Tudor: 50 Anos de Cronografia

A Tudor lançou o seu primeiro cronógrafo em 1970, bem depois da Rolex. Mas, ao longo das últimas décadas, até apresentou mais variantes distintas de modelos cronográficos do que a própria casa-mãe. Aqui ficam os marcos incontornáveis de meio século de modelos desportivos, com destaque para a reedição que transformou a marca num caso de estudo da relojoaria contemporânea.

A Tudor está a celebrar meio século de lançamento de modelos cronográficos. De 1970 a 2020, foram muitos os cronógrafos memoráveis e vários deles têm atingido preços inesperadamente altos em leilões ou no mercado especializado de segunda mão. No contexto atual da marca, vale a pena sublinhar o facto de o grande relançamento da ‘irmã mais nova’ da Rolex ter sido alicerçado precisamente na apresentação de um cronógrafo — o Heritage Chronograph, ponta-de-lança revivalista do caso de estudo em que a Tudor se transformou ao longo da última década. É certo que o pilar atual da marca é o relógio neovintage de mergulho Heritage Black Bay, mas tudo começou em 2010 com a reedição de um cronógrafo dos anos 70 que foi então acompanhada por um novo tipo de bracelete de tecido que lhe deu um visual ainda mais carismático.

Braceletes Tudor © Tudor
O Heritage Chronograph inspirado no ‘Monte-Carlo’ de 1971 e a importância das braceletes de têxtil na nova identidade da marca © Tudor

Na verdade, chamar à Tudor ‘sister company’ ou ‘a outra marca da Rolex’ é redutor e injusto — embora exista um espírito corporativo que faz com que qualquer associação entre as duas firmas seja mesmo encorajada pelos próprios responsáveis. Mas não há dúvida de que a Tudor tem traçado o seu caminho após uma grande renovação efetuada em 2009, tendo mesmo assumido o estatuto de marca de culto para muitos aficionados e até jornalistas especializados a partir de 2010. No 40º aniversário do primeiro cronógrafo da marca, o Heritage Chronograph celebrou condignamente na altura o Tudor Oysterdate Chronograph da série 7000 lançada em 1970, batizada ‘Homeplate’ devido ao facto de os indexes das horas pentagonais e o design à volta dos submostradores recordar as bases do basebol.

Tudor Oysterdate Homeplate, 1970. ©Tudor
Oysterdate ‘Homeplate’ de 1970, o primeiro modelo cronográfico da marca © Tudor

A série 7000 contemplou então três referências dotadas de lunetas diferentes. A 7031 tinha um taquímetro na luneta sob um vidro Plexiglass, a 7032 apresentava uma luneta em aço escovado que tinha igualmente uma escala taquimétrica gravada e a 7033 estava dotada de uma luneta bidirecional em alumínio anodizado com 12 marcações. Essas três versões tinham duas variantes em preto e cinzento., embora a referência 7033 nunca tenha passado da fase de prototipagem. O movimento escolhido foi o robusto calibre manual Valjoux 7734 e o totalizador dos minutos estava graduado para 45 minutos, quando o mais habitual na altura era a marcação até 30 minutos.

Esq: Tudor Oysterdate Homeplate 7033 (1970). Dta: Tudor Oysterdate Monte Carlo 7149 (1971). © Tudor
Oysterdate ‘Homeplate’ 7033 de 1970 e Oysterdate ‘Monte-Carlo’ 7149 de 1971 © Tudor

Depois do ‘Homeplate’ veio o ‘Monte-Carlo’ em 1971, tendo o cognome sido inspirado pelo estilo de roleta apresentado nos mostradores — e o tom azul da Riviera também contribuiu para a alcunha. A caixa era exatamente a mesma dos exemplares da série 7000, mas a segunda geração de cronógrafos Tudor, apelidada série 7100, já surgia equipada com o mais sofisticado calibre Valjoux 7734, dotado de embraiagem e roda de colunas. Também houve três referências diferentes e uma delas originou a segunda reinterpretação da Tudor na última década, praticamente 40 anos depois.

A partir de 1976, a Tudor adotou movimentos automáticos em cronógrafos com caixas muito idênticas ao ‘Homeplate’ e ao ‘Monte-Carlo’ mas um pouco mais espessas para acomodar os novos calibres Valjoux 7750, que tinham o mesmo diâmetro mas eram 1,5 mm mais altos — a poderosa estrutura de aço granjeou então o nome de ‘Big Block’, posteriormente popularizado pelos aficionados. E a alcunha manteve-se aquando da introdução da série 79100 em 1989 e depois da série 9400. O visual do mostrador sofreu então uma grande mudança, passando dos clássicos dois submostradores com data às 6 horas para uma disposição mais vertical com três submostradores (graças a um totalizador adicional para as horas) e data às 3 horas.

Esq: Tudor Prince Oysterdate Big Block 9430 (1976). Dta: 1Tudor Prince Oysterdate Sapphire 79260 (1995). © Tudor
O Prince Oysterdate ‘Big Block’ 9430 de 1976 e o Prince Oysterdate ‘Sapphire’ 79260 de 1995 © Tudor

Em 1995, a série 79200 apresentou subtis mudanças estéticas mas com alterações estruturais significativas. Desde logo, a adoção de um vidro de safira valeu-lhe o cognome ‘Sapphire’; depois, a caixa em aço foi aperfeiçoada com arestas mais suaves e uma estrutura globalmente mais arredondada sem perder o visual de antes. Houve múltiplas e coloridas variantes, surgindo anos depois as edições dedicadas ao então jovem prodígio golfista Tiger Woods — que permanecem como os únicos modelos da Tudor ou da Rolex com o nome de um embaixador no mostrador. Curiosamente, desde o início da década passada que Tiger Woods se tornou ‘testimonial’ da Rolex (embora sem qualquer versão personalizada como sucedera com a Tudor).

Nova era

Após alguns anos de letargia na viragem do século, o rumo estilístico que a Tudor adotou a partir de 2009 incluiu o patrocínio inicial da Porsche Motorsports e conduziu-a a um posicionamento muito próprio onde o cordão umbilical com a Rolex se esbateu; com influências italianas na equipa diretiva (Davide Cerrato) e um designer espanhol (Ander Ugarte), a marca ganhou um brio latino que lhe injetou personalidade.

Grantour Chrono Fly-Back © Tudor
Grantour Chrono Fly-Back © Tudor

A linha Grantour foi inspirada pela classe Gran Turismo e pela simbiose perfeita entre performance e estilo que caracteriza os bólides GT, apresentando um visual desportivo moderno mas com laivos vintage em diversos pormenores. A utilização de pormenores vermelhos no mostrador (ponteiros, grafismo) e de correias personalizadas acentuava essa vertente racing no Grantour Chrono Fly-Back, e no Grantour Chrono (havia também uma versão não cronográfica, o Grantour Date).

Grantour Chronograph © Tudor
Grantour Chrono © Tudor

E depois houve a referida eclosão/emancipação. O Heritage Chronograph de 2010 recuperou o tal Tudor Oysterdate Chronograph (vulgo ‘Homeplate’) de 1970 e seduziu a crítica, acrescentando à marca uma auréola que a tornou mais capaz de captar o imaginário de meros clientes ou mesmo dos aficionados mais exigentes. Porque os produtos new-vintage ou neo-retro apresentam essa transcendência: a de serem mais facilmente considerados objetos de culto.

Tudor M70330N-0005. © Tudor
Um clássico contemporâneo de inspiração vintage: o Heritage Chronograph de 2010, referência M70330N-0005 © Tudor

O Heritage Chronograph foi rapidamente catapultado para a lista dos mais interessantes relógios do ano e gerou grande entusiasmo entre os mais fervorosos adeptos. Investindo na tendência neo-vintage, a Tudor optou por uma reedição não demasiadamente fiel ao original de 1970; em vez de uma reprodução exata, optou por um modelo com pequenas alterações que conseguiu reinterpretar o clássico do passado seguindo uma matriz moderna. E tornou-se num sucesso instantâneo, com a sua aura desportiva e despretensiosa, evocativa do original no formato e na paleta cromática mas transportando as mesmas proporções para um diâmetro maior (de 40 para 42 milímetros) e aperfeiçoando todos os outros detalhes de construção, desde os apliques tridimensionais para os indexes das horas até aos elos maciços da bracelete em aço.

Em alternativa ao aço, o Heritage Chronograph apresentou uma revolkucionária bracelete em tecido com comprimento ajustável através da fivela em escada © Tudor
Em alternativa ao aço, o Heritage Chronograph apresentou uma revolucionária bracelete em tecido com comprimento ajustável através da fivela em escada © Tudor

O mecanismo do Heritage Chronograph assenta num calibre automático ETA 2892-A2 dotado de um módulo cronográfico, enquanto o antecessor de 40 anos antes estava equipado com um Valjoux de corda manual. As cores são típicas dos anos 70; o tom laranja surge criteriosamente conjugado com o preto e o cinzento (a reedição está disponível em mostrador negro com totalizadores cinza ou mostrador cinza com totalizadores negros) e essa combinação surge igualmente presente na surpreendente bracelete de tecido (com fecho inspirado nos antigos cintos de segurança) concebida pela secular fiação francesa Julien Faure e também incluída no estojo para complementar a de aço. De resto, as maiores diferenças estéticas patentes no cronógrafo de 2010 residiram na ausência da lupa sobre a data e na opção por uma luneta preta com a escala das horas que já existia há 40 anos numa variante de protótipo mas que foi então preterida em detrimento de uma escala taquimétrica.

Braceletes Tudor © Tudor
Braceletes Tudor feitas na fiação francesa Julien Faure, localizada em Saint-Étienne © Tudor

Em 2013 foi a vez da marca recuperar o ‘Monte-Carlo’ de 1971 através do Heritage Chronograph Blue, com o seu visual branco, azul e laranja — outra combinação cromática muito popular nos anos 70. A bracelete de tecido manufaturada na Julien Faure veio, uma vez mais, reforçar o espírito desportivo e casual do cronógrafo.

A refeeência de 1973 do 'Monte-Carlo' e o Heritage Chronograph nele inspirado lançado em 2013 © Tudor
A refeeência de 1973 do ‘Monte-Carlo’ e o Heritage Chronograph nele inspirado lançado em 2013 © Tudor

Projeto Fastrider

Nesse mesmo ano de 2013, a Tudor surpreendeu com o lançamento de uma outra gama inspirada pela associação à lendária escuderia italiana de motociclos Ducati. Curiosamente, as duas marcas partilham a data de nascimento (1926) e um ano relevante (1946) em que a Ducati lançou o seu primeiro motor próprio para motos e a Tudor foi oficializada em Genebra sob o nome de Montres Tudor SA…

Tudor Black Shield M42000CN. © Tudor
Black Shield, referência M42000CN © Tudor

A linha Fastrider de cronógrafos automáticos inclui um modelo muito técnico à base de cerâmica negra injetada denominado Fastrider Black Shield, com duas variantes (pormenores vermelhos ou khaki em contraste com o mostrador preto), e o Fastrider Chronograph, caracterizado por mostradores listados e com totalizadores contrastantes acompanhados de correias de pele desportivas ou braceletes NATO listadas a prolongarem as linhas do mostrador.

Fastrider Ducati com bracelete de tecido © Tudor
Fastrider Ducati com bracelete de tecido © Tudor

Depois foram lançadas umas variantes coloridas inspiradas por um modelo específico de mota retro da Ducati: o Scrambler. Todos os cronógrafos Fastrider e Fastrider Scrambler foram motorizados pelo calibre Valjoux 7753.

Tudor Fastrider Chronograph
O colorido trio Fastrider Chronograph Scrambler © Tudor

Novos calibres

Entretanto, em 2017, e dois anos após a introdução do primeiro movimento de manufatura na linha Black Bay, a Tudor apresentou um novo calibre cronográfico automático incluído no seu novo Heritage Black Bay Chronograph — elaborado a partir de um calibre MT5813 de base Breitling mas com muito trabalho suplementar: arquitetura integrada, 70 horas de reserva de corda, roda de colunas, embraiagem vertical, espiral em silício e disposição bicompax (dois submostradores às 3 e às 9) com data às 6 horas. E certificado pelo COSC.

Movimento de manufatura MT5813. @ Tudor
Movimento cronográfico integrado MT5813 @ Tudor

A versão inaugural do Black Bay Chronograph surgiu com mostrador negro e uma luneta metálica — cortando não só com as lunetas coloridas de todas as edições Black Bay lançadas desde 2012 até então, mas também com as lunetas coloridas das duas versões do Heritage Chronograph (preta e azul). A luneta apresenta um tratamento escovado circular com gravação a preto da escala taquimétrica. Como acontecia então com todos os elementos da família Heritage, o Black Bay Chronograph foi distribuído com uma bracelete de metal ou uma correia de couro envelhecida em alternativa a uma bracelete em tecido do tipo ‘Denim’. Ou seja, duas alternativas em cada estojo. Atualmente, os modelos Black Bay deixaram de ser entregues com essa combinação bracelete têxtil/bracelete metálica ou bracelete têxtil/correia de pele. Cada relógio vem com uma única bracelete ou correia; quem quiser terá de adquirir as alternativas em separado.

Heritage Black Bay Chronograph
O primeiro cronógrafo da linha Black Bay: o Heritage Black Bay Chronograph de 2017 com as suas três opções de roupagem © Tudor

Com o Black Bay Chronograph Steel & Gold de 2019, a Tudor estendeu a sua gama de exemplares combinando o aço e o ouro – e foi precisamente o relógio preferido por David Beckham aquando da sua visita ao stand da marca em Baselworld. A associação do mais democrático de todos os metais (o aço) com o metal precioso por excelência (o ouro) foi muito bem acolhida; os tons dourados dão um toque suplementar de prestígio a um modelo de génese essencialmente desportiva e utilitária.

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A moda bicolor regressa com bom gosto no Heritage Black Bay Chronograph Steel & Gold © Tudor

O mais recente Black Bay Chronograph homenageia a parceria com os All Blacks, a lendária seleção de rugby neozelandesa. E apresenta uma nuance que terá passado despercebida aos olhos de muitos: a estrutura foi melhorada de modo a surgir um pouco menos espessa graças à aproximação do vidro com o mostrador.

© Paulo Pires / Espiral do Tempo
Black Bay Chronograph Black © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Meio século após o lançamento do seu primeiro cronógrafo, resta saber se as bodas de ouro da efeméride terão uma correspondência significativa nos lançamentos da marca em 2020 — adiados em algumas semanas devido à pandemia que originou o cancelamento das maiores feiras mundiais da indústria relojoeira. As novidades estavam inicialmente previstas para serem desveladas na última semana de abril, mas deverão possivelmente ser apresentadas no decurso do mês de maio ou mesmo junho. Em guisa de aperitivo, aqui fica o Fastrider Scrambler no nosso pulso tirada precisamente no dia da sua apresentação na edição de 2015 de Baselworld…

Fastrider Scrambler © Ch24.pl
Fastrider Scrambler © Ch24.pl

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