Chopard Manufacture: estratégia de mestre

Edição impressa | Não é todos os dias que se celebra 20 anos. Mas também não é todos os dias que se celebra 21, 22 ou 23 anos. Por isso, se 2016 foi ano de números redondos em celebrações relojoeiras, alguns aniversários revelaram-se mesmo mais especiais. Foi o caso da Chopard Manufacture, que, precisamente em Fleurier, mostrou ao mundo que as suas duas décadas representam um momento alto na sua própria história. E na história da alta-relojoaria também.

ouro rosa
Chopard L.U.C Tourbillon QF Fairmined, com caixa em ouro rosa Fairmined 18 kt. © Chopard

Quando se segue de Genebra para qualquer um dos possíveis destinos relojoeiros que existem na cordilheira do Jura suíço, há todo um mar de sensações que, mesmo de carro, nos transportam para outros tempos e que nos ajudam a compreender melhor as origens da relojoaria tradicional daquele país. Além das cerradas montanhas, das curvas infindáveis e de árvores imensas, as pacatas vilas vão surgindo do nada em recônditos vales. E sobre elas paira um silêncio difícil de descrever. A sensação com que se fica é a de que existe uma espécie de manto que as esconde e as isola. Um peso visual e sensitivo quase arrepiante — diríamos mesmo estranho — que nos convida a permanecer quietos, mas ao mesmo tempo nos impele a sair em sua descoberta. Com a neve, esta sensação é ainda mais intensa, mais real. É como se conseguíssemos perceber efetivamente que ali, naqueles lugares, naquelas oficinas, sob aqueles respeitáveis telhados, noutros tempos, criar talvez fosse a única saída possível para sobreviver mentalmente aos rigorosos invernos que assolam aquela região. Falamos de um ecossistema muito próprio, este, o do mundo da relojoaria. Muitas das grandes manufaturas nasceram assim, no meio deste isolamento avassalador. Algumas perderam-se com o tempo; outras foram sobrevivendo aos tempos; e há ainda aquelas que, estando adormecidas, foram recuperadas com um novo fôlego e uma nova dinâmica.

Nova vida em Fleurier

Chopard Manufacture
L.U.C XPS 1860, primeiro modelo da L.U.C Collection equipado com o Calibre L.U.C 96.01-L. © Chopard

No Val-de-Travers, a indústria relojoeira tem precisamente renascido, de forma gradual, e a localidade de Fleurier está a voltar a tornar-se num dos mais interessantes polos relojoeiros da Suíça, já que a indústria do setor na zona remonta a 1730, mas acabou por se perder em meados do século XX, e muito em especial com a avassaladora crise do quartzo… A Chopard tem sido a grande dinamizadora deste renascimento, sobretudo a partir da inauguração da sua manufatura, em 1996, e de um museu próprio. Para ajudar à festa, foi criada ainda a Fundação Qualité Fleurier, que certifica a mais alta qualidade técnica/estética dos relógios originários da localidade. Foi também implementada a fábrica Fleurier Ébauches para produção de mecanismos em maior número e não tão exclusivos como os da manufatura Chopard. Mas é fundamental dizer que, por trás do crescente progresso a que temos vindo a assistir na região, está Karl-Friedrich Scheufele, copresidente da Chopard, responsável também pelo departamento de relógios para homem, pela produção e pelas finanças da marca. Foi ele que, tendo como ambição homenagear o passado relojoeiro da Chopard, fez da Chopard Manufacture a incubadora de uma exclusiva coleção de calibres que, tal como a região, tem vindo a crescer ao longo dos anos — a L.U.C Collection. Temos a certeza de que se Louis-Ulysse Chopard (L.U.C, portanto), fundador da marca, pudesse assistir ao atual estado de coisas da marca com o seu nome, sentir-se-ia certamente muito honrado. É que a bitola estabelecida por Karl-Friedrich Schefeule desde o início para o lançamento de uma manufatura própria foi sempre muito elevada. Por um lado, há sempre uma questão: para que uma companhia de relógios seja considerada efetivamente uma manufatura, é necessário que a mesma produza pelo menos um movimento in-house; por outro lado, para o copresidente da Chopard, não interessa só produzir, mas inovar. E é o próprio que o afirma: «Desde a fundação da Chopard Manufacture, a nossa coleção L.U.C de alta-relojoaria estabeleceu a si própria o objetivo de oferecer soluções únicas, tanto em termos de Pesquisa e Desenvolvimento (R&D), como de design. A ideia de acoplar o peso oscilante a dois tambores empilhados representou uma complexa solução técnica que expressa também a nossa paixão pelas complicações relojoeiras complexas».

Chopard Manufacture
Calibre L.U.C 96.01-L, que equipa o L.U.C XPS 1860. © Chopard

Estas palavras referem-se ao L.U.C 1.96, o primeiro movimento mecânico automático com chancela Chopard e que viria a equipar o L.U.C 1860, o primeiro modelo da L.U.C Collection. Ao longo dos anos, a coleção foi sendo complementada com diversos modelos: de simples relógios de três ponteiros, a complicações como cronógrafos, calendários perpétuos, turbilhões, sonneries ou fases da Lua. Atualmente, a marca pode orgulhar-se de, ao cabo de duas décadas, ter conseguido lançar 11 calibres diferentes, todos idealizados, desenvolvidos e produzidos in-house. O mais recente dos quais lançado no passado mês de novembro. Em Fleurier, como não poderia deixar de ser.

Som de cristal

Chopard Manufacture
L.U.C Chrono One, equipado com o Calibre L.U.C 03.02-L concebido para o 10.º aniversário da manufatura Chopard. © Chopard

Em 2006, no 10.º aniversário da manufatura Chopard, Karl-Friedrich Scheufele confessava à Espiral do Tempo a propósito do então lançado Chrono One — um modelo de edição limitada a 100 exemplares equipado com um novo mecanismo integrado, concebido em tempo recorde para as celebrações: «O importante é pensar como é que o Chrono One será encarado dentro de dez anos; é um relógio ousado… mas queremos criar relógios hoje que daqui a uma década se mantenham e sejam considerados clássicos.» Efetivamente, já se passou uma década e o L.U.C Chrono One mantém-se no portefólio da marca como modelo de excelência. Mas as palavras de Karl-Friedrich Scheufele são hoje mais válidas do que nunca e ganham ainda mais significado perante o L.U.C Full Strike, o primeiro repetição de minutos com assinatura Chopard apresentado ao mundo num evento imperial que celebrou também o 20.º aniversário da Chopard Manufacture.

Chopard L.U.C Full Strike

Chopard L.U.C Full Strike
Chopard L.U.C Full Strike

Tal como qualquer relógio com esta complicação, a nova estrela da coleção L.U.C faz soar as horas, os quartos e os minutos a pedido; mas diferente de outros do mesmo âmbito: a ativação dos martelos faz-se por meio de um botão inserido na coroa, em vez da tradicional alavanca, que tende a estar localizada no lado esquerdo da caixa. Mas há mais aspetos que fazem do L.U.C Full Strike uma criação à parte. Só para contextualizar: nos relógios com repetição de minutos, geralmente os gongos são concebidos em metal (com segmentos de aço ou ouro, e muitas vezes as ligas utilizadas nem são reveladas), tendem a ser fixados ao movimento e, depois, neles, os martelos batem. E, no caso do L.U.C Full Strike, a solução para fazer soar as horas é exatamente a mesma. Com uma pequena enorme diferença — os gongos onde batem os martelos são concebidos em safira e estão integrados no próprio vidro do relógio — porque o vidro e os gongos são, na verdade, uma só peça esculpida a partir de um monobloco de safira. Surge, assim, como entidade única, sem qualquer soldadura, cola ou parafusos a garantir a união entre os dois componentes, que, afinal, são só um. A palavra certa é mesmo escultura. E isto é fenomenal.

Na verdade, a utilização do vidro como superfície de propagação não é nova. A Jaeger-LeCoultre adotou uma solução semelhante, ao fixar também os gongos no vidro e até no fundo, em relógios como o Master Grande Tradition Grande Complication. No entanto, no caso do L.U.C Full Strike, a integridade física entre gongos e vidro, sem qualquer falha de ligação, que poderia comprometer a transmissão das ondas acústicas, permite ao vidro funcionar como superfície de propagação, lançando o som diretamente para fora do relógio, de forma extraordinária — mesmo no pulso e sem qualquer auxiliar para amplificação desse som, como constatámos na própria apresentação em que Karl-Friedrich Scheufele fez questão de ativar o relógio no pulso e exibi-lo ao público, sem o apoio de um microfone, por exemplo.

Manufaturas de excelência

Foram precisos seis anos, 17.000 horas de trabalho, desde o primeiro esboço ao resultado final, para desenvolver o L.U.C Full Strike. Basicamente, com este novo modelo, a Chopard conseguiu alternativas para problemáticas veteranas associadas aos gongos, e ainda desenvolver respostas relacionadas com a ergonomia e utilização de um relógio com repetição. O movimento apresenta, por exemplo, um sistema de segurança que o protege contra operações inapropriadas de manuseamento. Por outro lado, a coroa tanto permite dar corda ao movimento (rodando numa direção), como dar corda ao mecanismo associado à função acústica. Para termos noção do que estamos a falar no que diz respeito à reserva de corda associada à repetição de minutos, o mesmo foi concebido para conseguir tocar 12 vezes a clássica hora, 12 h 59 min. O duplo indicador de reserva de corda, localizado às 2 horas, refere-se, simultaneamente, ao movimento e ao mecanismo de repetição. Falamos, assim, de três patentes guardadas numa caixa de 42,5 mm em ouro certificado com o selo Fairmined* (ouro extraído de forma sustentável e responsável), mas falamos também de um mostrador bem conseguido, parcialmente aberto, que nos permite assistir ao espetáculo hipnotizante que representa o movimento dos pequenos martelos. Às 11 horas, descobrimos o ponto de relação entre gongos e vidro — numa relação de transparência que não tem mesmo nada a esconder.

Algures no evento de apresentação do L.U.C Full Strike, ouvimos alguém dizer que este relógio era, neste momento, a melhor repetição de minutos disponível na atualidade relojoeira. Uma afirmação ousada que só poderia ser considerada, julgamos, em comparação, bem sustentada, com critérios específicos definidos com conta, peso e medida. Porém, esta afirmação revela, sem dúvida, o posicionamento que a Chopard tem vindo a procurar. Com o L.U.C Full Strike, a marca suíça consegue provar várias coisas. Entre elas, que a Chopard tem vindo, ao longo de 20 anos, a sedimentar um percurso de excelência no domínio da criação da alta-relojoaria, num digno regresso às origens, que mostra bem que, no que toca à excelência, não é preciso correr, mas antes não parar e inovar. Basta encarar a estratégia de verticalização associada à produção de relógios que, neste momento, passa por três manufaturas, consoante a produção de relógios mais ou menos exclusivos — a sede da marca em Meyrin, a Chopard Manufacture de que temos vindo a falar, e, ainda, a Fleurier Ébauches.

Meyrin e Chopard Manufacture

ouro Fairmined
Lingotes de ouro Fairmined. © Chopard

O mais interessante nas visitas que fizemos aos núcleos de produção da Chopard — Meyrin e Chopard Manufacture, com a Fleurier Ébauches a ficar guardada para uma nova ocasião — é ver o modo como as técnicas tradicionais e as tecnologias de ponta andam de mãos dadas, lado a lado numa relação de simbiose perfeita. Num mesmo edifício, encontramos os artesãos que dedicam horas e horas de intenso e moroso trabalho decorativo aos mais ínfimos componentes, e técnicos do departamento de pesquisa e desenvolvimento que, constantemente, projetam as peças de hoje que, como ambicionava Karl-Friedrich Scheufele há dez anos, poderão ser tão inovadoras hoje, como no futuro. Os processos de produção partem do mesmo ponto de partida: tudo começa com enormes barras de metal que são maquinadas via CNC, de modo a darem origem aos principais componentes do movimento. Para os componentes mais pequenos, tende-se a utilizar a descarga elétrica, pelo grau de precisão. Depois de limpas e preparadas, as peças seguem para os ateliers de decoração manual que passam pelas minuciosas decorações de superfície (muitas vezes, de ambos os lados da superfície) e diferentes texturas — Côtes de Genève, perlage, anglage são apenas alguns dos nomes destes tratamentos decorativos. Depois de mimadas desta forma, as peças ficam assim prontas para serem montadas e dar origem aos calibres que equipam a coleção L.U.C. Neste momento, fazemos referência a Fleurier, onde trabalham 136 colaboradores, com uma clara estratégia de exclusividade que não passa por números elevados de produção, mas por uma qualidade de excelência nos produtos manufaturados.

ouro Fairmined
Lingotes de ouro Fairmined. © Chopard

Mas seguimos agora para Meyrin, sede da Chopard. É ali que são produzidas caixas, braceletes e outros componentes que não passam por componentes relojoeiros e respetivos acabamentos e polimentos. É ali também que se desenvolve todo o processo de produção de joalharia da marca, e o trabalho associado à criação dos relógios Happy Sport. Além disso, podemos encontrar algo raro: uma fundição de ouro própria, destinada às criações da marca, nomeadamente o já mencionado ouro certificado com o selo Fairmined, de proveniência eticamente responsável. Falamos de 30 especialidades de desenvolvimento reunidas sob o mesmo teto. Não tivemos oportunidade de visitar a Fleurier Ébauches: onde são produzidos os movimentos que não são contemplados na L.U.C Collection, nomeadamente a coleção Mille Miglia, a Classic Racing e coleção de senhoras. No entanto, nos dois polos que visitámos, um dos aspetos que mais salta à vista — fora todo o trabalho de produção relojoeira, como é óbvio — é o modo como as pessoas que ali trabalham demonstram uma boa disposição e um orgulho sincero em fazer parte de todo o projeto Chopard. Há movimento, circulação e dedicação. Cada colaborador disponibiliza-se para apresentar com orgulho o seu trabalho.

Se há algo que o novo L.U.C Full Strike pode simbolizar, é precisamente esta relação de passado, presente e futuro — como base de todo um crescimento de homenagem aos mais puros valores da relojoaria. Ancorada nas suas raízes, a Chopard tem vindo assim a crescer e a tornar-se uma referência step-by-step, surpreendendo de ano para ano.

No caminho para Fleurier, passámos por estradas e vales que recebiam os primeiros nevões do ano. Mas ao chegarmos a Fleurier, o estado do tempo era outro: um sol intenso ecoava um pouco por todo o lado, até nas árvores de folhas já amarelecidas que embelezam os jardins da manufatura. Com o branco de inverno no caminho e o dourado outonal no nosso destino, parecia que o próprio tempo estava a contribuir para que a celebração dos 20 anos da Chopard Manufacture e a apresentação do novo relógio surgissem como um verdadeiro marco do ano relojoeiro de 2016. Uma boa metáfora para relacionar com o futuro: depois do outono, vem o período de acalmia do inverno e segue-se a primavera — e esta sim, já em 2017, com Baselworld, trará certamente mais novidades. Não novidades com a força do  L.U.C Full Strike, porque é preciso respirar para um novo grande projeto. Mas novidades estimulantes. Sem qualquer dúvida. ET_simb

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