Pensava-se que fosse desaparecer do catálogo. Mas a Rolex não só o manteve como ainda o melhorou em todos os aspetos. A nova versão do Air-King tem tudo para manter o estatuto de culto e o lugar à parte que detém na coleção da marca.
Em Genebra | O que está por trás de um nome? No caso do Oyster Perpetual Air-King recentemente atualizado pela Rolex, sete décadas de história e várias bifurcações estilísticas que o tornam ainda mais fascinante. Tudo começou em 1945, quando Hans Wilsdorf quis usar a designação Air para prestar homenagem aos pilotos da Batalha de Inglaterra; das várias nomenclaturas (Air Lion, Air Giant, Air King), manteve-se a designação Air-King em itálico no mostrador. A primeira expedição a sobrevoar o Evereste usou precisamente relógios Oyster no pulso, em condições climatéricas extremas (sobretudo a mais de 10 mil metros de altitude e para as aeronaves da altura). O Air-King Ref. 5500 durou de 1957 a 1990; a valorização da leitura dos minutos com os respetivos algarismos decimais da geração atual tem precisamente a ver com a importância mais imediata dos minutos no que diz respeito à leitura dos tempos de navegação.
Apesar da conotação aeronáutica, a nova geração do Air-King nasceu em 2016 associado a um projeto ao qual a Rolex esteve intimamente ligada: o do Bloodhound, bólide supersónico destinado a ultrapassar a marca das 1000 milhas por hora (até aos 1690 km/h) e bater o recorde do mundo de velocidade em terra com o patrocínio da manufatura genebrina. A instrumentação concebida pela Rolex para o tablier serviu de inspiração ao mostrador do Air-King, só que o projeto teve vários percalços e a manufatura genebrina abandonou a parceria — daí a noção plausível de que a Ref. 116900 seria descontinuada. Mas não. A atualização foi apresentada na recente Watches & Wonders e manteve os códigos estruturais que caraterizam a nova geração do Air King, mas melhorados em todos os aspetos.
Maturação de um enfant terrible
Aquando do seu retorno, em 2016, o Air-King granjeou então o estatuto de mais polarizante modelo contemporâneo da Rolex — devido não só a uma estética que aparentemente nada tinha a ver com os seus antecessores, mas sobretudo à amálgama de diferentes grafismos no mostrador. Tornou-se objeto de animado debate entre aficionados e jornalistas, chegando mesmo a granjear o epíteto de ‘Frankenwatch’ devido às múltiplas fontes e cores utilizadas. Mas as idiossincrasias que fomentaram a controvérsia à volta do novo Air King são as mesmas que contribuíram para que se tornasse num relógio de culto, adorado por uma falange especial de adeptos e também criticado por outros.
A nova versão tem tudo para lograr a unanimidade. O Air King Ref. 126900 é menos volumoso, ficou mais conotado com a linha Professional graças à adoção dos protetores de coroa e sobretudo utiliza soluções mais congruentes para o mostrador. Na versão de 2016, as cores utilizadas no mostrador (verde e amarelo, a par do metalizado nos algarismos aplicados) também contribuíram para o aceso debate, porque a utilização do amarelo para o logótipo da coroa e do verde para o nome da marca era então inédita. A maior polémica foi não só a ‘estranha’ convivência de algarismos dos minutos estampados com algarismos das horas metálicos aplicados em relevo, mas sobretudo a repetição do numeral ‘5’ nos algarismos decimais dos minutos (5, 15, 20, 25, 35, 40, 50, 55). Os algarismos das horas (3, 6, 9) aplicados remetiam imediatamente para o Explorer e a caixa era a mesma do Milgauss, daí ser frequentemente caraterizado como ‘híbrido’.
Foram precisamente essas peculiaridades que o tornaram especial aos olhos de tantos aficionados. O Air King tornou-se numa espécie de peça irreverente da Rolex, de filho pródigo, de enfant terrible. O novo Ref. 126900 mantém essa irreverência mas elimina os pormenores mais debatidos sem que o relógio perca a sua personalidade. A começar pelos números aplicados: tal como na segunda geração do Explorer de 39mm, os algarismos aplicados em metal passaram a ser preenchidos com matéria luminescente Chromalight, assumindo uma tonalidade mais parecida com as dos restantes algarismos estampados. E depois vem o detalhe que faz a maior diferença: a acréscimo de um 0 nos cinco minutos torna o mostrador mais simétrico; em vez de 5, fica 05 — tornando mais consistente a utilização de casas decimais e aliviando a omnipresença do 5. Os protetores de coroa são outra diferença evidente.
A atualização do movimento automático, o Calibre 3230 com escape Chronergy e 70 horas de reserva de corda, e o upgrade da bracelete Oyster com fecho Fliplock contribuem para a melhoria global do Air King Ref. 126900 relativamente ao antecessor Ref. 116900.
As nossas impressões
Sou daqueles que, tendo reparado na bizarra assimetria do mostrador com 5 em vez do 05, nunca mais deixei de a ver — pelo que o Air King Ref. 116900 não recolhia um grande favoritismo da minha parte. A nova versão sim. O mostrador mantém o mesmo espírito mas está muito mais equilibrado com a opção pelo 05 e o preenchimento dos numerais 3,6 e 9 que lhe dão uma tonalidade próxima dos algarismos decimais. A caixa também ganhou personalidade e elegância, deixando de ser a mesma do Milgauss para se tornar menos espessa devido ao abandono da caixa interior anti-magnética em ferro macio (tal como no Milgauss); a utilização de um novo movimento com escape Chronergy e espiral Parachrom mais imune aos efeitos dos campos magnéticos sobre a precisão dispensa esse subterfúgio e, consequentemente, permite uma estrutura mais adelgaçada.
O diâmetro de 40 milímetros mantém-se, sendo o mais ideal para todos os tipos de pulso masculinos e também aceitável para os muitos pulsos femininos que o vão receber. Sem esquecer todas as superlativas valências técnicas associadas a qualquer relógio Rolex, desde a excecional liga Oystersteel em aço 904L até à extrema fiabilidade mecânica assegurada pela certificação Superlative Chronometer (+/- 2 segundos por dia) com cinco anos de garantia. O único senão? Pessoalmente, gostava mais da coroa sem protetores. Veredito final: o enfant terrible da Rolex amadureceu sem perder toda a sua irreverência.