reserva de carga; inclui também um mecanismo regulador de força constante graças ao sistema de fuso e corrente — precisamente inspirado nos fiáveis e lendários cronómetros de marinha concebidos por Ferdinand Berthoud no século XVIII. No total, inclui 1124 componentes, dos quais 792 pertencem à corrente.

Ferdinand Berthoud FB-2T.1, FB-2T.2 e FB-2T.2-1
Os três modelos FB 2T | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Como nas múltiplas versões anteriores, o turbilhão de segundos diretos só pode ser visto a partir do fundo e é bem omnipresente — trata-se de um turbilhão sobredimensionado, com uma gaiola de titânio com 16,55mm suportada por um único braço e uma roda do balanço igualmente grande com 12mm de diâmetro. A espiral apresenta uma curva terminal Phillips modelada à mão. Através do fundo em vidro de safira é também possível ver o sistema fusée à chaîne do lado esquerdo e o tambor de corda do lado direito. Sobre o tambor de corda está um dispositivo que bloca o sistema quando a corda atinge a reserva máxima para impedir o arrancar da corrente; do lado da fusée está o mecanismo de manutenção da potência que funciona mesmo quando está a ser dada corda ao relógio. O mecanismo de reserva de carga também é tecnicamente interessante, já que assenta num cone móvel — sendo inspirado num sistema idealizado pelo mestre britânico George Daniels.

Ferdinand Berthoud FB-2T.2
FB 2T.2 | © Ferdinand Berthoud

Claro que, para um exemplar de alta-relojoaria que andará entre os 250.000 e os 300.000 euros (o preço varia consoante a personalização), o nível de acabamentos tem obrigatoriamente de ser excelente. Não há motivos decorativos muito espampanantes, como sucedia tipicamente em qualquer cronómetro de marinha; o nível superlativo prende-se sobretudo com o tratamento dado a cada peça e os respetivos polimentos, incluindo a anglage efetuada em todas as pontes. A caixa redonda do Chronomètre FB 2T não é totalmente nova, já que se inspira no FB 2RE Remontoir d’Egalité de 2020 — a segunda ‘família’ sob a chancela da Chronomètrie Ferdinand Berthoud.

Ferdinand Berthoud FB-3SPC.1 e FB-3SPC.2
Ferdinand Berthoud FB 3SPC.1 em ouro branco e FB 3SPC.2 em ouro rosa | © Ferdinand Berthoud

A terceira e mais recente família é o Chronomètre FB3 SPC, introduzida este ano no Watches and Wonders — e que surge num patamar de preço não tão elevado, embora ainda significante para qualquer padrão de alta-relojoaria (140.000 francos suíços). Fazendo jus ao histórico do nome Ferdinand Berthoud, trata-se de mais um cronómetro… embora o enfoque da nova peça se situe sobretudo no seu órgão regulador, bem visível no lado esquerdo do mostrador: uma espiral cilíndrica e um balanço concêntrico tridimensional. Um exercício de técnica relojoeira inspirado num relógio de bolso concebido por Louis Berthoud, sobrinho e pupilo de Ferdinand Berthoud. Tudo em família, portanto.

Ferdinand Berthoud FB-3SPC.1 e FB-3SPC.2
Os dois modelos FB3 SPC | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Esse relógio de bolso de Louis Berthoud do final do século XVIII caraterizava-se pela indicação decimal do tempo e uma espiral cilíndrica. A espiral cilíndrica do Chronomètre FB3 SPC é confecionada in-house pela própria Chronomètrie Ferdinand Berthoud e requereu muito tempo e esforço (cerca de dois anos) por parte da equipa de pesquisa e desenvolvimento de produto da marca sedeada na Manufatura Chopard, em Fleurier. A espiral cilíndrica é curvada à mão pelos mestres relojoeiros e todas as restrições e limitações redundam evidentemente numa produção muito contida — somente 25 unidades do Chronomètre FB3 SPC por ano, disponíveis em ouro branco ou ouro rosa, com mostrador dourado ou preto rodinado.

Ferdinand Berthoud FB-3SPC.1
FB 3SPC.1 | © Ferdinand Berthoud

Não há muitos modelos dotados de um órgão regulador cilíndrico no mercado — e os que há são sempre pertencentes a manufaturas reconhecidas pela sua superlatividade técnica, como a Jaeger-LeCoultre, a Vacheron Constantin, a Minerva (Montblanc) e a H. Moser & Cie. A Ferdinand Berthoud fê-lo com a certificação de precisão cronométrica atribuída pelo COSC. Afinal de contas a precisão extrema dos cronómetros de marinha fabricados por Ferdinand Berthoud no século XVIII não só o tornou numa lenda da relojoaria como ajudou franceses e ingleses a melhor calcularem a longitude e a dominarem os mares, em detrimento de espanhóis e portugueses.

Fundo do Ferdinand Berthoud FB-3SPC.2
FB 3SPC.2 | © Ferdinand Berthoud

A decoração do Calibre do Chronomètre FB3 SPC é alusiva a esses cronómetros de marinha e requer muito mais tempo do que parece à primeira vista — mais de 100 horas de trabalho manual de acabamento num movimento com 230 componentes e que teve inspirações múltiplas: o relógio astronómico Nº3 de Ferdinand Berthoud, um repetidor de quartos de Louis Berthoud e um relógio regulador de Ferdinand Berthoud de 1785 que até está no museu LUCeum localizado no andar superior da manufatura Chopard em Fleurier. A caixa redonda em ouro branco ou ouro rosa apresenta um diâmetro de 42,3mm por 9,43mm de espessura; resta saber se, à imagem dos seus dois antecessores no catálogo da marca, também irá conquistar prémios no Grand Prix d’Horlogerie de Genève…

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