A família Scheufele promoveu uma reunião no seu Château Monestier La Tour para apresentar modelos novos e projetar o futuro próximo da coleção L.U.C. E também falar de vinhas biodinâmicas e apresentar automóveis clássicos. Estivemos lá e ficamos impressionados.
Não é fácil chegar lá, mas o tempo necessário para lá chegar é um bom investimento. Afinal de contas, o mote do Château Monestier La Tour é ‘O que é feito com tempo, o tempo vai respeitar’. A partir de um aeroporto periférico como o de Bordéus, são quase duas horas de viatura no sudoeste francês até se chegar ao destino no seio da região de Bergerac — e o Château Monestier La Tour é mais do que o poiso preferencial da família Scheufele; é também uma propriedade onde se cultivam vinhas biodinâmicas e onde se fala incontornavelmente de relojoaria fina, automóveis clássicos e música erudita, as outras paixões do patriarca.
Foi, portanto, ‘em casa’ que Karl-Friedrich Scheufele acolheu um pequeno núcleo de jornalistas para apresentar alguns relógios novos e projetar a evolução da coleção LUC nos próximos tempos. Fazendo a ponte para as belas viaturas de antanho que mantêm o seu apelo intemporal e para os vinhos que requerem tempo para maturar. Outra ponte, do tipo transgeracional, também ficou bem evidente nos dias da reunião: o filho Karl-Fritz Scheufele parece estar mais do que preparado para seguir as pisadas do pai, revelando profundo conhecimento das várias áreas em que a família está envolvida e mostrando-se cada vez mais envolvido em cada uma delas. A começar, obviamente pela relojoaria, tendo mesmo sido dele o toque de saída para o lançamento da linha de design integrado Alpine Eagle, em 2019.
O Alpine Eagle tem granjeado uma posição de grande destaque no seio do catálogo relojoeiro da Chopard, mas no Château Monestier La Tour falou-se exclusivamente da gama alta L.U.C — batizada com as iniciais de Louis-Ulysse Chopard, fundador da companhia em 1860, e dotada de movimentos exclusivamente confecionados na Manufatura Chopard, em Fleurier. A linha L.U.C é a expressão de alta-relojoaria da Chopard, que também tem uma vincada vertente joalheira sob a batuta de Caroline Scheufele, co-presidente da marca juntamente com o irmão. É muito raro uma marca apresentar-se igualmente competente ao mais alto nível nesses dois domínios, sem que a reputação de uma vertente ensombre a outra. E, no seu Château Monestier La Tour, Karl-Friedrich Scheufele encarregou-se de falar da sua área.
Falou mais especificamente do que sai da Manufatura Chopard, estabelecida em 1996 em Fleurier quando a ‘moda’ das manufaturas e a obsessão pelo in-house ainda não estavam implementadas. Falou da futura afinação estética de peças de alta-relojoaria e complicações emblemáticas, que serão reveladas em janeiro do próximo ano. E falou dos lançamentos estivais, encabeçados pelo L.U.C 1860 Flying Tourbillon e que incluíram especialidades associadas aos chamados métiers d’art (que o termo luso ‘artesanato’ não descreve propriamente por abranger um sentido mais lato). Tudo edições limitadas, mas é essa a exclusividade em que se move a Chopard nessa sua fasquia superior de execução.
L.U.C 1860 FLYING TOURBILLON
O L.U.C 1860 Flying Tourbillon foi a vedeta dos novos modelos apresentados (mais precisamente: dos que não estão sob embargo) e revela-se uma viagem ao passado em diversos parâmetros. À primeira vista, parece saído do meio da década de 90, o que faz todo o sentido; afinal de contas, a Manufatura Chopard foi inaugurada em 1996.
Nesse tempo, os relógios mecânicos eram mais pequenos e mais finos porque a fase dominante do quartzo nos anos 80 também veio diminuir a média do tamanho dos relógios e o L.U.C 1860 Flying Tourbillon apresenta um diâmetro de 36,5mm por 8,3mm de espessura — dimensões verdadeiramente compactas para qualquer período da história da relojoaria de pulso. É também o turbilhão volante mais pequeno de sempre na coleção regular da Chopard, depois de um primeiro turbilhão volante de 40mm lançado em 2019 e na peugada do da edição especial L.U.C Flying T Twin Revolution Edition de 2021 em ouro branco e mostrador salmão, que na altura foi anunciado como sendo o mais pequeno turbilhão volante automático do mundo (o Calibre L.U.C 96.24-L mede 27,40 por 3,30mm).
Há mais retrospetivas que remetem para os anos 90. Umas mais precisas, tendo em conta a proveniência: o primeiro relógio saído da Manufatura Chopard foi o L.U.C 1.96 com o Calibre 96.0-L dotado de microrrotor do qual se disse então ser provavelmente o melhor movimento automático produzido na Suíça; esse primeiro modelo também tinha um mostrador com um medalhão central trabalhado em guilloché. A outra mais geral: naqueles tempos, a tonalidade de ouro utilizada era maioritariamente a amarela, antes do surgimento do ouro rosa e tons associados; a caixa e o mostrador do L.U.C 1860 Flying Tourbillon são em ouro ético amarelo de proveniência comprovada e fundido na fundição própria que a Chopard tem na sua sede nos arredores de Genebra, em Meyrin.
Para além disso, há o recurso clássico à tampa de fundo — uma tipologia pouco comum nos relógios de pulso mas que era bem mais frequente no tempo dos relógios de bolso. Abre-se a tampa (com gravações interiores alusivos à iconografia L.U.C, incluindo colmeia, abelhas) e pode ver-se, através de um vidro de safira, todos os pormenores à vista do Calibre L.U.C 96.24-L: microrrotor em ouro de 22 quilates, decoração assente maioritariamente nas estrias Côtes de Genève, tecnologia patenteada Twin com os seus dois tambores de corda para uma autonomia de 65 horas e espiral do balanço com curva terminal plana.
O mostrador em ouro com o caraterístico medalhão central em guilloché de padrão entrelaçado é acompanhado de índices facetados aplicados e ponteiros Dauphiné condizentes. O turbilhão volante (ou seja, sem ponte de sustentação no lado do mostrador) apresenta a indicação dos segundos, algo de necessário para a obtenção da certificação COSC. Que é complementada com a certificação do Punção de Genebra, mais abrangente no plano estético e decorativo.
Particularmente interessante foi a escolha da tonalidade da correia em pele de aligátor: um verde seco raramente utilizado na relojoaria que não é de inspiração militar.
L.U.C QUATTRO SPIRIT 25 ‘YEAR OF THE DRAGON‘
Em 2021, a Chopard apresentou um dos mais bonitos relógios de sempre dotados da função de horas saltantes — um belo relógio dotado de uma caixa em ouro rosa de 40mm e mostrador em esmalte Grand Feu branco com um grafismo puro e essencial que foi mesmo capa da nossa revista. Este ano, na Watches & Wonders, surgiu a versão de caixa em ouro branco e um lustroso mostrador preto em esmalte também confecionado segundo a técnica Grand Feu. Tanto um como outro dotados de uma elegância depurada raramente encontrada nos dias de hoje e que também não tem propriamente uma referência histórica precisa, até porque a colocação da janela das horas saltantes às 6 horas não é propriamente tradicional (o posicionamento habitual é às 12 horas).
É precisamente o L.U.C Quattro Spirit 25 de horas saltantes que serve de base a três novas execuções especialmente dedicadas ao ano do dragão chinês — uma de mostrador em ouro gravado em relevo (Ref. 161977-5007) que foi pré-selecionada entre os modelos finalistas da categoria Artistic Crafts do Grand Prix d’Horlogerie de Genève deste ano e mais duas, reveladas na reunião promovida no Monestier la Tour, em que o desenho e a pintura se destacam. Ou seja, do minimalismo do L.U.C Quattro Spirit 25, passou-se à luxúria decorativa que uma criatura de caráter mitológico como o dragão sempre implica.
O dragão foi a primeira criatura a surgir em mitos e lendas dos primórdios da civilização chinesa e representa a autoridade imperial, riqueza e fertilidade. No Ano do Dragão e face a uma tão rica simbologia, a Chopard puxou pelos seus galões relojoeiros e artísticos para apresentar uma gama completa dedicada a tão fantástica criatura e ao seu protagonismo na cultura asiática. O lote é impressionante, começando pelo L.U.C Tourbillon Dragon e pelo L.U.C Flying Tourbillon T Twin Phoenix (ambos peças únicas), duas versões do L.U.C Full Strike ‘Year of the Dragon’ com repetidor de minutos (uma de mostrador gravado em relevo, outra de mostrador em esmalte Grand Feu), e três L.U.C Quattro Spirit 25 ‘Year of the Dragon’.
Desses três, o primeiro, o tal Ref. 161977-5007 do Grand Prix d’Horlogerie de Genève, apresenta o dragão detalhadamente desenhado em relevo, com as escamas, garras, cornos, barba, língua, olhos, boca e tudo o mais num conjunto de grande impacto dourado.
Depois vêm os dois mais recentes, ambos com a mesma dimensão de caixa (40mm de diâmetro por 10,30mm de espessura) e alimentados igualmente pelo Calibre L.U.C 98.06-L de carga manual e quatro tambores de corda, com uma autonomia de 192 horas (8 dias).
Desses últimos dois, o Ref. 161977-0001 é o modelo mais impressionante e, paradoxalmente, o mais discreto devido ao uso de tonalidades comparativamente mais suaves. Investe num complexo mostrador gravado que começa numa base em esmalte Grand Feu com utilização de laser para a criação do relevo e depois todos os detalhes ínfimos são pintados em esmalte, com as escamas e até os bigodes do dragão acrescentados em ouro, juntamente com pequenas peças de marqueteria em seis tipos de madeira distintos para os cornos e madrepérola para as garras e para as nuvens. Uma autêntica obra de arte nos mais diversos planos.
O segundo, o Ref. 161977-1002, inspira-se nos vasos de porcelana das grandes dinastias chinesas. Com um mostrador Grand Feu de base branca e um dragão enroscado que é pintado à mão em azul e secundado por chamas em vermelho. Para além da exigência artística do pintor, há que ter em conta a dificuldade inerente à criação de qualquer mostrador Grand Feu — as várias camadas exigem uma cozedura a elevadas temperaturas e tantas vezes o trabalho é arruinado por um qualquer estalar devido ao inerente risco de tal procedimento.
E depois há o extraordinário Calibre L.U.C 98.06-L de carga manual, no qual a capacidade de armazenar potência e a sua transmissão no momento exato assumem relevância primordial. Como alimenta um relógio de horas saltantes, é necessário que a energia seja retida e libertada no momento exato para que o disco das horas avance em um incremento. A tecnologia Quattro consiste em quatro tambores de corda, que albergam uma mola principal com um comprimento total de quase dois metros (!) e alimentam o escape de maneira equilibrada, melhorando o isocronismo devido a essa transmissão de energia linear. Essa armazenagem de corda permite uma extensa autonomia de oito horas, que até pode ser controlada através do indicador de reserva de carga presente no fundo do relógio. Para além de dispor de uma espiral com curva terminal Phillips e de um sistema de regulação fina. E de todos os acabamentos dignos de alta-relojoaria.
AS NOSSAS IMPRESSÕES
O L.U.C 1860 Flying Tourbillon é um relógio que cheira a old money, a velha guarda, ao antigo jet-set europeu. O ouro amarelo até pode ser conotado com exibicionismo, mas não neste caso particular — porque o L.U.C 1860 Flying Tourbillon é um relógio de classe e prestígio, exclusivo com a sua tiragem de somente 10 exemplares para um preço unitário na casa dos 145 mil euros.
É compacto e elegante no pulso, representando muito bem o universo Chopard desenvolvido pela família Scheufele… não só no estilo, mas também devido a todas as afinidades históricas com o percurso de 28 anos desde a fundação da Manufatura Chopard.
Quanto aos modelos L.U.C Quattro Spirit 25 ‘Year of the Dragon’, podem ter sido idealizado com a China em mente… mas cada um dos três apresenta os seus méritos próprios. Os dois que tivemos em mão no Château Monestier la Tour são igualmente exclusivos (edições limitadas de oito exemplares cada) e assentam perfeitamente no pulso, tal como os excecionais L.U.C Quattro Spirit 25 — o de ouro rosa com mostrador branco de 2021 e o de ouro branco com mostrador preto de 2024 — que lhes serviram de base.
Mas o Ref. 161977-0001 tem uma dimensão artística suplementar com a adição de todo um trabalho de marqueteria que junta minúsculas peças de madeira aos segmentos de ouro em relevo, às partes em esmalte pintadas e ainda à madrepérola adicional. Uma fabulosa obra de arte multidisciplinar que é mais onerosa (custa à volta de 116.500 euros) do que o Ref. 161977-1002 (com um preço de 76.800). Ambos surgem equipados com uma correia de pele de padrão escamado — textura escolhida para replicar precisamente as escamas do dragão.