Algumas tendências 2016: ao sabor do tempo

Edição impressa | Após o primeiro grande rendez-vous relojoeiro do ano na chamada Geneva Wonder Week e com as primeiras revelações pré-Baselworld, quais as tendências mais salientes neste início de 2016? Ao contrário do que se verificou em anos anteriores, não houve vetores muito delineados — verificam-se mais microtendências. Cada vez mais, torna-se difícil determinar regras estabelecidas e, mesmo que se possa agrupar alguns aspetos comuns, cada marca relojoeira tem procurado o seu próprio caminho: ao seu ritmo e ao ritmo da conjuntura.

Versão completa do texto publicado no número 54 da Espiral do Tempo.

Freelancer Skeleton
Freelancer Skeleton © Raymond Weil
Foto de abertura: Lady Arpels Ronde des Papillons © Van Cleef & Arpels


Por Cesarina Sousa e Miguel Seabra

O tão sui generis universo da relojoaria mecânica não vive ao ritmo dos mundos da moda, que palpita muito ao ritmo das estações — em pleno inverno, há muito que se sabe o que será tendência no próximo verão, fazendo-nos suspirar por uma época que nos é tão cara e que ainda está tão longe. Já no mundo da relojoaria, as novidades vão sendo apresentadas aos poucos; tempos houve em que as novidades eram todas apresentadas de uma só vez, mas com uma concorrência tão agressiva e uma dispersão mediática cada vez maior, as marcas optam por fazer render os seus trunfos ao longo do ano. E, nalguns casos, até os apresentam quase todos de uma vez, embora sob embargos faseados (prática que se está a tornar numa tendência).

Vacheron Constantin Overseas
Overseas © Vacheron Constantin

Historicamente, as novidades eram sobretudo apresentadas nos três primeiros meses do ano; no entanto, como os certames relojoeiros se vão multiplicando à medida das necessidades comerciais e o último trimestre de cada ano tende mesmo a oferecer-nos eventos cada vez mais ricos (Watches & Wonders em Hong Kong, Dubai, SIAR no México, SalonQP, Salon des Belles Montres) que unem a exibição de peças já lançadas a modelos novos que vêm compor as coleções apresentadas e ainda a modelos anunciados em exclusivo como pré-novidades do ano que está para vir. Bem vistas as coisas, a diferença de ritmo entre os mundos da relojoaria e da moda faz diferença na hora de estabelecer tendências específicas de um lado e do outro. Do lado da moda, responde-se claramente às estações; do lado relojoeiro, não; de um lado, torna-se mais fácil agrupar elementos de modo a clarificar e considerar estabelecidas tendências; do outro lado, é mais fácil esperar pelo final do ano para enumerar tendências.

Por isso se torna difícil descortinar as tendências de pulso para determinada estação. Há então que corrigir. A pergunta certa a fazer será antes: quais as novidades que se adequam ao espírito da nova estação? Mas até aí a resposta se torna pouco definida. É que, fora as marcas que estão associadas ao mundo da moda e/ou das joias que também se destacam na criação relojoeira — Chanel, Cartier, Versace, Chopard, Van Cleef & Arpels, para apenas mencionar algumas —, nem todas concebem de ano para ano relógios novos com espírito de primavera ou de verão. O exercício passa pela procura de relógios que, entre novidades e coleções anteriores (até porque muitos modelos de alta-relojoaria demoram algum tempo a chegar ao mercado), se adequam a determinado momento do ano.

Geophysic® Universal Time
Geophysic® Universal Time © Espiral do Tempo Studio

Serve esta dissertação inicial para explicar que descortinar tendências de pulso de início de ano nem sempre é uma tarefa fácil. Mas, com base nos salões de final de ano, nomeadamente o Salão QP, no Salon International de la Haute Horlogerie (SIHH) 2016 (que é analisado mais detalhadamente nesta edição), na World Presentation of Haute Horlogerie do Grupo Franck Muller, nas apresentações individuais das marcas que estiveram presentes em showrooms em hotéis da cidade na chamada Geneva Wonder Week e nas entretanto reveladas novidades pré-Basel (referência a Baselworld, o maior evento de relojoaria à escala global), é possível encontrar pontos comuns que se podem considerar tendências, algumas mais marcadas e forçadas do que outras — como por exemplo, os apontamentos de inspiração réptil ou as experiências de espírito militar que passam por decoração camuflada, como já apresentámos em galeria no nosso website.

De qualquer forma, no domínio da relojoaria dita tradicional, mais do que criar novos modelos e mais do que apostar no arrojo que agrada a alguns, excetuando casos, como a Franck Muller, há uma linha segura que as marcas seguem e que passa por uma aposta na continuidade dos modelos estabelecidos, com a diferenciação através das dimensões, da proposta de vários mostradores e da aposta em complicações, sem grandes extravagâncias. O regresso saudável de diferentes cores também se faz sentir e os métiers d’art descobrem-se omnipresentes. Deixamos, assim, o nosso parecer relativamente a este início de ano.


Calendários perpétuos

MB&F Legacy Machine Perpetual
Legacy Machine Perpetual © MB&F

Uma especialidade da alta-relojoaria que parece estar em força. No final do ano passado, a MB&F de Max Büsser apresentou o Legacy Machine Perpetual numa colaboração com o mestre irlandês Stephen McDonnell que coloca em evidência o mecanismo de calendário perpétuo de modo tridimensional acima do plano do mostrador. A Jaeger-LeCoultre, de modo discreto e num ano mais dedicado ao Reverso, lançou uma nova versão ‘verde’ do Master Grande Tradition à Quantième Perpétuel 8 Jours Squelette, mais precisamente do anel exterior em esmalte grand feu (a primeira versão é em azul). A Moser & Cie continua a investir nos seus calendários perpétuos em mostradores despojados que dispensam a habitual multidão de ponteiros. E depois há as associações dos calendários perpétuos a outras complicações, como sucede no Datograph Perpetual Tourbillon da Lange & Söhne.


Regresso ao baú

Oris Divers Sixty-Five
Divers Sixty-Five © Oris

‘Regressar ao baú’ é uma expressão que utilizamos para salientar a aposta em novos relógios que são reproduções ou reinterpretações de peças do passado. Por um lado, relógios que surgem como um renascer das cinzas de modelos anteriores, como o Diver Sixty-Five da Oris, apresentado no ano passado, mas que foi recentemente relançado com novas versões diferentes: uma com mostrador em tom cinza no centro e azul-claro dito Deauville, alusivo à estância balnear francesa com o mesmo nome, e outra versão em bronze — além de uma nova bracelete de aço, em opção às braceletes de cauchu e tecido inicialmente apresentadas. O Reverso da Jaeger-LeCoultre surge como mais um exemplo do regresso ao futuro de relógios do passado. No ano de celebração do seu 85.º aniversário do inconfundível modelo reversível, a Grande Maison restruturou a coleção em três vertentes que incluem versões inspiradas no modelo original de 1931, mas também inspiradas em relógios femininos do passado da marca. A tendência para relógios designados neo-vintage não é de agora e tem-se mesmo firmado seriamente nos últimos anos, porém deve ser mencionada por transitar continuamente de ano para ano.


De salto em salto

Arnold & Son DSTB
DSTB (Dial Side True Beat) © Arnold & Son

Segundos saltantes, segundos verdadeiros, segundos mortos — eis algumas das designações que as casas têm utilizado para fazer referência a uma complicação associada aos segundos: em vez de se deslocar continuamente como é habitual nos relógios equipados com movimento mecânico, o ponteiro dos segundos dá um salto preciso de segundo em segundo, da mesma forma que o seu similar nos relógios de quartzo. Nos tempos mais recentes, marcas como a A. Lange & Söhne e a Jaeger-LeCoultre uniram-se a casas como a Habring², a F.P Journe, a Jaquet Droz, a Grönefeld e a Arnold & Son, para nos brindarem com relógios equipados com segundos mortos, mas que se distinguem pelas diferenças de construção e inovações utilizadas. Considerada como sendo de grande complexidade mecânica apesar da sua aparente simplicidade funcional, tão peculiar complicação é analisada a fundo nesta edição da Espiral do Tempo.


Despidos

H. Moser & Cie Centre Seconds Concept Funky Blue
Centre Seconds Concept Funky Blue © H. Moser & Cie

Despidos de complicações, de ornamentos, de cores. O regresso de relógios simples com apenas os ponteiros das horas e dos minutos — em alguns casos, também dos segundos — que percorrem mostradores limpos, com, eventualmente, um tratamento escovado ou soleil, parece ser mais evidente. Ao lado de relógios mais trabalhados e requintados, como os modelos que têm vindo a ser apresentados pela Montblanc, as marcas resguardam-se em relógios mais discretos, tanto no que respeita às dimensões, como às funções. A tendência mais marcante para este tipo de relógios é o aço ou ouro branco como invólucro para mostradores argenté; os numerais reduzem-se ao essencial (12 horas ou 6 horas), ou apenas índex aplicados que condizem com a caixa. Uma frase simples de David Chokron para nos mostrar que eles andam aí: «é um moda que nunca passa de moda». A Moser & Cie tem-se esmerado nesse exercício de simplicidade.


Transparências

Hublot Big Bang Unico Sapphire
Big Bang Unico Sapphire © Hublot

MB&F, Hublot, Richard Mille e Rebellion são algumas das marcas que estão a apostar na utilização contemporânea do vidro de safira para encapsular o tempo nos seus relógios. Mesmo a Parmigiani tem uma nova versão Super Sport Sapphire do seu Bugatti. Mas as transparências vão mais além da caixa cristalina. Mesmo a tradicional e clássica Lange & Söhne voltou a lançar um modelo de mostrador fumado (o Grande Lange 1 Moonphase Lumen), a Cartier continua a surpreender com os seus relógios com movimento misterioso que parece pairar no vazio em pleno mostrador (este ano a surpresa foi o Rotonde de Cartier Astromystérieux) e outras descobrem nos jogos de transparências o momento certo para acrescentar um toque mais tecnicista, ao desvelarem partes do movimento. A esqueletização dos mostradores é um processo mais tradicional que merece sempre a atenção das marcas de alta-relojoaria e não só: no segmento médio, a Raymond Weil — com o seu Freelancer Skeleton que celebra 40 anos da marca – é mais um exemplo dessa aposta.


Preto e azul

Panerai Lo Scienziato - Luminor 1950 GMT Tourbillon Titanio
Lo Scienziato – Luminor 1950 GMT Tourbillon Titanio © Panerai

Escolha óbvia enquanto cor de mostrador, o preto nunca deixa de ser utilizado na relojoaria — mas, após uma aposta mais desenfreada na segunda metade da década transacta com caixas revestidas a negro via PVD ou DLC, pode-se afirmar que está a marcar novamente a sua posição, em muitos casos em caixas de cerâmica ou carbono. Existe a noção de que um relógio completamente preto tende a cansar com o tempo e as marcas habitualmente contrariam o monocromatismo com ligeiras notas de cor — mas, se o preto nunca partiu, tem ressurgido em força em movimentos esqueletizados — como no novo Lo Scienziato da Officine Panerai, em modelos vários Excalibur da Roger Dubuis ou no já referido Freelancer Skeleton da Raymond Weil. O mestre Kari Voutilainen mostrou no SIHH o seu Vingt-8 ‘All Black’ com mostrador preto e tratamento preto no calibre em ouro. Por outro lado, os mostradores azuis continuam em força e muitas vezes são mesmo escolhidos para ‘rosto’ de uma coleção, como sucede com a reformulada Overseas da Vacheron Constantin — e os mostradores azuis das versões limitadas ‘Petit Prince’ associadas a Saint-Exupéry foram as mais destacadas na reformulada linha Pilot da IWC. E a Cvstos tem sido a marca que mais tem apostado em caixas com revestimento azul, como sucede nos novos Sea-Liner.


Worldtimers

Montblanc 4810 Orbis Terrarum
4810 Orbis Terrarum © Montblanc

Num mundo tornado mais pequeno devido à velocidade da comunicação e em que as pessoas começam a funcionar cada vez mais em múltiplos fusos horários simultaneamente, os relógios com a função worldtimer continuam a ser um forte exercício de competência técnica. A De Bethune divulgou um dos mais celebrados relógios (o DB25 World Traveller) dotados da função worldtimer vistos no SIHH, enquanto a Richard Mille e a IWC revelaram modelos cronográficos ajustáveis a partir da rotação da luneta. A exibição colorida do planisfério no mostrador tem sido uma forte aposta da Montblanc (que também vem revelando preferência pela utilização de globos em relevo). A Jaeger-LeCoultre também lançou um modelo da linha Geophysic® com a mesma estética.


Quartzo e eletromecânica

Urwerk EMC TimeHunter Ceram
EMC Time Hunter © Urwerk

Os movimentos híbridos ou meca-quartzo não constituem propriamente novidade, mas recentemente tem havido um interessante investimento da alta-relojoaria em soluções que passam pala combinação da mecânica tradicional com a eletrónica: a Urwerk com o EMC e o novo EMC Hunter, mais recentemente a Piaget com o Emperador Coussin XL 700P tão destacado pela marca no SIHH. A Richard Mille utilizou o quartzo de outra maneira — na espetacular estrutura vermelha do RM 011 TPT Quartz.

Piaget Emperador Coussin XL 700P
Emperador Coussin XL 700P © Piaget


Métiers d’art

Panthere Mysterieuse pendant watch
Panthere Mysterieuse pendant watch © Cartier

As artes decorativas artesanais continuam na alta-relojoaria. O galardoado mestre finlandês Kari Voutilainen, que exibiu a sua coleção pela primeira vez no SIHH (no Carré des Horlogers), continua a produzir alguns dos melhores relógios masculinos dotados de guilloché e esmaltagem que se veem na alta-relojoaria. A Cartier e a Van Cleef & Arpels mostraram-se mais uma vez quase imbatíveis na utilização de novas formas de métiers d’art em modelos femininos.


Fórmula 1

Fotografia de Mark Thompson © Getty Images / Red Bull Content Pool
Fotografia de Mark Thompson © Getty Images / Red Bull Content Pool


O lançamento da nova temporada de Fórmula 1 tem sido acompanhado pelo anúncio de múltiplas associações entre marcas relojoeiras e escuderias automóveis — a rainha das disciplinas motorizadas continua a exercer um tremendo fascínio e nunca antes se viu um ritmo tão infernal de parcerias. A Richard Mille acaba de anunciar a sua associação à McLaren-Honda e, não contente, também será oficial timekeeper da nova equipa Haas. A Bell & Ross acompanha patrioticamente a escuderia francesa Renault nos circuitos. A TAG Heuer é mesmo title sponsor da equipa Red Bull, após ter concluído um vínculo de trinta anos com a McLaren. A IWC continua com a Mercedes, a Hublot com a Ferrari e a Oris com a WilliamsET_simb

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