Reuge: caixinha de surpresas (mecânicas e musicais)

A Reuge, histórica manufatura de caixas e autómatos musicais sediada em Sainte-Croix, passou a estar formalmente ligada à De Bethune. A associação entre duas prestigiadas marcas de diferentes gerações já está a dar frutos excecionais.

Em Sainte-Croix

Na saga das incontáveis colaborações que têm caraterizado o mercado relojoeiro na última meia dúzia de anos tem-se destacado uma variante muito especial — as associações entre reputadas marcas de relógios de pulso e históricas companhias de relógios de mesa, autómatos e caixas musicais. A mais recente prende-se com a relação institucional entre a De Bethune e a Reuge, que começou há algum tempo com uma parceria e desembocou numa associação empresarial.

Denis Flageollet e Pierre Jacques, da De Bethune, com Amr Alotaishan, da Reuge | Foto: Reuge

O facto de as manufaturas da De Bethune, situada em L’Auberson, e da Reuge, em Sainte-Croix, distarem escassos quilómetros também facilitou a concretização do projeto — que passa a ter Pierre Jacques, CEO da De Bethune, e Denis Flageollet, co-fundador e mestre criativo da De Bethune, como novos CEOs da Reuge. E a concretização do projeto já tem dado frutos, através de algumas criações sublimes. Como o Camel Race, uma das estrelas da Dubai Watch Week de 2023.

Vista aérea das instalações da Reuge, em Sainte-Croix | Foto: Reuge

E não são apenas relógios de médio porte. Também há caixas musicais de arquitetura futurística. E instrumentos lúdicos que vão desde essa competição de camelos até corridas de carros. Tudo manufaturado nas instalações da Reuge, uma companhia secular que também produz para várias outras marcas de topo do universo relojoeiro e do luxo.

Uma ave canora em caixa musical com estrutura exterior de vidro | Foto: Reuge

A Reuge foi fundada em 1865 por Charles Reuge, que então concebeu o seu primeiro relógio de bolso musical. Duas décadas depois, o filho Albert Reuge converteu a oficina familiar numa pequena fábrica de artigos com música. Ou seja, uma empresa melómana desde as suas origens — e que começou logo a associar os seus mecanismos musicais a objetos do dia-a-dia, como isqueiros ou caixas de maquilhagem. O neto Guido Reuge dirigiu a companhia durante cerca de 60 anos e, durante a sua vigência, foram produzidas algumas das mais extraordinárias caixas musicais de que há conhecimento; por volta de 1930, era mesmo reconhecido como a principal sumidade do sector, sendo simultaneamente intuitivo e inovador, e também como o pioneiro da indústria mecânica musical: a aquisição de pequenos fornecedores e mesmo companhias concorrentes fez com que a Reuge se tornasse ainda maior.

Caixas musicais futurísticas e autómatos exóticos | Foto: Miguel Seabra/Espiral do Tempo

Após a conclusão da Segunda Guerra Mundial, muitos soldados americanos regressaram a casa com uma caixa musical no farnel. Era um símbolo de vitória e uma recordação da sofisticação europeia. Entretanto, a Reuge lançou os seus famosos pássaros cantantes em 1960 e começou a desenvolver uma mais alargada variedade de melodias para reforçar o seu estatuto no mercado. Com a chegada das novas tecnologias, a indústria do sector sofreu muito — a par do que sucedeu com a relojoaria mecânica tradicional entre as décadas de 70 e 80 — e muito poucas foram as empresas que sobreviveram. A Reuge foi das mais destacadas a manter-se em atividade, tal como (embora noutro registo) a L’Epée. Tanto uma como outra beneficiaram do renascimento da relojoaria tradicional e do florescimento de novas marcas de relojoaria conceptual, como a De Bethune ou a MB&F.

O relógio Liberté: a estética da De Bethune aplicada a uma criação da Reuge com pássaro cantante destinada a ficar suspensa | Fotos: De Bethune

Numa era em que o mundo se torna cada vez mais digital e em que, a par de novas plataformas como o Spotify, qualquer smartphone tem capacidade de armazenamento de milhares de melodias, o encanto ancestral das caixas musicais da Reuge é cada vez maior. Tal como, apesar do seu anacronismo, a relojoaria mecânica tradicional suíça continua a bater recordes de exportação e faturação. A participação da De Bethune no capital da Reuge vem oficializar a ligação entre duas áreas com evidentes relações de ‘parentesco’.

A Espiral do Tempo com o mestre relojoeiro Denis Flageollet na manufatura da Reuge | DR

Para vincar as suas raízes tradicionais, a Reuge emprega materiais locais (desde a madeira ao metal) que se podem encontrar nas imediações de Sainte-Croix, no cantão de Vaud e não muito longe desse pólo relojoeiro que é o Val-de-Travers. Todos os aparelhos e as caixas musicais que saem de manufatura apresentam um elevado trabalho artesanal; trata-se de uma verdadeira ‘mecânica de arte’, tendo em conta a precisão dos mecanismos, a beleza do conjunto e a limpidez da sonoridade.

Vista exterior e invernal da manufatura da Reuge em Sainte-Croix, no cantão de Vaud | Foto: Reuge

E é por isso que as peças da Reuge se tornaram itens de coleção, com um recrudescimento de interesse por parte dos colecionadores — que desejam juntar aos seus belos relógios mecânicos de pulso algumas excecionais criações mecânicas para exibir em casa ou no escritório, dotadas de animação visual e sonora para serem admiradas pelos próprios ou pelos seus convidados.

O autómato Camel Race da Reuge
Apresentado na Dubai Watch Week, o autómato Camel Race replica uma corrida de camelos | Foto: Reuge

Muitas dessas criações são feitas por encomenda, outras são edições limitadas. E estão disponíveis numa alargada diversidade de tamanhos e estilos, que podem ir dos mais clássicos aos mais modernos. A personalização pode mesmo ir até à melodia escolhida segundo a vontade do freguês. O que faz das caixas musicais e dos autómatos da Reuge presentes perfeitos, mesmo a nível estatal (um pouco como sucede com o Atmos, da Jaeger-LeCoultre). Houve até uma caixa musical concebida para celebrar o casamento de Carlos e Diana na década de 90; em 2013, a Reuge foi escolhida para conceber uma caixa musical comemorativa da coroação do rei Willem-Alexander dos Países Baixos.

O futurista Star Fleet Machine da MB&F foi concebido na Reuge | Foto: MB&F

Com a De Bethune, a Reuge ganhou uma nova dimensão contemporânea — devido à visão criativa do genial mestre Denis Flageollet. E para esse refrescar, conta igualmente com a jovem designer Clara Martin. As equipas da Reuge especializaram-se na conceção de objetos de arte mecânica que proporcionam uma surpreendente experiência sensorial. Porque não se trata de apenas música de origem mecânica: também há reproduções com o som do vento, da natureza, da vida animal. Um alargado campo de exploração para novas criações de exceção. Como sucede na relojoaria.

Uma das salas de produção, com mesas muito idênticas às dos relojoeiros | Foto: Miguel Seabra/Espiral do Tempo

E, tal como na relojoaria, também as criações da Reuge estão indelevelmente associadas à pura tradição artesanal helvética.

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