A meio de Dezembro surgiu, inesperadamente, uma das mais interessantes criações relojoeiras de 2025 — um cruzamento entre Konstantin Chaykin e Sandro Botticelli que dá vida mecânica a uma das mais conhecidas pinturas renascentistas.
Um relógio que dá protagonismo e animação aos seios de uma mulher… mas que não se insere na controversa categoria da relojoaria erótica? É essa a singularidade do novo Venus, nascido de uma colaboração entre Konstantin Chaykin e os irmãos Jacopo e Mattia Corvo, descendentes de uma família com história na distribuição em Itália (foi o avô que ‘salvou’ o Reverso da Jaeger-LeCoultre da extinção) e fundadores da empresa GMT (Great Masters of Time, distribuidora de marcas independentes de alta-relojoaria). E não causa surpresa saber que há uma sensibilidade artística italiana por trás da nova criação do celebrado mestre russo: a inspiração é a celebre pintura renascentista ‘O Nascimento de Venus’, de Sando Botticelli, que está em exibição na Galeria Uffizi de Florença.

O quadro, pintado por volta de 1485, mostra a deusa clássica Vénus a emergir das águas numa concha e sendo empurrada para a margem pelo vento Zéfiro, enquanto recebe um manto florido de uma Hora (as Horas eram as deusas das estações). Representa a beleza, o amor e os ideais neoplatónicos de amor divino — sendo uma celebração da beleza pagã numa época predominantemente cristã. Na famosa tela de 172,5cm de altura por 278,5cm de largura, Venus tapa parcialmente o peito. No mais recente relógio de Konstantin Chaykin assente no seu conceito Wristmon, os seios e os mamilos da deusa do amor têm por função indicar as horas e os minutos… enquanto o rosto permanece esfíngico sobre o disco das fases da lua. Tudo sem evocar erotismo (e muito menos pornografia)!

«Desde o momento em que a imagem se formou na minha imaginação, soube que o relógio seria exatamente assim: com os contornos suaves de uma figura feminina nua estilizada, literalmente com o rosto da lua, e com cabelos ondulados e esvoaçantes, uma alusão à concha da brilhante pintura de Sandro Botticelli», diz Konstantin Chaykin — que também é pintor. Vénus, o segundo corpo celeste mais brilhante depois do Sol e da Lua, há muito que simboliza o amor, a beleza e a sensualidade, proporcionando uma inspiração natural para o peculiar conceito Wristmon do moscovita. O relógio Vénus foi criado como um reflexo da mitologia, da astronomia e da alegoria sensual. Abordando o tema erótico com muito cuidado, Chaykin estabeleceu regras pessoais rigorosas para evitar que a sua criação resvalasse para a vulgaridade.

Na pintura original, Vénus surge frágil e radiante, como se tivesse sido gerada pela própria luz — numa imagem que atravessou mais de meio milénio e se mantém como uma das mais conhecidas pinturas de todos os tempos. A sua inesperada e animada transposição para a relojoaria contemporânea só poderia mesmo ter a assinatura de Konstantin Chaykin, porque qualquer outra origem muito possivelmente se ficaria pela aplicação de uma simples imagem evocativa. No novo relógio do moscovita nascido em Leninegrado, Vénus é capaz de dialogar com o colecionador de relógios, com o amante da arte e com todos aqueles que veem a relojoaria independente como um espaço onde ideias, formas e valores podem convergir com legitimidade.

O projeto não só reinterpreta uma obra-prima absoluta da arte renascentista, como teve igualmente um objetivo benemérito: um dos dois protótipos foi leiloado no passado 11 de dezembro na Cattedrale dell’Immagine, em Florença, com os correspondentes 40 mil euros (quase o dobro do preço de venda regular) a reverter para a Liga Italiana da Luta contra os Tumores.
Ovo de Colombo
Quando se vê o Vénus de Konstantin Chaykin, vem à memória a história do Ovo der Colombo — uma metáfora para algo que parece muito difícil de imaginar ou concretizar, mas que quando é revelado se mostra, paradoxalmente, óbvio e simples. O mestre russo tem um lugar muito especial na relojoaria atual e é um dos poucos criadores contemporâneos capazes de combinar o rigor mecânico e a imaginação simbólica com uma identidade instantaneamente reconhecível. A ideia base para a criação do Vénus remonta a 2018, pouco depois da estreia do conceito Wristmons com o Joker.

A colaboração com os irmãos Jacopo e Mattia Corvo teve início em 2023; o fito era criar um relógio que falasse tanto a linguagem da arte renascentista como a da relojoaria independente contemporânea. Após dois anos de desenvolvimento, o resultado é um relógio de aço com 40mm de diâmetro por 12,7mm de espessura onde as horas, os minutos e as fases da lua estão integrados diretamente na silhueta da deusa do amor — usando as curvas do corpo feminino enquanto arquitetura que integra e enquadra a medição do tempo.

Ou seja, o Vénus é mesmo o primeiro relógio do mundo com um design ‘erotomórfico’, mas a utilização da anatomia feminina é contida e nunca pornográfica; as linhas suaves, o rosto lunar, os cabelos ondulados e a referência à concha da tela de Botticelli compõem uma figura artística que combina mitologia, astronomia e sensualidade.

Cromaticamente, o mostrador começa por encher o olho graças à caraterística tonalidade ouro rosa 4N (há quem lhe chame tom salmão…) tão cara à firma GMT dos irmãos Corvo; num olhar mais atento, assume-se como um mosaico onde o trabalho de guilhoché no qual o módulo Wristmons foi repensado para se adequar ao perfil anatómico da Vénus de Botticelli.
Exercício erotomórfico
Se o guilloché evoca a concha da pintura, os seios de Vénus surgem como submostradores onde os mamilos são calibrados com precisão para indicarem o tempo; no topo do corpo estilizado, o rosto da deusa do amor surge desenhado em vidro e permanece esfíngico sobre um disco das fases da lua que alterna entre o azul e o dourado consoante o ciclo lunar. Outro pormenor delicioso que pode escapar à primeira vista: o logótipo de Konstantin Chaykin surge integrado no ‘quadro’, como se fosse um pendente ao pescoço.

O movimento que dá animação ao Vénus é o Calibre K.18-25, baseado no La Joux-Perret G200 com 68 horas de reserva de marcha — mas com a adição de 85 componentes para a indicação do tempo ‘Joker’ elaborada in-house. A coroa, discreta e perfeitamente alinhada às 3 horas, preserva a pureza das linhas, enquanto a luneta fina amplifica a perceção do mostrador e a legibilidade geral. Uma configuração já vista em tantas outras criações que se tornaram no cartão de visita de Konstantin Chaykin… embora as competências do mestre russo ultrapassem em muito o caráter essencialmente lúdico dos seus Wristmons, ou das suas colaborações (como a que foi apresentada com a Louis Erard, na recente edição da Dubai Watch Week).

Konstantin Chaykin cimentou a sua reputação enquanto inventor, artista e relojoeiro capaz de imaginar relógios diferenciados. Fundador da sua manufatura independente e membro da AHCI, idealizou alguns dos relógios mais surpreendentes do século XXI, incluindo o relógio mais complexo da Rússia e o relógio de pulso mecânico mais fino do mundo — depois de ter começado a ganhar a admiração da imprensa relojoeira com o notável Cinema Watch de 2014.

As criações de Konstantin Chaykin combinam belas artes, relojoaria e engenharia conceptual, sendo frequentemente destacadas por importantes leiloeiras. Não tão complexos mecanicamente como outros relógios do moscovita, os Wristmons tornaram-se na sua imagem de marca (tendo inclusivamente passado para o campo digital graças à Huawei) e o Vénus entrará em produção em 2026, numa edição limitada de apenas 99 peças. Estará disponível exclusivamente através da GMT Great Masters of Time e da manufatura de Chaykin, ao preço de 20.000 CHF mais IVA.





