Braceletes Tudor by Julien Faure: adereço perfeito

A forte identidade contemporânea da Tudor não está apenas associada a relógios de inspiração vintage: uma das suas incontornáveis imagens de marca são as braceletes feitas de modo artesanal numa tecelagem secular — a Julien Faure — e que trouxeram definitivamente o estilo NATO para o mainstream relojoeiro. Fomos visitar a histórica fiação sediada na localidade de Saint-Étienne, em França.

A Tudor esteve, desde sempre, umbilicalmente ligada à Rolex e nunca demonstrou qualquer complexo de emancipação, até porque as diretrizes do fundador de ambas as marcas, Hans Wilsdorf, foram no sentido de manter inerente esse parentesco: a mesma excelência, mas em segmentos de preço diferentes. A qualidade de construção é aproximada — e desde 1946 que a Tudor beneficia da superlativa capacidade industrial da casa-mãe em quase todos os componentes (desde os vidros de safira às braceletes em aço, passando pelos mostradores) e nalgumas soluções tecnológicas (sistema hermético Oyster de estanqueidade), embora utilizando mecanismos distintos (desde movimentos ETA topo de gama aos novos calibres
próprios).

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
As braceletes do tipo NATO forneceram o toque visual suplementar à atual identidade da Tudor. À esquerda: Black Bay Fifty Eight; Black Bay Burgundy. À direita: Black Bay Chrono; Black Bay S&G © Paulo Pires/Espiral do Tempo

Apesar de essa afinidade ser institucional, chamar à Tudor ‘a outra marca da Rolex’ é redutor e mesmo injusto — sobretudo porque tem traçado o seu próprio caminho após uma grande renovação efetuada em 2010, transformando-se num case study e sendo mesmo uma das forças motrizes da tendência neo-vintage que vem caraterizando a última década relojoeira. Para que granjeasse respeitabilidade entre os aficionados mais exigentes, uma decisão algo arriscada por parte do departamento criativo da marca afigurou-se crucial: a de fazer acompanhar a sua nova linha Heritage de braceletes de tecido com inspiração rétro, mas de qualidade muito superior ao que até então existia no mercado.

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
O Heritage Chronograph foi um o primeiro modelo a estar equipado com uma bracelete feita na Julien Faure © Tudor

Foi o perfeito exemplo de como o acessório se tornou essencial. A Tudor já vinha apresentando interessantes modelos e mesmo versões desportivas dotadas de uma estética mais arrojada, mas as novas braceletes do tipo NATO forneceram o toque visual suplementar que prendeu as atenções da crítica e ajudou a catapultar a marca para fora da órbita estilística da Rolex. O êxito do Heritage Chronograph deu lugar ao sucesso ainda maior do Heritage Black Bay, rapidamente transformado na oligarquia que atualmente domina o catálogo. E a família Black Bay nasceu precisamente com as tais braceletes de tecido a acompanharem, no estojo de cada exemplar e consoante a escolha do consumidor, a bracelete de aço ou a correia de pele.

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
Cada bracelete Tudor tem entre 30 e 32 mm de comprimento. A fivela em escada permite o ajuste ideal do comprimento consoante o pulso do utilizador © Tudor

Efeito James Bond

Ou seja, a Tudor fez emergir para o mainstream e no momento certo um adereço deveras popular na subcultura relojoeira: a utilitária e barata bracelete NATO, que tinha adquirido estatuto de culto ao ser utilizada no Rolex Submariner do James Bond de Sean Connery em Goldfinger (1964). Com uma enorme diferença na qualidade e no estilo. As braceletes NATO normais têm duas peças metálicas suplementares e dão mais uma volta ao pulso; as novas braceletes idealizadas pela Tudor apresentam um grau muito superior de sofisticação, tanto na
conceção como no material: são single pass (dispensam a volta suplementar e o excesso de material), incluem túneis (buracos laterais para inserir as molas de asa), têm uma fivela metálica em escada (que permite regular a extensão) e são feitas de uma tela muito mais confortável (para o pulso e até para a caixa do relógio). Foi o abrir de uma caixa de Pandora: de maneira gradual, várias firmas de grande peso institucional passaram a apresentar na sua coleção o adereço anteriormente considerado indigno de relógios de prestígio.

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
Presente e passado na Julien Faure © Miguel Seabra/Espiral do Tempo

No entanto, por mais que as braceletes NATO ou de tipo NATO se tenham democratizado, a Tudor manteve-se numa categoria completamente à parte no que diz respeito à sofisticação e à conceção. A esmagadora maioria das braceletes desta tipologia são feitas na China e as fibras de nylon, sendo por natureza abrasivas, podem afetar a superfície da caixa do relógio e também causar desconforto no pulso, devido às costuras baratas ou à própria natureza da matéria. Já as braceletes Tudor são feitas numa empresa centenária localizada na pequena cidade francesa de Staint-Étienne, na zona de Lyon, e que tradicionalmente fabrica fitas e passamanes para roupa, chapelaria e calçado de luxo. A empresa chama-se Julien Faure, e há cinco gerações que faz da tecelagem o seu negócio.

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
A entrada para a fiação Julien Faure, em Saint-Étienne © Miguel Seabra

«Tivemos de ir à procura de alguém que pudesse fazer as braceletes que queríamos, porque o que existia no mercado simplesmente não estava à altura dos padrões desejados», recorda Ander Ugarte, o responsável criativo da Tudor. Também a Julien Faure teve de ir à procura de novas soluções técnicas capazes de satisfazer o desafio colocado por tão prestigiado cliente — e a clientela da firma fundada no século XIX é de gabarito: inclui o Vaticano e marcas de alta costura como a Chanel, Louis Vuitton, Hermès, Gucci, Dolce & Gabbana, Jean-Paul Gaultier, Lanvin, Kenzo ou Christian Louboutin.

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
Julien Faure, quinta geração à frente da empresa do mesmo nome, nos arquivos da companhia; à esquerda: catálogo de etiquetas antigas © Miguel Seabra/Espiral do Tempo

Chez Julien Faure

A história da Julien Faure começou em 1864 com a criação da Faure-Portafaix por Henri Faure, seguindo a forte tradição têxtil da região; tornou-se Faure Frères em 1903 e passou, finalmente, a Julien Faure quando a empresa assumiu o nome do neto do fundador em 1942. Desde sempre se especializou na criação de fitas e passamanes (ou seja, adornos feitos a partir de fios) para roupa ou calçado de prestígio, etiquetas para boinas e ornamentos litúrgicos; o fabrico tem raízes milenares e as chamadas técnicas de tecelagem jacquard remontam a 1804, ano da invenção de um tipo de máquina tecedeira por parte de Joseph-Marie Jacquard que se revelou capaz de gerar complexos padrões de modo semiautomático mediante uma programação feita através de cartões com orifícios.

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
A fiaçâo Julien Faure faz da tecelagem o seu negócio desde 1864 © Miguel Seabra/Espiral do Tempo

Algumas dessas tecedeiras ancestrais mantêm-se no parque de máquinas atual da companhia e têm mais de 150 anos; muitas são em madeira e «nem os chineses conseguiriam replicá-las, porque não passariam de imitações grosseiras com um resultado igualmente grosseiro», refere o atual patrão — Julien Faure, com o mesmo nome do avô que rebatizou a empresa
familiar que agora dirige. Também há tecedeiras construídas mais recentemente segundo indicações de máquinas antigas que produzem ao lado de máquinas mais modernas com software desenvolvido internamente, mas há sempre um papel humano relevante: a preparação das linhas é feita à mão para criar tensão num bailado gestual muito expressivo, como se as operárias estivessem a tocar harpa!

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
A preparação das linhas é feita à mão para criar tensão num bailado gestual muito expressivo © Tudor

As máquinas mais antigas do parque industrial só conseguem tecer seis metros de fita por dia; um metro dá somente para três braceletes — cada centímetro quadrado de uma bracelete Tudor contempla em média 500 linhas longitudinais e 90 horizontais. Como facilmente se constata, a confeção não é simples. E, obviamente, é tudo escrutinado pelas mais altas instâncias. «Ander Ugarte tem uma ideia para uma bracelete, nós fazemos o respetivo protótipo e no final, pelo que ele me diz, acaba por ser o senhor Dufour, o patrão da Rolex, a tomar a decisão de aprovar ou não», revela Julien Faure. «Quanto à produção normal, a preparação do fio leva três dias; as linhas de grande qualidade são fabricadas e tingidas segundo restrições ambientais em fábricas parceiras existentes na região. Depois, a montagem específica da máquina que vai fazer as braceletes dura dois dias. E, seguidamente, dá-se a confeção propriamente dita; a tecelagem de uma série de 3.000 braceletes da mesma referência dura um mês, com as máquinas a funcionarem 24 horas por dia, ao longo de cinco dias por semana».

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
Um metro dá somente para três braceletes; cada centímetro quadrado de uma bracelete Tudor contempla em média 500 linhas longitudinais e 90 horizontais © Tudor

O resultado final depende muito do padrão escolhido para a bracelete e também do tipo de fios utilizado; esses dois fatores aliados à largura (que varia entre os 20 e os 23 mm) e ao tipo de relógio a que se destinam (de mergulho ou cronógrafo) acabam por determinar as variações na textura e na espessura de cada exemplar (que anda maioritariamente entre os 1,4 e os 1,7 mm). São utilizados materiais diferentes no fabrico das várias braceletes que integraram a coleção da Tudor ao longo da última década, embora quase sempre poliésteres: o polietileno para os relógios de mergulho e para os cronógrafos, o lurex para versões de senhora com mais brilho e ainda a seda para os modelos Advisor. «Varia muito consoante os poliésteres usados e há uma grande variedade», esclarece Julien Faure; «Alguns são mais finos e por essa razão há braceletes com uma maior densidade de fios. O acabamento também é muito importante. Para o Black Bay Bronze, utilizamos um poliéster fibroso, mais parecido com o algodão e que lhe dá um toque especial porque parece usado. Mas é apenas ilusão de ótica, provocada por dois tons de cor de fio. Exatamente o mesmo que sucede na bracelete azul tipo ganga do Black Bay Chronograph. São exemplares mais complicadas de entrelaçar devido à diferente espessura dos fios».

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
O Heritage Ranger e a sua respetiva bracelete, considerada a de mais difícil execução na coleção da Tudor © Paulo Pires/Espiral do Tempo

O fabrico efetua-se através de centenas de linhas entrelaçadas em combinações distintas para se atingirem as cores, os padrões e as texturas desejadas. A bracelete camuflada da linha Ranger estreada em 2014 tem quatro níveis e a textura é mais nítida à vista e sensível ao tato, sendo a mais complexa de produzir entre todas. Os diversos esboços para o padrão final forçaram mesmo a alteração dos ‘túneis’ concebidos para as asas de mola. Porque a técnica de acabamento dos orifícios varia consoante o tipo de bracelete, sendo os buracos cortados a laser nuns casos ou fechados com uma costura ao género das casas dos botões. Já os referidos ‘túneis’ para as molas de asa (para fixação no relógio) são integrados na própria tecelagem, um trabalho tridimensional que constitui uma autêntica proeza técnica.

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
Aplicação das fitas em calçado de luxo Louboutin; exemplos históricos dos arquivos mostrados por Julien Faure © Miguel Seabra/Espiral do Tempo

O design é originário da Tudor e depois discutido com a equipa da Julien Faure para se avaliar a sua exequibilidade. A Tudor faz os testes de qualidade aos protótipos das braceletes, com avaliação da resistência do tecido e da cor em esforço, perante água salgada e raios ultravioletas, montados nos relógios ou separadamente. A bateria de testes é exigente; afinal de contas, os relógios da marca são feitos para usar e durar nas mais complicadas situações porque é essa a herança histórica.

Melhor do que o original

Cada bracelete tem entre 30 e 32 mm de comprimento, num tamanho único previsto para cada variante. A fivela em escada permite o ajuste ideal do comprimento consoante o pulso do utilizador. Mas a configuração single pass parcialmente responsável pelo sucesso da bracelete e da ‘nova’ Tudor não é a original. «No início, a ideia da Tudor era fazer dois segmentos e isso traria sérios problemas de fabrico devido aos diferentes tamanhos, não só de cada um dos dois segmentos, sendo o do lado da fivela normalmente mais curto do que o do lado dos buracos, mas também relativamente aos vários tamanhos de comprimento que a marca queria fazer para pulsos mais estreitos, médios e grandes», revela Julien Faure. «Dissemos então que seria extremamente difícil a produção de todas essas variantes de tamanho e após reflexão surgiu então a ideia de fazer as braceletes com um único segmento». A emenda acabou por ser melhor do que o soneto, porque a versatilidade do sistema de ajuste acaba por servir a grande maioria dos utilizadores. Com uma ressalva: «Não pudemos fazer para a edição Black Bay Chronograph dedicada aos All Blacks, porque os jogadores de rugby neozelandeses são todos enormes e têm pulsos demasiado grandes!», admite Julien Faure.

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
À esquerda: Black Bay Bronze; Black Bay Chrono S&G; Black Bay Fifty Eight. À direita: Black Bay; Black Bay GMT e Black Bay Chrono © Paulo Pires/Espiral do Tempo

Bastam alguns minutos no pulso para se sentir uma clara diferença entre as braceletes Tudor e quaisquer outras do mesmo género vindas de outra proveniência. A qualidade é uma obsessão que também está intimamente ligada ao sucesso da sister company. «A Tudor oferece um grande nível de qualidade a um preço abaixo do da Rolex, pelo que são complementares», sublinha Christophe Chevalier, um dos responsáveis da marca. «E a Tudor também oferece a oportunidade a outro tipo de clientela de entrar em contacto com a nossa qualidade e filosofia relojoeira.» Uma filosofia que se estende do relógio em si até às caraterísticas braceletes: inspiração vintage, execução tradicional e design moderno.

Tecelagem Julien Faure, Relógio Bracelete Nato Tudor
À esquerda: Tudor Black Bay GMT e Black Bay Bronze; à direita: Tudor Black Bay Heritage Ranger © Paulo Pires/Espiral do Tempo

Curiosamente, a marinha francesa comprava relógios Tudor nos anos 60 sem bracelete metálica, porque tinha as suas próprias braceletes fabricadas a partir de nylon para evitar o reflexo do aço. Agora, as mais famosas braceletes da marca são manufaturadas em território gaulês. E se tanto a Tudor como (sobretudo!) a Rolex ganharam fama planetária ao longo do século XX devido ao conceito de caixa estanque Oyster associada a uma bracelete metálica, hoje em dia há uma diferença evidente: enquanto o visual Rolex permanece tão intrinsecamente ligado às braceletes de aço e ouro, a Tudor ganhou maior visibilidade graças a um pequeno grande adereço saído de ancestrais máquinas de passamanaria na França profunda. Incroyable!

O av|o Julien faure chegou a jogar ténis com o lendário Henri Cochet. À direita: Julien Faure e o autor aquando da visita à fiação localizada em Saint-Étienne © DR
O avô Julien Faure chegou a jogar ténis com o lendário Henri Cochet. À direita: o neto Julien Faure e o autor aquando da visita à fiação localizada em Saint-Étienne © DR

[ Reportagem originalmente publicada no número 70 da Espiral do Tempo, mas aqui complementada com mais imagens.]

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