Em The Wonderful World of Women’s Watches, Rhonda Riche explora o mundo dos relógios femininos com uma abordagem leve, fresca e envolvente, fiel ao seu estilo muito próprio. A propósito do lançamento do livro, desafiámos a escritora e jornalista para uma entrevista focada não apenas na obra, mas também na sua perspetiva pessoal sobre a área da relojoaria.
Como levar, hoje em dia, as pessoas à descoberta de um mundo antigo e repleto de história, mas cheio de vida e movimento como é o mundo da relojoaria? Através das redes sociais (dizem os novos tempos), já se sabe, de websites, de eventos, de revistas e dos temas ideais. E, claro, de livros também. Num mundo dominado pela vida online, falar de livros parece quase algo fora do tempo. Mas não o é, de facto. Tal como os relógios de pulso não o são. Curiosamente, e paralelamente à velocidade da Internet, os livros continuam a ser veículos informativos por excelência, sempre disponíveis e práticos. E ainda bem, até porque há áreas que fazem mesmo sentido nas páginas de livros. A relojoaria é uma delas. No entanto, há que saber escrever, há que saber cativar e há que saber comunicar da forma certa, na medida certa. Para que a leitura seja uma experiência marcante e pertinente.

Rhonda Riche conseguiu recentemente reunir todos estes ingredientes para lançar um livro, precisamente, que se revelou uma receita vencedora. Dedicado em exclusivo ao mundo da relojoaria no feminino, The Wonderful World of Women’s Watches reúne histórias, imagens, entrevistas e reflexões sobre os relógios femininos e o papel das mulheres na relojoaria, nas mais diversas vertentes. A temática é abordada de forma leve, fresca e envolvente, fiel, aliás, ao estilo muito próprio que a autora radicada em Toronto tem de abordar de forma descomplicada mundos com tanto para contar – do design à arte, passando pela relojoaria, na qual acabou por se especializar enquanto jornalista.

A propósito deste lançamento, que não tem ambição de ser um tratado, mas antes um livro acessível e apelativo, desafiámos Rhonda Riche para um entrevista via email, ancorada no livro em si e no seu processo de desenvolvimento, mas também na perspetiva pessoal da autora face à história e ao momento atual da relojoaria em geral e da relojoaria feminina em particular.
Sobre o livro
Como apresentaria o seu livro a quem ainda não teve a oportunidade o ler?
O livro The Wonderful World of Women’s Watches é uma celebração das mulheres e dos relógios, logo é um livro mais leve e descontraído do que, por exemplo, um tratado académico. Além disso, está repleto de imagens maravilhosas. Tudo foi pensado para despertar nos leitores a vontade de saber mais!
O que a inspirou a escrever esta obra e qual impacto que espera que venha a ter?
O último livro publicado sobre relógios femininos, The Jewels Of Time, da autoria da minha estimada colega Roberta Naas, foi publicado em 2011. Já passaram quase 15 anos desde então sem ser publicada uma obra sobre este tema. E há uma comunidade crescente de colecionadoras nas redes sociais. No entanto, os livros oferecem um contexto diferente em relação a plataformas como o Instagram ou ou TikTok. Tínhamos a certeza de que existia um público interessado.

Como foi o processo de pesquisa e curadoria das peças apresentadas no livro?
Escrevo sobre moda, arte e design desde a década de 1990 e, então, acabei por encontrar o meu nicho na área dos relógios. Assim, eu tinha um conhecimento específico de relojoaria e consegui filtrá-lo através da lente da cultura pop: por exemplo, como o Bulgari Serpenti que surge na capa do livro ultrapassou os limites técnicos da joalharia e da relojoaria. E o facto de Elizabeth Taylor ter usado um também ajudou.
Prevê escrever uma continuação deste livro ou um outro relacionado com relógios?
Cada história que pesquisei revelou pelo menos mais duas ideias. A minha maior esperança para este livro é que venha a ter um segundo volume. Gostaria de lançar mais luzes sobre as mulheres líderes, as designers e as jornalistas. E também há mais relógios maravilhosos de designers como Andrew Grima, Gerald Genta ou colaborações como Elsa Peretti e Paloma Picasso para a Tiffany. Tenho também um livro a ser lançado no próximo outono com o título Watch Spotting: The Collectors [link externo]. É mais virado para a influência das celebridades no colecionismo de relógios. Aborda de forma divertida o papel dos relógios como símbolos de status.
O mundo dos relógios femininos
Existe alguma época específica na história da relojoaria feminina que considere especialmente cativante?
Os meus interesses mudam constantemente, mas, atualmente, estou fascinada pela era Art Déco. Betty Fiechter tornou-se na primeira CEO da Blancpain em 1932, e foi a força que esteve por trás de alguns dos mais belos relógios de platina cravejados de diamantes. Os formatos retangulares, tão populares neste período, exigiram uma reformulação completa da construção dos movimentos mecânicos.

Quais foram as mudanças de design mais significativas que observou nos relógios femininos ao longo das décadas?
Um dos aspetos mais interessantes sobre os relógios femininos é o facto de o design poder ser mais divertido — o Chopard Happy Sport é um excelente exemplo desta estética. Tanto assim é que se vê celebridades masculinas como Timothée Chalamet e Tyler the Creator a usar relógios mais pequenos com joias na passadeira vermelha. Também é bom ver que as marcas estão cada vez mais empenhadas em atrair mulheres que têm interesse por calibres mecânicos complicados.
Ouvimos com frequência que o mundo da relojoaria ainda é muito dominado por homens. Qual o motivo pela qual considera que isto acontece? Parece-lhe que os relógios femininos foram historicamente (e ainda hoje) desvalorizados em comparação com os relógios masculinos?
Ouvi esta pergunta ser feita a um relojoeiro recentemente. A resposta dele foi basicamente que não achava que as mulheres fossem o seu público. Era um homem que fazia relógios para homens. Também já ouvi homens dizerem que não contratam mulheres para a função de relojoeiros, com receio de que casem, tenham filhos e se despeçam. A verdade é que as mulheres sempre desempenharam um papel importante na relojoaria. Antes da Revolução Industrial, todos os membros das famílias relojoeiras contribuíam. E depois da Revolução Industrial, as fábricas passaram a ser dominadas por operárias encarregadas da decoração fina e da montagem. Também recebiam salários mais baixos do que os homens, mas esta é outra questão mais abrangente de como a desvalorização do trabalho mantém as rodas do capitalismo a girar.

Além do tamanho, quais são as diferenças efetivas que podemos encontrar entre relógios femininos e masculinos?
Existe um grupo de entusiastas femininas chamado Watch Femme (link externo) cuja missão é promover a inclusão na área dos relógios, amplificar as vozes femininas neste mundo, destacar as contribuições femininas para o mesmo e ajudar a criar muito mais oportunidades de carreira para as mulheres. Foi fundado pela jornalista Suzanne Wong, pela consultora de relações públicas Laetitia Hirschy e pela executiva de relógios Nathalie Veysset. Nos seus primórdios, Wong disse um dia: «qualquer relógio é um relógio de mulher se uma mulher o estiver a usar.»
Se olharmos para trás, nos últimos 150 anos, veremos que só as mulheres usavam relógios de pulso. Ou que, no início da década de 1960, os tipos mais arrojados como Dean Martin usavam relógios minúsculos do tamanho de uma pulseira de identificação, enquanto super modelos como Peggy Moffit e Twiggy ostentavam relógios ‘Mod’ do tamanho de um disco de hóquei. Cada geração tem diferentes interpretações do que é masculino e do que é feminino. E sempre foi mais fluido do que nos lembramos.

Considera que há um interesse crescente entre as mulheres por relógios como algo que é mais do que um mero acessório?
Sem dúvida! Na verdade, as mulheres estão a manter viva a paixão pelas tradições artesanais da relojoaria. Durante algum tempo, a comunidade de colecionadores esteve obcecada pelas fichas técnicas, o que significava que se dava muita importância ao número de complicações e componentes de um relógio. Mas a relojoaria também envolve tradições como a esmaltagem, a cravação de pedras preciosas e a decoração. Se não fosse importante, Maisons como Audemars Piguet, Vacheron Constantin e Jaeger-LeCoultre não teriam ateliers inteiros dedicados à preservação destas habilidades.
E o que é que as mulheres realmente querem hoje em dia num relógio de pulso? Os diamantes continuam a ser «os melhores amigos das mulheres»?
As entusiastas de relógios não são um monólito. Umas preferem peças delicadas, outras gostam de um big old Rolex Daytona. Mas penso que a maioria das mulheres quer versatilidade. Talvez prefiram um relógio desportivo que possa ser complementado por um conjunto de pulseiras. Também já vi mulheres a combinarem relógios cravejados de pedras preciosas com guarda-roupas de luxo mais minimalistas e discretos. As mulheres parecem usar os relógios como forma de se expressarem.

Na sua opinião, quais são as marcas que estão a liderar na criação de relógios femininos inovadores atualmente?
O que me agrada é o facto de haver inovação em todas os segmentos de preços. A Bulova sempre foi pioneira na criação de opções femininas inovadoras. A Rado está a fazer um excelente trabalho com caixas de cerâmica coloridas e fáceis de usar. A Hermès tem algumas propostas realmente artísticas e complicações poéticas inesperadas. A Bulgari está a fazer coisas maravilhosas com a miniaturização de movimentos, bem como a criar caixas e braceletes incríveis.
A nível pessoal
Considera-se uma colecionadora de relógios?
Embora eu tenha muitos relógios, não me considero uma colecionadora. Os estojos, os papéis e os cofres dos relógios não são importantes para mim. Adquiro peças vintage interessantes em nome da investigação, mas geralmente troco-as quando surge a minha próxima obsessão.
Qual a sua lembrança mais antiga relacionada com relógios?
O meu avô era um entusiasta de relógios. Também era mecânico. Lembro-me de ele ter alguns relógios desmontados na sua bancada de trabalho. Também tenho um relógio de apresentação do Volkswagen dele. A marca costumava dar um relógio quando se fazia 1000 km com o carro. Tenho ideia de que o meu avô recebeu o relógio em troca de ter arranjado o Carocha de alguém.

E como começou seu interesse pessoal por relógios?
Mais uma vez, tudo começou por ver o meu avô a trabalhar nos relógios.
Há algum relógio favorito de entre aqueles que são apresentados no livro?
Adoraria ter um Bulgari Serpenti ou um Jaeger-LeCoultre. Tenho um Cartier Tank que nunca vou trocar.
Que conselho daria a quem está a começar a sua própria coleção de relógios?
Diria para comprar o que puder pagar e para manter-se curioso. Aprender coisas novas ajuda a alimentar a paixão. Numa folha de cálculo, os relógios são um péssimo investimento, mas aprender a história e encontrar o seu lugar na comunidade vale cada cêntimo gasto.