No ano do seu 30º aniversário, a Roger Dubuis surpreendeu com o retorno a um passado que parecia proibido tendo em conta a estratégia da marca no século XXI. Mas o regresso a um pretérito perfeito com o Hommage La Placide Perpetual Calendar seduziu a crítica mais exigente. E agora?
Em Genebra e no Dubai
A Roger Dubuis celebra este ano o seu 30º aniversário e, mesmo no fim de 2025, lançou um relógio que não só surpreendeu o mundo relojoeiro como se tornou automaticamente num case study. Mas se o Hommage La Placide Perpetual Calendar é uma peça carregada de ADN da marca e uma ponte direta para o passado, porque é tão surpreendente que merece ser um caso de estudo? A resposta não é fácil…

Para começar, ‘Placide’ era a alcunha do plácido mestre Roger Dubuis (La Placide porque, em francês, relógio é um substantivo feminino). Reflete a calma que definia a sua personalidade. Esse cognome surge agora associado ao novo Hommage La Placide como homenagem ao legado de Roger Dubuis — até porque, em 1995, a linha denominada Hommage nasceu como uma homenagem aos mestres e amigos que inspiraram a visão de alta-relojoaria por trás da fundação da casa genebrina pela mão de Carlos Dias e Roger Dubuis. Trinta anos depois, o Hommage La Placide Perpetual Calendar honra esse legado numa edição de 28 exemplares desvelada no início de novembro, às quais se juntou a peça única Hommage Sukoon Al-Layl apresentada na Dubai Watch Week e que faz referência direta à cultura árabe.

Para melhor compreender a relevância e o simbolismo associado ao Hommage La Placide convém rebobinar um pouco a história. Fundada em 1995 por um empreendedor luso e pelo relojoeiro helvético que lhe deu nome, a Roger Dubuis surgiu com grande força no final da década e contribuiu decisivamente para tornar a relojoaria fina mais… sexy. Apresentava-se então como uma marca neoclássica assente nas linhas Hommage (caixa redonda) e Sympathie (de forma tonneau, mas facetada octogonalmente), ganhando maior irreverência nos primeiros anos do novo milénio com o excesso das linhas TooMuch e MuchMore. O Excalibur surgiu em 2005 e gradualmente tornou-se na gama que passou a dominar um catálogo de fisionomia bem distinta daquela que era a sua nos anos 90. Até porque Carlos Dias, o empresário português, vendeu a marca ao grupo Richemont em 2008, e Roger Dubuis, o mestre relojoeiro suíço, morreu em 2019.
Lógica de grupo e saudosismo
Sendo eu apreciador desses primeiros modelos com cronógrafos e calendários perpétuos, disse a Nicola Andreatta — CEO da Roger Dubuis entre 2020 e 2024 — que havia lugar no catálogo para uma linha de tributo do agrado de muita gente. Mas ele refutou a sugestão: «A Roger Dubuis evoluiu muito desde a sua fundação e a nossa essência é essa: avançar, esticar os limites, ultrapassar fronteiras, procurar novas soluções. Mas também foi assim que a marca começou, desafiando a tradição. Os relógios Sympathie apresentavam uma forma muito diferente para o tempo; na ótica dos dias de hoje, parecem um tanto datados — e não resultariam porque, entretanto, o design também evoluiu», fez questão de dizer. «O mais importante para nós é estarmos fora do tempo, termos um design que aguenta o teste do tempo, mas que vai evoluindo. Um bom exemplo disso é a maneira como temos trabalhado o Excalibur, atualizando o design e adaptando a mecânica à direção para onde o mundo vai. Não se pode olhar para a Roger Dubuis num determinado momento do tempo, é preciso ver o modo como vai evoluindo».

Numa lógica de grupo, a Roger Dubuis assumia-se como a companhia relojoeira mais vanguardista da Richemont, destacando-se das históricas manufaturas de pendor mais tradicional e promovendo o conceito da hiper-relojoaria como uma das raras marcas de nomeada com caraterísticas high tech — numa época que vem sendo dominada pelos relógios clássicos, reinterpretações e reedições que questionam a criatividade do design relojoeiro. «Se é preciso recuar no tempo e apanhar algo que se fez no passado é porque não se tem a criatividade, o espírito, a atitude e a coragem de fazer algo de novo. Isso é terrível, porque assim não é assim que se evolui», frisou Nicola Andreatta. «A nossa herança é o nosso futuro, pelo que vamos continuar a andar para a frente e fazer algo de diferente. E não olhar para trás, como os outros fazem. É mesmo triste!». Já sem Nicola Andreatta e certamente com o apoio da administração do grupo Richemont, a Roger Dubuis olhou para trás e o resultado foi bem feliz… porque o Hommage La Placide tem recebido aclamação universal e seduzido muita gente que antes não prestava tanta atenção ao modernismo maximalista da casa genebrina.

Contrariamente aos fulgurantes exemplos de hiper-relojoaria ou com narrativas épicas da Távola Redonda assentes no modelo Excalibur, o Hommage La Placide Perpetual Calendar é bem mais discreto. Confirma um o regresso a um pretérito perfeito que já se havia vislumbrado em abril no Watches and Wonders — com a exposição de modelos clássicos no stand da Roger Dubuis e a aplicação da tal estética ‘retrógrada’ da marca no Excalibur Grande Complication que ganhou um prémio no Temporis International Awards.

O Hommage La Placide Perpetual é especialmente contido, com uma caixa de apenas 38mm de diâmetro por 11mm de espessura. E um exemplo de classicismo: redondo, subtil, tradicional mas com uma certa presença contemporânea; a combinação de cores e materiais dá-lhe uma vivacidade que ultrapassa o perfil dos relógios formais.
Um relógio sedutor
Esteticamente, o que domina o mostrador do novo Hommage La Placide é a típica apresentação do calendário perpétuo utilizada nos primórdios da marca — utilizando duas indicações retrógradas para o dia da semana e a data. O resto do visual é igualmente inspirado nos códigos originais da Roger Dubuis: horas e minutos centrais, fases da lua às 6 horas e indicador de mês/ano bissexto às 12 horas. Mas se esses primeiros calendários perpétuos tinham um mostrador plano, o novo modelo de tributo tem um mostrador estruturado mais complexo; a base tem uma cor batizada Azul Leman (referência ao Lago de Genebra) e a superfície é lacada, resultando numa tonalidade azul rica e profunda. O mostrador é enquadrado por uma falange com acabamento escovado circular e revestimento de ródio.

O toque suplementar e superlativo do mostrador: o recurso a madrepérola branca para criar os segmentos do calendário, com grafismo transferido e laterais biseladas à mão; os contadores são também confecionados em madrepérola, com um acabamento escovado circular mais amplo — o uso da madrepérola no Hommage La Placide é simultaneamente surpreendente e discreto, sendo quase impercetível a uma certa distância. E o toque final no mostrador é a fase da lua, feita com uma base de aventurina azul e luas convexas em ouro amarelo de 18 quilates. Tal como nos primeiros modelos da marca, os segmentos arqueados do calendário albergam a menção ao calendário perpétuo e ao logótipo do Selo de Genebra. Há ainda a clássica menção ‘Horloger Genevois’ na parte inferior do mostrador.

Para a imprensa, especialistas, aficionados e sobretudo pelos colecionadores que procuram em leilões peças dos primórdios da Roger Dubuis, o novo Hommage La Placide é provavelmente o relógio mais atraente que a Roger Dubuis lançou nos últimos anos… ou mesmo nas últimas duas décadas. Com uma tiragem reduzida de 28 peças mais a tal edição única Hommage Sukoon Al-Layl com mostrador em guilloché e madrepérola, pode ser encarado como um modelo de nicho que visa um público reduzido — mas o impacto que teve e as reações positivas recolhidas estarão a dar muito que pensar aos diretores da marca e à administração do grupo Richemont.

E estarão a dar que pensar porque muita gente quer ver mais variantes Hommage e apela para o regresso da emblemática caixa Sympathie.
Génese luso-helvética
Quando, nos anos 90, Roger Dubuis conheceu Carlos Dias, o empresário português (que passou pela Franck Muller e multiplicava os seus campos de interesse) incentivou o mestre relojoeiro a criar a sua própria marca. Juntos, começaram por fundar a Société Genevoise des Montres (SOGEM) em 1995, que depois se tornaria Roger Dubuis. Os primeiros relógios mostravam uma certa influência clássica da passagem de Roger Dubuis pela Longines e pela Patek Philippe: cronógrafos clássicos assentes em movimentos Lemania 2310 finamente decorados e com mostradores de fabrico tradicional que seduziram um público exigente; o Hommage Chronograph tornou-se mesmo a peça Roger Dubuis mais procurada pelos colecionadores, de uma altura em que a coleção se dividia entre a discreta e redonda linha Hommage e a ousada linha de forma Sympathie que se tornaria uma assinatura da marca.

Cada relógio dos primórdios da Roger Dubuis ostentava o Selo de Genebra e era certificado pelo Observatório de Besançon, apresentando a inscrição ‘horloger genevois’ no mostrador. As caixas tinham 34, 37 ou 40mm de diâmetro e eram confecionadas exclusivamente em metais preciosos; os mostradores clássicos e neoclássicos também eram ricamente decorados. Entre cronógrafos e calendários perpétuos com módulos retrógrados preparados com a ajuda do mestre Jean-Marc Wiederrecht, a ideia era mesmo rivalizar com o que de melhor se fazia na alta-relojoaria e afirmar a marca no patamar da Petek Philippe.

Para isso, Carlos Dias promoveu a construção de uma grande manufatura nos arredores de Genebra (Meyrin, onde se mantém) em 2001, com a ideia de criar movimentos próprios. Quando Roger Dubuis se reformou aos 65 anos, em 2003, a marca com o seu nome já estava a resvalar para a extravagância sob a folia criativa de Carlos Dias. E a Roger Dubuis encaminhava-se para a trintena de calibres próprios quando a crise financeira de 2008 afetou a indústria; Carlos Dias vendeu então 60% da empresa à Richemont, cedendo os restantes 40% em 2016. Quase uma década depois, parece estarmos na altura de um novo realinhamento da marca.

O certo é que a configuração assente no famoso módulo de ponteiros retrógrados para o dia (às 9 horas) e a data (às 3 horas) em arcos semicirculares, juntamente com um submostrador de mês/ano bissexto às 12 horas e uma fase da lua às 6 horas, está de volta e em força no Hommage La Placide Perpetual Calendar. Com uma nuance: é a primeira vez que surge combinada com calibres próprios da Roger Dubuis, no caso o Calibre RD14 que foi o primeiro movimento automático de fabrico próprio da marca (lançado em 2004). O módulo, embora partindo de uma base técnica conhecida, foi refeito: a placa principal, a ponte e 50% dos componentes (alavancas, molas, rodas e pinhões) tiveram de ser produzidos novamente. Vai ser interessante saber se, no futuro, o calendário perpétuo será associado a um cronógrafo, como nalguns exemplares do final da década de 90.

Para concluir, o preço. O Hommage La Placide Perpetual Calendar foi apresentado numa edição limitada de apenas 28 peças (quantidade caraterística da marca) que estão a ser comercializadas a 115.000 euros (sem IVA).





