EdT 59/ Os relógios em bronze não constituem particular novidade, mas passaram a ser mainstream a partir do momento em que a Panerai lançou a primeira edição do seu Bronzo — hoje em dia, já vai na terceira e, entretanto, várias outras marcas de renome adotaram um material que tem acompanhado a história da Humanidade nos últimos quatro milénios, e que, aquando do seu advento, se tornou tão relevante que mereceu uma era batizada com o seu nome. Estaremos nós na Idade do Bronze na relojoaria?
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Texto originalmente publicado no número 58 da Espiral do Tempo (edição primavera 2017)
Imagem de abertura: Eros dormindo – estátua grega do período helenístico. Séc III – II a.C.
Há materiais que capturam o imaginário, por uma razão ou outra. E que também servem para mostrar que se é diferente. É certo que o ouro é o material precioso por excelência, mas o bronze continua a fascinar — talvez pela sonoridade da nomenclatura, que é praticamente a mesma em quase todas as línguas, possivelmente devido ao facto de evocar todo um mundo de aventuras e, porventura, por apresentar uma pigmentação mutável que o torna mais vivo. Numa altura em que se multiplicam os relógios futuristas de gama alta que recorrem a fibras compostas de avançada tecnologia, o bronze tem vindo a assumir-se como o material da moda e tem sido adotado nos últimos anos pelas mais reconhecidas marcas do panorama relojoeiro, depois de várias edições de tiragem muito escassa sob a chancela de pequenas marcas obscuras.
Cerca de seis milénios após a sua descoberta e divulgação, o bronze chegou mesmo ao mainstream relojoeiro para acompanhar a tendência revivalista de tantos modelos de inspiração vintage e até a loucura dos leilões por mostradores ‘queimados’ pelo tempo. Porque o próprio bronze é um material rétro, com todos os seus defeitos e todas as suas virtudes ou conotações com o lugar mais baixo do pódio olímpico e mesmo com uma certa condição pré-histórica.
Constituiu uma das primeiras ligas metálicas elaboradas pelo Homem, com a associação do cobre dominante (cerca de 85%) ao estanho ou outros metais (proporções variáveis de alumínio, magnésio, níquel, zinco) e mesmo matérias diferentes (do arsénico ao fósforo) para lhe dar maior rigidez ou maleabilidade; o seu surgimento em força por volta de 4.000 a.C., com o domínio Sumério no Médio Oriente e a eclosão do seu uso tanto na Índia como na China nessa mesma altura, fez com que esse período arqueológico fosse apelidado de Idade do Bronze.
Atendendo à sucessão de modelos de bronze nos últimos anos, a Idade do Bronze parece mesmo ter chegado à relojoaria, embora de forma mais ou menos controlada. Há várias marcas a investir e cada vez mais modelos, mas as tiragens mantêm-se limitadas e são sempre de relógios que fazem figura de exceção em qualquer catálogo, porque ninguém quer arriscar grandes produções com tão complexo material. O que faz com que os relógios em bronze sejam pensados para serem diferentes e também darem que falar, porque a sua peculiaridade os transforma automaticamente em talking pieces — custem eles mil ou mais de cem mil euros.
O encanto da oxidação
O bronze não enferruja, daí ter sido tão utilizado para fins marítimos, porque resiste melhor à corrosão e à chamada fadiga metálica em comparação com o aço. Claro que também o aço inoxidável, o mais democrático e comum dos materiais utilizados na relojoaria, não enferruja.
Mas mantém-se inalterável, ao passo que o bronze ‘normal’ vai ganhando uma certa pátina devido à oxidação protetora da superfície — que vai cambiando o tom dourado inicial ao longo do tempo para um manchado (que vai do castanho ao esverdeado, devido a sulfatos e carbonatos), e que o torna tão apelativo para apreciadores de antiguidades ou objetos que denotem a passagem do tempo. Em suma, um material quase poético com um charme definitivamente especial… apesar de, no meio, ser anteriormente encarado como pouco saudável, porque pode causar irritações de pele e ser necessário recorrer a um fundo de titânio antialérgico.
Terá sido o lendário designer Gerald Genta a conceber o primeiro relógio de luxo em bronze — o Gefica de 1988, a pedido de um caçador que desejava um modelo com caixa de acabamento mate para que os reflexos não afugentassem a presa. Entretanto, a Bulgari comprou a marca em 2000, e, em 2007, lançou uma atualização: o Gefica BiRetro Safari. Mas esse relógio histórico manteve-se um caso à parte até ao surgimento do Luminor Submersible 1950 Bronzo, no Salon International de la Haute Horlogerie de 2011, que a Panerai apresentou numa vitrina com três exemplares, apresentando um diferente estado de oxidação para salientar a capacidade de transformação de uma matéria que vive mediante o contacto com a pele, os elementos e até mesmo as condições de luz. A caixa de 47 mm de diâmetro foi esculpida a partir da mesma liga bimetálica CuSn8 (com 92% de cobre e 8% de estanho) que serviria para os dois modelos Bronzo seguintes (2013 e 2017) que constituem um ‘piscar de olhos’ à própria história da marca florentina, que, na década de 40, satisfez a peculiar requisição de modelos estanques em bronze por parte da armada egípcia.
O Bronzo despoletou a Idade do Bronze na relojoaria contemporânea, e os primeiros modelos mainstream apresentavam logicamente a capacidade de ganhar a caraterística pátina, sobretudo mediante certas condições que aceleram o fenómeno químico que lhes dá uma aura tão específica. A herança marítima da Panerai tornou lógica a escolha de um material que é proto-histórico e logo outros modelos ligados ao mar ou de inspiração militar se seguiram. Por exemplo, o Aquatimer Expedition Charles Darwin da IWC também surgiu carregado de referências históricas, utilizando o bronze como referência ao Beagle — o barco que levou o antropólogo às ilhas Galápagos e que tinha as escotilhas e os instrumentos em bronze.
O material foi muito utilizado nos cronómetros de marinha dos séculos XVIII a XX, mas não nos podemos esquecer das pequenas peças em calibres de relógios de pulso, como o timbre do lendário mecanismo de alarme Memovox (apesar de a Jaeger-LeCoultre manter a composição da liga metálica em segredo); associada ao berílio, apresenta excelentes qualidades mecânicas e tem praticamente a dureza do aço, sendo também empregue na feitura de rodas de balanço.
Como o vinho do Porto
A maior parte dos relógios em bronze são de mergulho ou têm um tema náutico associado, até porque o bronze é um excelente modo de legitimar a identidade marítima de certas marcas ou coleções. Como o vinho do Porto, os relógios em bronze não envelhecem — diz-se que vão melhorando com o tempo. Mas é preciso um gosto muito especial pelo verdete caraterístico, tal como também foi necessário encontrar o equilíbrio ideal nas combinações metálicas para anular os índices alérgicos ou controlar (parcialmente e mesmo totalmente) a coloração da pátina.
Hoje em dia, é entre Zurique e Genebra que se situam os principais fornecedores e construtores de caixas em bronze da indústria relojoeira — enquanto a Ickler, um fabricante alemão de caixas localizado na zona de Pforzheim, fornece muitas marcas de menor dimensão.
E há muitas que são desconhecidas do público em geral, com relógios automáticos em bronze com preços abaixo dos mil euros ou pouco mais: Archimède, Olivier Watch Company, Steinhart, Benarus, Helson, Magrette, Aquadive, Kazimon, Helberg, Croton, Lum-Tec, Halios e tantas outras — como a recém fundada marca britânica Pinion. A Maurice de Mauriac, pequena marca de Zurique, tem estado a pesquisar diversas soluções de caixas em bronze e apresenta mesmo um sistema patenteado de luneta amovível que permite mudar manualmente o visual do relógio com diversos níveis de pátina.
Nas chamadas marcas de gama alta ou mais estabelecidas, a moda é evidente. Além da Panerai e do caso mencionado da IWC, temos a Hautlence com o seu espetacular Vortex Bronze no âmbito da alta-relojoaria concetual, a Urwerk com o carismático UR-105 ‘T-Rex’ a replicar as escamas de dinossauro e a associar pertinentemente o material à pré-história, a Bell & Ross com o BR01-92 Skull Bronze e o Skull Bronze Tourbillon a ligar o material à temática da caveira a par dos adornos de bronze na sua nova linha Instrument de Marine, a Romain Jérôme com o Liberty DNA a evocar o bronze da Estátua da Liberdade, a Zenith com o Pilot Type 20 ‘Pilot’ Bronze a potenciar o espírito rétro do seu modelo de aviador, a Tudor a enriquecer a linha Heritage com o Black Bay Bronze que ganhou um prémio no Grand Prix d’Horlogerie de Genève, a Oris com o Divers Sixty-Nine Carl Brashear, a Anonimo com vários exemplares (o Nautilo, o Militare), a U-Boat com o Chimera Bronze e, claro, a Montblanc a surgir este ano em força com os seus novos modelos da linha 1858 recentemente apresentados no Salon International de la Haute Horlogerie, realizado em janeiro.
A escolha é cada vez mais alargada e, como se pode constatar, há preços e pátinas para todos os gostos…
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