Deuses do desporto no Olimpo dos relógios

EdT56 — O que é que têm em comum nomes como Roger Federer, Ana Ivanović, Andre Agassi, Lewis Hamilton, Usain Bolt, Maria Sharapova ou David Beckham? Deuses do desporto foram ou têm sido, ao longo dos anos, as faces da longa paixão entre a indústria da relojoaria e os courts, os relvados ou as pistas de corrida, os mares onde evoluem grandes iates ou os campos de polo. Relógios e desporto tornaram-se irmãos de sangue, inseparáveis.

Texto originalmente publicado no número 56 da Espiral do Tempo (outono 2016)

Tudo os aproxima, como dois polos. Vimos isso há pouco, nos Jogos Olímpicos. A Omega, a cronometrista oficial das Olimpíadas, tem o seu logotipo ao lado dos resultados das provas. Há uma lógica para isso. O vencedor de uma corrida, por exemplo, depende do tempo que fez e este é a essência da relojoaria. Ao defrontarem o tempo, os desportistas tornam-se ídolos de todos os que desejariam ter asas para voar mais rápido ou para ganhar em menos tempo. Os desportistas, no geral, tornaram-se símbolos da elegância, da sabedoria, da precisão absoluta. Tudo aquilo que a indústria relojoeira também procura incessantemente. Sonhando pulverizar os recordes anteriores. Tentando conquistar o infinito.

Mas, para lá da filosofia, desporto e relojoaria encontram-se hoje num território comum: são indústrias globais. E, ao descobrirem as suas afinidades, perceberam o que os pode unir economicamente e potenciar os respetivos resultados. Os diferentes desportos tornaram-se uma montra perfeita para a indústria relojoeira, já que associam grandes atletas (símbolos perfeitos para os seres humanos) a uma marca. É uma relação com décadas. A Omega, por exemplo, tornou-se a cronometrista oficial dos Jogos Olímpicos em Los Angeles, em 1932. Foi uma revolução, que surgiu na sequência da TAG Heuer ter sido a cronometrista oficial dos Jogos Olímpicos de 1920 (Antuérpia), 1924 (Paris) e 1928 (Amesterdão). Até esses acordos terem sido concretizados, cada juiz de provas levava o seu próprio relógio, com as discrepâncias que isso originava. Para esses jogos de 1932, a Omega enviou 30 cronógrafos de alta precisão capazes de captar resultados de um décimo de segundo. Foi um primeiro passo: o desenvolvimento do desporto levou a que a tecnologia se refinasse. A primeira câmara de photo finish, utilizada nos jogos de Londres de 1948, foi desenvolvida por uma empresa britânica que trabalhou em conjunto com a Omega. Na final dos 100 metros desse ano, foi de uma utilidade única: os americanos Harrison Dillard e Barney Ewell cortaram a meta com o mesmo registo horário, 10,3 segundos. Dillard ganhou depois de a máquina revelar o resultado. Já este ano, para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a Omega enviou 480 cronógrafos. Mas não há valores divulgados sobre o acordo da marca com o Comité Olímpico Internacional.

Durante anos, a relação entre a indústria relojoeira e o desporto foi evoluindo, sobretudo em desportos mais exclusivos e que, normalmente, atraem pessoas de maior poder económico, como o ténis, o golfe, a vela, o hipismo, o polo ou mesmo a Fórmula 1. Estas relações estão a ser tentadas por outros desportos. Uma notícia marca este ano: a TAG Heuer vai ser o cronometrista oficial da inglesa Premier League, um dos campeonatos de futebol mais ricos e mais vistos no mundo. O que mostra que as antigas fronteiras se evaporaram.

A marca, parte do grupo LVMH, tem estado ligada a muitos eventos desportivos, desde a Fórmula 1 às maratonas de atletismo. Não ficou por aqui, na conquista do reino do futebol: agora também tem, como embaixador da marca, Claudio Ranieri, o treinador italiano do surpreendente Leicester, que ganhou a Premier League. A aproximação ao futebol é mais recente, mas sólida. Para além disso a TAG Heuer tornou-se o novo cronometrista oficial e patrocinador da La Liga espanhola e cronometristra oficial e parceira global do Manchester United. Recorde-se que a marca já é cronometrista oficial da Bundesliga alemã, da Major League Soccer americana e da Superliga de futebol chinesa. Não se pode esquecer que um mercado fulcral para a indústria relojoeira está hipnotizado pelo futebol (nos últimos meses, dois dos maiores clubes italianos, o AC Milan e o Inter de Milão, foram adquiridos por investidores chineses). Não é um acaso: a ligação da TAG Heuer ao futebol (recorde-se que foi também a cronometrista oficial da Copa América deste ano) é uma aposta da própria direção da LVMH. Jean-Claude Biver, que ganhou fama na Hublot, criou aí uma estratégia que passava pela entrada da marca na Fórmula 1 e no futebol. Na altura, Biver disse mesmo que vira ali uma oportunidade, porque todos viam o futebol como um produto de massas e não suficientemente exclusivo para o negócio do luxo. Biver começou a ver grandes investidores a entrarem no futebol (e no basquetebol, onde fez um acordo com os Miami Heat da NBA) e percebeu o que ia mudar. Consumidores com maior poder económico passaram a ir aos estádios mais modernos, com camarotes com todos os luxos, como sucedeu no Chelsea, desde que foi adquirido por Roman Abramovich. A estratégia de aproximação foi calma: primeiro, a Hublot firmou acordo com a seleção de futebol suíça. Depois, cresceu. O Chelsea tornou-se um parceiro. E nomes como Diego Maradona, Pelé ou José Mourinho tornaram-se embaixadores da marca, que reconheceu o potencial de reconhecimento que estes nomes lhe davam, abrindo-lhes novos mercados e consumidores.

Outras marcas já viram no futebol esse motor de reconhecimento. Cristiano Ronaldo uniu-se à TAG Heuer; Lionel Messi, à Audemars Piguet; a Breitling, ao Zenit de São Petersburgo; a Seiko, ao Barcelona. Visão que também teve Franck Muller, que, há muitos anos, associou-se ao futebol português. Em 2001, fez, entre outras, uma edição de 30 exemplares dedicada ao Benfica. E em 2010 voltou a lançar uma edição limitada dedicada ao clube lisboeta, ‘O Conquistador SL Benfica’. Não é um acaso: o desporto tende a ter a parte de leão do patrocínio, em parte porque tem uma ampla cobertura mediática — e o futebol é um dos desportos que mais adeptos atrai em todo o mundo. Um dos negócios de que se fala para o futuro próximo é o da estandardização dos relógios dos árbitros: cada um usa o seu, uns analógicos, outros digitais. Para as grandes marcas relojoeiras, será um desafio.

Não há valores divulgados para estes acordos na área do desporto. Em dezembro, a Rolex assinou um acordo com a Fórmula 1 para ser a cronometrista oficial durante dez anos. A TAG Heuer teve, durante anos, um acordo com a McLaren, e, esta época, assinou com a Red Bull Racing Team. A Hublot trabalha com a Ferrari; a Richard Mille, com a McLaren e a Haas. E muitos pilotos têm os seus próprios acordos. Provando que esta relação entre desporto e os detentores do tempo continua a evoluir. No fundo, há aqui algo do sonho de Pierre de Coubertin, quando dizia que o mote dos Jogos Olímpicos era «Citius, altius, fortius» («mais rápido, mais alto, mais forte»). E acrescentava: «Estas três palavras representam um programa de beleza moral. A estética do desporto é intangível». Ultrapassa todas as fronteiras e todas as culturas. Como uma língua universal. Igual ao das horas que os relógios nos oferecem. ET_simb

Save

Save

Save

Outras leituras