Na tradicional temporada de prémios e galardões, o Grand Prix d’Horlogerie de Genève é sempre o pináculo. Numa edição diferente dos Óscares da Relojoaria que consagrou um Breguet da nova era como principal vencedor, aqui ficam os reparos finais.
Em Genebra
O Bâtiment des Forces Motrices é um edifício emblemático de Genebra e por lá já se realizaram inúmeros eventos relojoeiros, mas nunca um que fosse tão relevante como o Grand Prix d’Horlogerie de Genève — e havia grandes expectativas para ver como é que a 25ª edição dos ‘Óscares da Relojoaria’ iria decorrer, sabendo-se à partida que o número de espetadores ficaria obrigatoriamente reduzido a metade devido às obras decorrentes no habitual Théâtre du Léman. E não decorreu de maneira perfeita, embora tenha havido vencedores para (quase) todos os gostos.

No que diz respeito aos relógios consagrados, já se sabe que qualquer premiação ou eleição dificilmente satisfará todos e raramente se chega à unanimidade. No caso específico do Grand Prix d’Horlogerie de Genève, há a suplementar condicionante do regulamento a estipular que os relógios finalistas (e, por consequência, os vencedores) só poderão ser escolhidos pelos elementos da Academia do GPHG entre uma pré-seleção de modelos inscritos pelas próprias marcas. E este ano houve algumas marcas habitualmente participantes e regularmente premiadas, como a Tudor ou a De Bethune, que escolheram não se submeter ao escrutínio — para além de muitas das mais relevantes marcas do panorama relojoeiro, começando logo pelas de maior faturação: Rolex, Cartier, Omega, Patek Philippe e Richard Mille.

Em parte, esse alheamento deve-se também a uma estratégia de grupo. Por exemplo, o grupo Richemont escolhe sempre não ter a competir a grande maioria das suas marcas (mesmo que no passado a Jaeger-leCoultre e a A. Lange & Söhne tenham tido prémios importantes). O grupo LVMH tem optado por uma participação regular e vem retirando dividendos disso, como sucedeu este ano. O Swatch Group normalmente prefere manter-se alheado ou ter participações ocasionais premiadas (Omega em 2014, Blancpain em 2015, Longines em 2017), mas em 2025 saiu-lhe a sorte grande com a atribuição do galardão de relógio do ano à aniversariante Breguet.

No entanto, antes do mais, convém recordar a lista dos vencedores da noite — e, com 21 categorias em compita, houve muitas estatuetas para distribuir e muita gente a ficar contente:
Aiguille d’Or: Breguet Classique Souscription 2025
Ladies’: Gérald Genta Gentissima Oursin Fire Opal
Ladies’ Complication: Chopard Imperiale Four Seasons
Time Only: Daniel Roth Extra Plat Rose Gold
Men’s: Urban Jurgensen UJ-2: Double Wheel Natural Escapement
Men’s Complication: Bovet Récital 30
Iconic: Audemars Piguet Royal Oak Perpetual Calendar
Tourbillon: Bulgari Octo Finissimo Ultra Tourbillon
Mechanical Exception: Greubel Forsey Nano Foudroyante
Chronograph: Angelus Chronographe Télémètre Yellow Gold
Sport: Chopard Alpine Eagle 41 SL Cadence 8HF
Jewellery: Dior Montres La D de Dior Buisson Couture
Artistic Crafts: Voutilainen 28GML SOUYOU
Petite Aiguille: M.A.D. Editions M.A.D.2 Green
Challenge Watch Prize: Dennison Natural Stone Tiger Eye In Gold
Mechanical Clock: L’Epée Albatross L’Epée 1839 X MB&F
Eco-innovation: Chopard L.U.C Qualité Fleurier
Audacity: Fam Al Hut Möbius
Horological Revelation: Anton Suhanov St. Petersburg Easter Egg Tourbillon Clock
Chronometry: Zenith G.F.J. Calibre 135
Special Jury Prize: Alain-Dominique Perrin

Ponteiro certeiro
Antes da cerimónia, alguns insiders comentavam entre si que o prémio máximo do GPHG — a estatueta Aiguille d’Or (Ponteiro de Ouro) — iria para o bonito Classique Souscription da Breguet, que se encontrava entre os finalistas da categoria do ‘Relógio Icónico’. À partida, a inserção nessa categoria suscitou alguma admiração, por se tratar de um relógio completamente novo e sem o obrigatório lastro lendário inerente à categoria… mesmo que fosse inspirado num episódio relevante na história da marca alusiva ao maior relojoeiro de todos os tempos, Abraham-Louis Breguet.

Com um novo CEO, o jovial Gregory Kissling, e no ano do seu 250º aniversário, a Breguet lançou o Classique Souscription 2025 inspirado num relógio de bolso dotado de um único ponteiro que permite ver as horas e os minutos numa escala comum (ao estilo Meistersinger). Daí fazer ainda mais sentido o nome do prémio: Ponteiro de Ouro. Com mostrador em esmalte Grand Feu e fundo inspirado na arquitetura dos primeiros relógios Souscription assinados por A.-L. Breguet, deu nas vistas aquando do seu lançamento. A projeção mediática do Grand Prix irá dar um novo ímpeto à ‘nova’ Breguet, que vinha deslizando para fora do interesse dos principais colecionadores; um muito bem sucedido leilão recente da Sothebys, que inclui um turbilhão comprado por François-Paul Journe pela poderosa quantia de 1.880.000 francos suíços, também está a ajudar. Fica a pergunta que a partir de agora se impõe: quo vadis, Breguet?
À meia-dúzia
A LVMH embolsou mais seis prémios, destacando-se em especial dois conquistados pelas marcas de velhos mestres renascidas no âmbito da La Fabrique du Temps: o Daniel Roth Extra-Plat Rose Gold impôs-se na categoria Time Only e o Gerald Genta Gentissima Oursin Fire Opal triunfou no Relógio Feminino. Ou seja, os mestres Michel Navas e Enrico Barbasini, que fundaram a Fabrique du Temps antes de a venderem à LVMH, foram receber dois prémios de relógios por eles feitos sob o nome de duas vedetas da relojoaria com quem trabalharam nos anos 80 e 90.

Por sua vez, a Bulgari voltou a recolher uma estatueta, com o Octo Finissimo Ultra Tourbillon a estabelecer novos recordes de delgadez. A Zenith fez recordar um passado glorioso ao ganhar o Prémio da Cronometria com o G.F.J. Calibre 135 que tantos galardões de precisão garantiu à manufatura de Le Locle no século XIX. A Dior foi a marca inesperada do grupo LVMH a sair com uma estatueta, sendo que as mais conhecidas TAG Heuer e a Hublot não se viram. A recém-adquirida L’Epée deu um sexto galardão com um belo relógio de mesa confecionado em parceria com a MB&F (o Albatross).
Impostos, morte e Kari

Na vida há três certezas: impostos, a morte e… Kari Voutilainen a ganhar um prémio do GPHG. Ou dois. No final da cerimónia congratulámo-lo pelos seus 13 troféus, ao que respondeu que eram somente 12. Sim, o triunfo do Voutilainen 28GML Souyou deu-lhe o 12º — mas também subiu ao palco para receber o prémio de Relógio Masculino pelo UJ-2 Double Wheel Natural Escapement da Urban Jurgensen, a histórica marca dinamarquesa que ressuscitou com um business partner e da qual é o responsável técnico. Ou seja, 13. Número da sorte?
Modéstia à parte
Em circunstâncias algo parecidas, também Max Busser ganhou mais duas estatuetas para a sua impressionante coleção — uma numa colaboração da MB&F com a L’Epée, a tradicional marca de relógios de mesa que saiu do marasmo precisamente graças às colaborações imaginadas pela MB&F e que (re)ganhou tal cotação que foi comprada pelo grupo LVMH, a outra pelo M.A.D. Editions M.A.D.2. desenhado pelo amigo pessoal e da marca Eric Giroud… que, estranhamente, não estava presente.

Ora, até há dois anos, os vencedores eram avisados com algumas horas de antecedência; isso deixou de acontecer e Max Busser não só não foi avisado, como ele próprio não acreditava que iria ganhar na categoria da Petite Aiguille e, por arrastamento, Eric Giroud nem se deu ao trabalho de fazer a viagem desde Neuchâtel. Foram modestos: tudo o que sai de Max Busser & Friends geralmente agrada ao júri…
Rei das gaffes
Houve algo a estragar o ritmo da entrega de prémios por mais de uma vez: o atabalhoamento do apresentador, que por quatro vezes anunciou diretamente o nome dos representantes das marcas vencedoras em vez do nome dos membros do júri que iriam abrir o envelope e anunciar o vencedor na respetiva categoria. Ou seja, o suspense foi mandado para as malvas. E se uma vez ainda se aceita, é imperdoável que tal suceda tantas vezes… incluindo na atribuição do galardão máximo, o Grand Prix Aiguille d’Or). Imperdoável, uma autêntica nódoa numa cerimónia relativamente bem ritmada.
O foco era outro
Chris Grainger-Herr, o CEO da IWC, é um verdadeiro perfeccionista. E o ano passado fez um discurso notável aquando do triunfo do Portugieser Ethernal Calendar. Enquanto vencedor do Grand Prix, e pelos regulamentos, ficou automaticamente incluído no lote de membros do júri do ano seguinte (sem que a IWC pudesse submeter qualquer relógio a concurso) com o papel de entregar a estatueta máxima da Aiguille d’Or ao seu sucessor. Só que, querendo de novo um discurso para a posteridade, focou-se demasiadamente no ‘seu’ prémio do ano passado num momento que devia ser da Breguet, do Souscription 2025 e de Gregory Kissling. Não se justificava voltar a falar do IWC Portugieser Ethernal calendar e da invenção do mestre Kurt Klaus durante tanto tempo. A sua equipa achou o mesmo, mas no final assumiram não ter coragem para lhe dizer. Talvez tenha conhecimento se ler este artigo aqui no site da Espiral do Tempo ou se, entretanto, alguma alminha mais corajosa tome a iniciativa…
Dupla fraternal

A Chopard é sempre forte candidata a arrecadar prémios nas categorias masculinas e femininas, quando não é a sister company Ferdinand Berthoud. E este ano, a marca da família Scheufele somou mais dois troféus, com os irmãos Karl-Friedrich Scheufele e Caroline Scheufele a subirem ao palco para os receberem — um com muita surpresa na categoria do Relógio Desportivo com o Alpine Eagle 41 SL Cadence 8HF, já que havia concorrência de monta e a primeira versão do relógio já tinha sido estreada no ano passado; o outro na categoria do Relógio Complicado para Senhora com o Imperiale Four Seasons.
O tal worldtimer
A zona de Val de Fleurier voltou a brilhar em mais uma edição do GPHG porque, para além de Kari Voutilainen e da Chopard, também a Bovet ganhou mais uma estatueta para o vale das montanhas do Jura — desta feita com o Récital 30 de múltiplos fusos horários que vaticinámos, logo à partida, que iria arrecadar vários prémios. Entregámos um nos Temporis Awards e entretanto ganhou mais dois, pelo que o galardão do Relógio Complicado para Homem é já o quarto (e mais importante) de 2025!
O paradoxo russo e o oriente
Na cidade que é sede da relojoaria tradicional helvética, houve novamente prémios a saírem para outras paragens mais ou menos distantes. Desta vez não houve qualquer marca alemã a vencer, nem mesmo a sempre forte candidata nipónica Seiko. A histórica Urban Jürgensen é de origem dinamarquesa, mas a sua alta-relojoaria é feita na Suíça sob a batuta de Kari Voutilainen. E quando o prémio da Revelação Relojoeira foi entregue ao russo Anton Suhanov pelo seu St. Petersburg Easter Egg Tourbillon Clock, houve quem recordasse que há competições desportivas em que a Rússia não pode competir ou nas quais atletas russos não são identificados com a respetiva nacionalidade devido à invasão da Ucrânia.

Ainda mais a leste, lá para o extremo-oriente, a Fam Al Hut ganhou o Prémio da Audácia para a China com o seu sensacional Möbius de turbilhão biaxial (a um preço de 32.000 euros!) e o fundador Dai Xinyan precisou de tradutor.
Atirar a primeira pedra
Entre os aficionados, há sempre a perceção de que os relógios de quartzo não são verdadeiros relógios… mas quem irá atirar a primeira pedra à Dennison, que entrou de rompante no mercado com os seus elegantes relógios adornados com mostradores de pedras semi-preciosas?

Em pouco mais de um ano, a Dennison alcandorou-se ao primeiro plano na faixa do mercado abaixo dos 800 euros com as suas elegantes criações assinadas pelo conhecido designer Emmanuel Gueit e já conta com um troféu na correspondente categoria Challenge. Só falta mesmo lançar modelos dotados de um movimento de corda manual ou mesmo automático ultra-plano; a caixa não ficaria muito mais espessa e seguramente que haveria puristas da relojoaria mecânica a aderir. E, em princípio, é o que virá a acontecer…
Rei posto, novidade à vista
Após cinco anos, o fleumático e fashionista Nick Foulkes despediu-se do cargo de presidente do júri do Grand Prix d’Horlogerie de Genève. Foi uma figura marcante, devido ao seu carisma muito particular e mordaz humor britânico. A saída terá sido decidida por questões de saúde.

Seja como for, há um novo presidente do júri a eleger e os vaticínios vão para Wei Koh, amigo de Nick Floukes, fundador da revista Revolution e uma das figuras gradas dos média relojoeiros. Em breve — talvez durante esta mesma semana, na Dubai Watch Week — ficarão conhecidas novas decisões relativamente ao futuro próximo do GPHG, mas há três aspetos a melhorar obrigatoriamente: uma entrada para o Bâtiment des Forces Motrices com mais pompa, um anfiteatro com mais lugares para a cerimónia, e um apresentador que não cometa gaffes…





