Jaeger-LeCoultre: círculo Polaris

A história da nova coleção Polaris da Jaeger-LeCoultre tem origem nas profundezas marinhas dos anos 60. Mais precisamente, nos primeiros relógios de mergulho com função de alarme. Mas a manufatura de Le Sentier arriscou evocar, ainda nos novos modelos, o lado menos falado da sua ligação ao automobilismo. E, já agora, o fascínio das viagens pelo mundo. No final, como um círculo, tudo parece fazer sentido.

História originalmente publicada no número 62 da Espiral do Tempo (edição primavera 2018)

As publicidades de outros tempos podem revelar-se verdadeiras fontes de informação quando falamos de relógios de pulso. E, se recuarmos às décadas de 50/60, ainda mais porque, nessa altura, muitos dos anúncios publicitários associavam à imagem todo um conjunto de dados que permitia conhecer em pormenor o relógio em causa ou sonhar com os mundos que esse próprio relógio evocava. Marcas como a Rolex, a Tudor, a Heuer ou a Omega são exemplos associados a este tipo de comunicação, mas existem mais. Salientamos estas pelo facto de serem marcas cujos relógios sempre tiveram uma certa conotação aventureira ou desportiva perfeita para uma cativante história que ia muito ao encontro da época de prosperidade nos países ocidentais que surgia como reação ao cenário deixado pela Segunda Guerra Mundial.

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Jaeger-LeCoultre Polaris Date | Ref. 9068170: corda automática, aço, 42 mm. Preço: € 8.900

Foi nesta altura que se assistiu a uma série de importantes avanços científicos e tecnológicos que passaram por descobertas de relevância, pela realização de expedições de diversa ordem e por importantes conquistas ao nível da exploração espacial. Se em 2018, podemos sonhar mais crentes com a possibilidade de chegarmos a Marte, na década de 50 do século XX, a cadela Laika tornava-se o primeiro ser vivo a orbitar a Terra, o Sputnik era lançado, a NASA era criada e Sir Edmund Hillary tornava-se no primeiro homem a atingir o cume do Monte Evereste (com um Rolex no pulso…). Por outro lado, nos anos 60, Jacques Piccard e Don Walsh atingiam o ponto mais profundo do nosso planeta na Fossa das Marianas (com um Rolex acoplado ao batíscafo Trieste que os transportou…), a IBM lançava o primeiro computador eletrónico, Yuri Gagarin tornava-se no primeiro homem no espaço (com um Sturmanskie no pulso…) e Neil Armstrong dava um gigantesco salto para a humanidade ao ser o primeiro homem a pisar a Lua (sendo que deixou o seu Omega Speedmaster no módulo Eagle, pelo que acabou por ser Edwin Aldrin – Buzz Aldrin, o primeiro homem a pisar a Lua com um relógio no pulso, o Speedmaster precisamente…)**.

Já agora, nos anos 60, neste contexto de ebulição, a Jaeger-LeCoultre ia contribuindo também com o lançamento de relógios utilitários, resistentes e precisos – entre eles, o Memovox Polaris, o relógio de mergulho que inspirou a nova coleção Polaris lançada este ano pela manufatura de Le Sentier.

Do Memovox ao Memovox Polaris

É precisamente numa publicidade antiga da Jaeger-LeCoultre, reproduzida com frequência, que encontramos alguns apontamentos que nos ajudam a perceber o contexto relojoeiro em que nos situamos. No título, lê-se o seguinte: «LeCoultre Polaris, the world’s only underwater automatic alarm and calendar watch»; depois, encontramos algumas indicações mais específicas: «use your LeCoultre Deep Sea Automatic Calendar Alarm Watch to time your dives and ascents. It has been tested to over 600 feet — a depth which can be reached only with a professional deep sea diving suit.»

Publicidades vintage alusivas ao Memovox Polaris. Jaeger-LeCoultre
Publicidades vintage alusivas ao Memovox Polaris. Jaeger-LeCoultre

Como se depreende, a publicidade é alusiva ao Polaris, um relógio com alarme e calendário que, na altura, já vingava enquanto ferramenta de mergulho. O giro é que a publicidade é complementada por uma espécie de manual de instruções que explica bem como utilizar o relógio – desde a ação de dar corda (ao relógio e ao alarme), aos acertos, passando ainda por instruções detalhadas de como usá-lo em contexto de mergulho. Giro também é o facto de, na tal publicidade, encontrarmos este relógio com o nome ‘LeCoultre Polaris’ no cabeçalho e ‘LeCoultre Deep Sea Automatic Calendar Alarm Watch’, no texto explicativo — nomes diferentes de Memovox Polaris, o nome pelo qual acabou por ficar para sempre conhecido.

Na verdade, a origem do Memovox Polaris remonta ao Memovox, o primeiro relógio de pulso com alarme e mecanismo de corda manual da Jaeger-LeCoultre, lançado em 1950, e ao seu sucessor de corda automática, lançado em 1956. No final dos anos 50, foi apresentada a sequela Memovox Deep Sea que surgia como o primeiro relógio de mergulho com função de alarme e que foi sendo aperfeiçoada até dar origem ao Memovox Polaris, numa primeira versão apresentada ao mundo em 1965, depois de alguns protótipos terem começado a aparecer.

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Planos técnicos com os detalhes que inspiraram os novos modelos Polaris da Jaeger-LeCoultre. © Jaeger-LeCoultre

Com caixa de 42 mm (considerável para a época), mostrador de excelente legibilidade, estanqueidade até 200 metros (a publicidade refere 600 pés, quase 200 metros) e função de alarme, o Memovox Polaris destacava-se por uma arquitetura de tipo compressor em três partes que garantia um som mais intenso dentro de água e uma estanqueidade maior à medida que a profundidade fosse mais elevada. Além disso, esta verdadeira ferramenta era resistente aos choques e ao magnetismo e era dotada de luneta rotativa interna, controlada por meio de uma terceira coroa. Alguns destes aspetos técnicos descobrem-se nos modelos que compõem a coleção Polaris agora lançada, mas os elementos estéticos são mais óbvios na relação parental: por um lado, o mostrador em setores com luneta interior, por outro lado, os indexes em forma de trapézio e os numerais geometrizados sublinhados com tratamento luminescente num eco assumido da versão de 1968. Muito graças ao apelativo design do mostrador, esta versão acabou por se tornar, ao longo dos tempos, na versão mais cobiçada do Memovox Polaris, apesar de, nos anos 70, ter sido ainda lançado um Polaris II com linhas mais características da década.

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Dois modelos Polaris vistos de lado. Em cima, o modelo original da Jaeger-LeCoultre que inspirou a nova coleção da Jaeger-LeCoultre. O relógio incluía um fundo interior para favorecer a ressonância, um fundo estanque para proteger o mecanismo das infiltrações e um terceiro fundo com 16 aberturas. © Espiral do Tempo

No âmbito do mercado de relógios antigos, as diferentes referências associadas ao Polaris de 1968 são bastante procuradas com as mais pequenas nuances, como os diferentes tipos de ponteiros, a suscitarem disputa acesa entre colecionadores. Em 2017, por exemplo, a Ref. E859, que se pensa ter sido um modelo de teste para o novo design de mostrador, foi leiloada por 21.250 dólares americanos. Não é, assim, por acaso que a nova coleção conta com uma edição limitada especialmente fiel ao Memovox Polaris de 1968, uma década depois de a Jaeger-LeCoultre ter lançado uma reedição do mesmo relógio.

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O fundo do Jaeger-LeCoultre do Polaris Date é personalizado com a gravação de uma silhueta estilizada de um escafandro, alusiva aos modelos originais. © Jaeger-LeCoultre

Mas, recuando mais uma vez no tempo, o Memovox Polaris foi primeiro lançado para o mercado americano e só depois para o mercado europeu. É daí que surge o nome Polaris, numa alusão ao míssil balístico norte-americano, símbolo do poder ocidental durante o período da Guerra Fria, que respondia também à paixão pelas explorações de todo o género que, como já referimos, agitavam o mundo nessa altura. Os modelos americanos distinguiam-se dos modelos europeus pelo mostrador. Os modelos destinados ao mercado europeu apresentavam a inscrição ´Le-Coultre´, ao contrário dos modelos destinados ao mercado americano, que apresentavam o nome completo da marca. Por isso, a publicidade a que nos temos vindo a referir pode ser encarada como testemunho da fase de transição que acompanha a mudança do nome Memovox Deep Sea para Polaris. Com uma nota especial: era destinada ao mercado europeu.

Traços distintivos da coleção Polaris

O regresso ao futuro do Memovox Polaris de 1968 concretiza-se, em 2018, numa coleção composta por cinco modelos unidos pelos elementos estéticos evocativos do modelo original, com dois de perfil mais vintage e três mais enquandrados no nosso tempo. Relógio de celebração dos 50 anos do incontornável modelo de mergulho e limitado a mil exemplares, o Polaris Memovox surge, como não poderia deixar de ser, com três coroas — a superior para acerto do disco do alarme, a do meio para acerto da luneta rotativa interior e a inferior para acerto da hora.

Os elementos do mostrador chamam em tudo o Memovox Polaris de 1968 e, segundo a marca, o movimento 956 que equipa este relógio descende do primeiro movimento automático com alarme, criado pela Jaeger-LeCoultre nos anos 50. Sendo assim, apresenta o mecanismo acústico, os segundos centrais e um sistema de acerto rápido da data. Estanque até 200 metros, o Polaris Memovox prescinde da construção da caixa em três partes guardando antes um timbre suspenso.

Polaris Memovox
(à esquerda) Polaris Automatic: Ref. 9008480, corda automática, 41mm, € 6.900 | (ao centro) Polaris Date: Ref. 9068170, corda automática, aço, 42mm, € 8.900 | (à direita) Polaris Memovox: Ref.9038670, corda automática, aço, 42mm, € 13.200

Já o novo Polaris Date apresenta um perfil baseado no original de 1968, que se descobre nos indexes, nos numerais e marcador triangular em Super-LumiNova bege, bem como na escala dos minutos e na data às 3 horas. A caixa, também de 42 mm, apresenta uma espécie de caixa interior da qual o cristal se eleva, reforçando o perfil vintage do relógio. O fundo é fechado e personalizado com a imagem estilizada de um mergulhador, tal como acontecia no interior do modelo original.

Quanto ao Polaris Automatic, é o modelo de base da coleção e afasta-se um pouco do perfil mais vintage. Com indicação das funções clássicas e duas coroas, o relógio surpreende pelo design desportivo que se declina em duas versões de mostrador: preto e um azul aberto espetacular muito amigo da fotografia. A ponte com o presente é feita também através do revestimento luminescente branco das indicações, diferente dos modelos mais diretamente inspirados no modelo original que se distinguem pela luminescência bege.

Jaeger-LeCoultre Polaris Chronograph Pink Gold. © Jaeger-LeCoultre
Jaeger-LeCoultre Polaris Chronograph Pink Gold. © Jaeger-LeCoultre

Interessantes também são as versões cronográficas da coleção que a marca justifica como sendo uma evocação da sua histórica ligação ao mundo dos automóveis. Com justificação ou não, a verdade é que tanto o Polaris Chronograph in Pink Gold, como o Polaris Chronograph in Steel resultam com o mostrador em setores a ser complementado por dois contadores e uma escala taquimétrica.

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Jaeger-LeCoultre Polaris Chronograph, Ref. 9028180 (mostrador azul, bracelete em aço), corda automática, aço, 42mm, € 11.100 | Ref. 9028471 (mostrador preto, correia em pele), corda automática, aço, 42mm, € 10.150.

Por fim, o novo Polaris Chronograph WT junta a função de cronógrafo e de worldtimer às indicações regulares através de um calibre in-house com a nota de que, efetivamente, a história da Jaeger-LeCoultre está repleta de modelos Memovox com esta última complicação. Além dos botões destinados à ativação e paragem do cronógrafo, a caixa de 44 mm em titânio inclui uma coroa adicional às 10 horas que permite acertar o disco rotativo interior para a cidade onde nos encontramos, de modo a que, de imediato, consigamos ter acesso às horas de outras 23 cidades do mundo. Este modelo está também disponível com mostrador azul e mostrador preto.

Notas finais

Jaeger-LeCoultre Polaris
(à esquerda) Jaeger-LeCoultre Polaris Chronograph, Ref. 9022450, corda automática, ouro rosa, 42mm, € 25.100 | Jaeger-LeCoultre Polaris Chronograph WT, Ref. 905T471, corda automática, titânio, 44mm, € 14.800

Já disponível em Portugal, a coleção Polaris acaba por ser um símbolo do que tem vindo a acontecer de há uns anos para cá: as marcas optam por procurar inspiração para novos modelos em modelos antigos que fazem parte do seu património, numa receita já muitas vezes falada nas nossas páginas e que parece não querer abrandar. Ora, a melhor parte da coleção é que, apesar de ser baseada num modelo antigo, acaba por integrar cinco modelos diferentes – com alguns a distanciarem-se do modelo de inspiração, mas integrando outros momentos que fazem parte da história da marca. Para nós, a nova coleção faz a ponte entre o passado e o futuro de forma perfeita, integrando modelos que respondem a diferentes gostos e diferentes necessidades do mundo presente. Chama-se a isto reinventar a história. Ou escrever uma história diferente. O que também faz falta.

** Artigo editado tendo em conta o esclarecimento prestado pelo nosso seguidor José Oliveira na nossa página do Facebook. Muito obrigada!

Visite o site oficial da Jaeger-LeCoultre ou o site oficial da Torres Distribuição para mais informações.

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