Chronoswiss: prata e cobre, uma epopeia clássica a dois tempos

É uma saga de 23 anos que chegou agora ao fim. O meu Klassik Chronograph de mostrador prateado recebeu finalmente o tão aguardado irmão acobreado; aqui fica a história pessoal de um modelo atípico na coleção da Chronoswiss e das buscas necessárias para completar a desejada dupla…

Encontro de irmãos: finalmente com o Chronoswiss Klassik Chronograph de mostrador acobreado no pulso | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

E já está. Finalmente consegui ‘dar’ o tão desejado irmão de mostrador acobreado ao meu querido Chronoswiss Klassik Chronograph prateado, um velho companheiro de há já 23 anos e que nunca passou de moda — aliás, com a onda revivalista dos últimos tempos até se pode dizer que está mais na moda do que nunca. E o curioso é que o Klassik Chronograph nasceu na viragem para a década de 90, ainda muito marcada pelo modernismo dos anos 70 e 80. A saga começou precisamente em 1997, quando comprei um livro intitulado ‘Wristwatches: a Connaisseur’s Guide’ (da autoria de Frank Edwards, edição Apple).

Em cima, à esquerda: a imagem de um livro de 1997 que despoletou uma história de paixão pelo Klassik Chronograph | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Para além de diversos considerandos sobre a história da relojoaria de pulso, o livro incluía também o perfil das marcas mais relevantes e houve algo que me chamou a atenção no capítulo dedicado à Chronoswiss: um cronógrafo com aspeto vincadamente ‘antigo’, de asas em forma de lágrima e botões de forma. Era o Klassik Chronograph, dotado de um mostrador prateado com quatro submostradores — os três habituais (segundos contínuos, totalizador dos minutos e totalizador das horas) e mais um suplementar (data analógica) para conferir simetria ao conjunto. Fiquei imediatamente fascinado com tal exercício de estilo saudosista, reminiscente dos cronógrafos clássicos das décadas de 40 e 50. E mesmo que a Chronoswiss tenha sido fundada em 1983 por Gerd-Rüdiger Lang (braço direito de Jack Heuer nos tempos áureos da Heuer no final da década de 60 e inícios da década de 70) para perpetuar a relojoaria mecânica numa altura em que os modelos de quartzo e digitais tinham invadido o mercado, o Klassik Chronograph apresentava códigos diferentes daqueles que eram os habituais, embora também ‘importados’ do passado, na Chronoswiss.

O Klassik Chronograph ‘original’ com mostrador argenté em prata maciça e uma nova correia racing patinada da Watch Garage | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Gerd-Rüdiger Lang implementou na Chronoswiss uma estética muito dominada por mostradores guilloché com ponteiros Breguet, caixa tripartida, luneta canelada e a chamada ‘coroa cebola’. Era um estilo muito vincado e com relógios lindos, alguns deles tornados ícones da ressurreição da relojoaria mecânica — como o Pathos com rattrapante, o Opus, o Régulateur ou o Delphis, sendo vários deles eleitos ‘Relógio do Ano’ pela imprensa especializada. E eu acabei por adquirir vários outros Chronoswiss que ainda uso, como o Grand Opus Chronograph de mostrador esqueletizado, o Timemaster Professional sobredimensionado com mostrador de 24 horas dividido em metades preta e luminescente ou o Pacific Chronograph. Sem esquecer o Kairos Chronograph Mid da minha mulher, um cronógrafo midsize com movimento Lemania que é um dos mais bonitos cronógrafos para pulsos femininos que conheço. Mas o meu primeiro Chronoswiss foi mesmo o ‘atípico’ (para a marca e para aqueles tempos) Klassik Chronograph.

Em Florença, com uma correia especificamente concebida por Jakub Szymaniak; os pespontos condizem com o azulado dos ponteiros | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Com 37 milímetros de diâmetro, o Klassik Chronograph tem dimensões clássicas que também ‘vestem’ bem em pulsos maiores devido ao tamanho das asas. O mostrador em prata maciça, como todos os mostradores da Chronoswiss na altura, é de grande beleza — mas sem o guilloché habitual na marca germano-suíça, que já conhecia relativamente bem das minhas visitas a Baselworld… mas não suficientemente bem para saber na altura que a coleção integrava um tal cronógrafo ao estilo dos anos 40/50. Os submostradores apresentam um acabamento concêntrico distinto dos dois tons prateados da base e, para além da escala taquimétrica na orla, inclui também índexes e algarismos romanos aplicados. O movimento de base é um Valjoux 7750 modificado e aperfeiçoado, podendo ser visto através do fundo transparente; depois vim a saber que as primeiras versões tiveram fundo fechado, mas Gerd-Rüdiger Lang foi o principal impulsionador dos fundos transparentes em vidro que hoje em dia proliferam na relojoaria. Foi paixão à primeira vista: o Klassik Chronograph saltou para o topo das minhas prioridades na altura e pouco depois consegui-o através da Importempo, que acabara de ganhar a representação exclusiva da Chronoswiss para Portugal.

As asas em forma de gota em destaque numa imagem lateral do Klassik Chronograph com mostrador lacado a preto | © Chronoswiss

Já tinha então vários bons relógios, mas o Klassik Chronograph era sempre o que mais elogios e curiosidade suscitava. Na altura estavam também disponíveis no catálogo da Chronoswiss uma versão de mostrador preto e as respetivas variantes em ouro. Entretanto, a minha ligação à Chronoswiss foi-se estreitando devido à amizade com o dono da Importempo, João Saraiva, a tradução do livro ‘Sinais do Tempo’ de Gerd-Rüdiger Lang que fiz para português e o convite anual para o jantar organizado pela marca em Baselworld. Obviamente que eu estava sempre a vangloriar a beleza do meu Klassik Chronograph junto de mestre Lang, personalidade muito respeitada nos meandros do colecionismo e o homem que entregou o Monaco a Steve McQueen para o filme ‘Le Mans’ quando trabalhava com Jack Heuer. E ainda tenho registadas as opiniões do fundador da Chronoswiss sobre o Klassik Chronograph, que foi literalmente inspirado em cabriolets clássicos e era fabricado com maquinaria da década de 50.

Em Cascais, a testar uma nova correia de couro com pespontos condizentes e acabamento índigo azulado da Watch Garage | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

“Sempre que retiro a capota do carro e giro a chave na ignição, o meu pensamento ganha asas. Sempre sonhei em construir um relógio que irradiasse a beleza e paixão de uma viatura clássica. O Klassik Chronograph apresenta-se nesse sentido como uma peça verdadeiramente intemporal: o seu design baseia-se única e exclusivamente nos padrões estéticos dos tão cobiçados modelos dos anos quarenta e cinquenta. A comprová-lo estão as asas para a correia em forma de gota de água, bem como os botões retangulares para acionamento das funções do cronógrafo”, disse então Gerd-Rüdiger Lang.“A evocação de uma aura passada está igualmente patente nos ponteiros e no mostrador, onde são aplicados índices horários em relevo. Nenhum pormenor foi deixado ao acaso. Foram necessários muitos esboços — diria mesmo uma montanha deles! — até se conseguir uma harmonia que fosse ao encontro daquilo que para mim constitui a verdadeira identidade de um puro clássico. Na Chronoswiss temos como lema que a elevada qualidade exterior deverá ser a face visível de uma ‘vida interior’ de igual predicado”.

Versões em ouro amarelo e aço do catálogo de 1998 | © Chronoswiss

E reforçou a ideia por trás do nome do relógio: “Apenas produtos topo de gama que transportem consigo a marca de uma arte reconhecidamente amadurecida pelo tempo poderão aspirar ao estatuto de clássico. Evidentemente, uma tal distinção arrasta inevitavelmente consigo a responsabilidade de honrar esse estatuto. Essa é uma importante razão pela qual o Klassik Chronograph preenche todos os requisitos de um autêntico clássico, na verdadeira acepção da palavra: o ‘Fascínio da Mecânica’ encontra-se particularmente bem expresso no calibre C.741 com contadores de 30 minutos e 12 horas. O modo muito peculiar de exibir a data (um sub-mostrador nas 3 horas) é prova inequívoca da mestria dos nossos relojoeiros em todos os parâmetros da tradicional arte de fabricar um relógio. Esta ‘mais-valia’ da técnica contribui de forma especialmente satisfatória para a perfeição e o equilíbrio global estético do mostrador. O extremo pontiagudo do ponteiro central dos segundos foi apurado manualmente, tendo cada um dos índexes em metal sido rebitado individualmente no mostrador”. E sentenciou: “Este exemplar cronógrafo irá continuar a resistir estoicamente à sucessão de modas efémeras dos nossos dias. Porque, pura e simplesmente, os clássicos resistem mais ao tempo. Sempre foi assim, e assim continuará a ser no futuro”.

A adaptação do calibre cronográfico de base pela Chronoswiss permitiu a data analógica que dá simetria ao mostrador | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Mais de duas décadas depois, e tendo em conta a enorme apetência atual por modelos vintage e reedições do passado, as palavras de Gerd-Rüdiger Lang não poderiam estar mais certas. Nos anos seguintes à minha aquisição, o Klassik Chronograph foi declinado em mais algumas variantes — em aço/ouro com um mostrador dotado de apliques em ouro e em aço com mostradores coloridos, sendo um de tom cobre/salmão acompanhado de versões em azul, bordeaux, azul ou verde. E desde logo retive essa opção do mostrador em cobre, porque a tonalidade acentuava ainda mais o espírito tão declaradamente retro do Klassik Chronograph. Nunca mais a esqueci.

O retorno ao clássico

Entretanto, as coisas mudaram muito na relojoaria e na própria Chronoswiss. A partir de meados dos anos 2000, os relógios tornaram-se maiores e a relojoaria mais vanguardista — entrou-se na era que eu apelido de ‘tecnorlojoaria’, com mostradores recortados muito técnicos e caixas escurecidas. Ou seja, o mercado afastou-se dos parâmetros tradicionais da Chronoswiss; entretanto, Gerd-Rüdiger Lang começou a pensar na reforma e, como a sua filha tomou outro rumo profissional, entrou em negociações para a venda da marca. Isso aconteceu por volta de 2012 com a aquisição por parte de Oliver Ebstein e implicou a transição da sede desde Munique para a bonita cidade de Lucerna; o Klassik Chronograph tinha entretanto saído da coleção e a nova direção procurou focar-se mais em relógios diferenciadores através da reinterpretação moderna dos ícones da marca, como sucede atualmente com o Regulateur. Curiosamente, de há dez anos para cá o mercado começou a direcionar-se para o posicionamento vincadamente vintage que a Chronoswiss tinha antes, na década de 80 e 90. E eu voltei a pensar mais no tal Klassik Chronograph de mostrador cobre ou salmão — já nem o tom eu recordava bem qual era.

O primeiro mostrador adquirido, por engano; pertencia à versão bicolor aço/ouro (na imagem) e tem os algarismos e índexes dourados | © Chronoswiss

Como da Chronoswiss me disseram que essa referência já não estava disponível em qualquer dos seus agentes ou mesmo esquecido algures no stock, e tendo eu vários relógios de mostrador prateado, a minha ideia inicial até foi a de simplesmente trocar o mostrador do meu. E tomei as medidas necessárias para o comprar, fazendo a solicitação à Chronoswiss via Importempo. E o mostrador chegou, mas… havia algo que não batia certo; a cor era a certa, mas as aplicações eram em ouro e não azuladas como recordava. O pior é que são versões relativamente raras e mesmo na era da Internet não consegui encontrar muitas imagens ou muita informação sobre o Klassik Chronograph de mostrador acobreado (o mesmo sucedendo com o verde, vermelho e azul). Então resolvi esperar pela oportunidade de voltar a passar pela sede da Chronoswiss em Lucerna, o que aconteceu em janeiro de 2019 — no regresso dos Sevenfriday Games em Davos. E nos arquivos da marca lá estava o tal (e era mesmo o último!) desejado mostrador acobreado com indexes e algarismos romanos azulados a condizer com os ponteiros. Mas entretanto levantou-se uma outra questão…

O mostrador certo, com aplicações em aço azulado; consoante a incidência de luz, o tom pode ir do dourado ao salmão | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Pois é. Fiquei sem coragem de fazer uma operação plástica a um velho amigo de quase duas décadas e meia. Não me quis separar daquele belo mostrador argenté. E comecei a considerar em comprar um segundo Klassik Chronograph para então trocar de mostrador! Pesquisei os habituais sites e consultei as redes tradicionais de relógios de ocasião. Os preços dos exemplares disponíveis variavam muito, mas havia sempre um ou outro exemplar mais acessível e em bom estado. Coloquei de parte comprar a versão de mostrador preto e ponteiros brancos, já que essa solução me obrigaria também a adquirir um novo conjunto de ponteiros; a prioridade era mesmo comprar um exatamente igual ao meu, porque aproveitaria os mesmos ponteiros azulados. Outros fatores a considerar: evitar os modelos Chronoswiss Klassik de primeira e segunda geração, com mostrador menos atraente e fundo fechado em aço; e optar por algum da geração seguinte ao meu, já com estanqueidade reforçada. Também convinha que tivesse estojo e correspondente papelada. Pesquisei, regateei, cheguei a reservar, deixei passar prazos. Até que vi um exatamente como queria bem perto, anunciado pela Novavenida em Lisboa; falei imediatamente com o meu amigo Gil Rua e resolvi logo a questão.

O Klassik Chronograph de mostrador prateado fica bem com qualquer tipo e cor de correia | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Feito o mais difícil, foi só enviar o relógio e o mostrador para a Importempo para a troca da prata pelo cobre. Já o tenho de volta e escusado será dizer que é o relógio que mais tempo tem passado no meu pulso. Vinha com uma correia de crocodilo preta, mas troquei-a inicialmente por uma de crocodilo azul com bordos ligeiramente arredondados (para acompanhar a curvatura da caixa no entre asas) e agora está com uma correia de couro azul com acabamento patinado e pespontos creme da Watch Garage; dá-lhe um ar menos formal e o tom azulado combina com os ponteiros.

Em modo toscano: um wristshot tipicamente florentino em frente ao Ponte Vecchio | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

E o outro Klassik Chronograph de mostrador prateado também está a testar uma nova correia castanha perfurada tipo vintage racing da Watch Garage — depois de anos com uma correia castanha JFS Leather de couro vegetal especificamente concebida para ele por Jakub Szymaniak, um amigo polaco especialista na confeção de artigos em pele que é colega de júri na iniciativa do Relógio do Ano em Varsóvia e um grande aficionado da Chronoswiss.

Irmãos na mão: o Klassik Chronograph é uma das melhores homenagens aos cronógrafos clássicos dos anos 40 e 50 | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

O Klassik Chronograph é o que eu considero um ‘sleeper’: um grande relógio praticamente desconhecido do público em geral, um segredo que esteve quase sempre escondido — e que a gestão atual da Chronoswiss não pensa reeditar, apesar do meu lobbying. Hoje em dia há tanta procura por modelos do mesmo género em segunda mão que lhe são muito inferiores! E é por isso que agora tenho dois. Não é caso único; também tenho dois Monacos e dois Autavia (a reedição de 2003) da TAG Heuer, dois Maurice de Mauriac Chronograph Modern Le Mans com racing stripes e dois KonTiki Automatic Date da Eterna. Pelos vistos tenho tendências bígamas. E há muitos mais aficionados que gostam tanto de um relógio específico que têm duas ou mais variantes do mesmo modelo — essa ‘poligamia relojoeira’ será tema para uma futura crónica…

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