Após o rescaldo ao que se passou em 2021, justifica-se uma antevisão do ano relojoeiro de 2022. Aqui ficam algumas notas de destaque em jeito de preview.
Na passada semana passamos em revista vários dos temas que marcaram o ano de 2021 na relojoaria. No final da primeira semana de 2022, é altura de fazer o lançamento do novo ano…
Preços
Depois da política de contenção de preços e rendas devido aos efeitos nefastos da pandemia na economia e no trabalho, prevê-se que a inflação seja marcante em 2022. No que diz respeito aos preços da relojoaria de prestígio, a subida é já uma realidade desde o primeiro dia do ano. Veja-se o caso da Rolex, que aumentou os preços entre 2,6 e 12,2%; numa lista das 20 referências mais populares do catálogo da marca da coroa, dez viram o seu preço aumentado em 10% ou mais — o que não é para admirar, tendo em conta a extrema procura e as famosas listas de espera… para não falar da exorbitância dos preços no chamado after market. O maior aumento foi o do Explorer Ref 124270 (12,2%); os diversos exemplares das linhas Explorer, GMT-Master e Submariner tiveram todos eles subidas de dois dígitos no seu preço final. Outras marcas, como a Jaeger-LeCoultre, também já anunciaram significativos aumentos.
Portugal no topo!
Dados surpreendentes de um professor de economia da Eastern Connecticut State University: Brendan Cunningham mergulhou na temática dos recordes registados em leilões, das listas de espera e da hype relojoeira num artigo para os nossos confrades do Time and Tide; no estudo que publicou, refere que a União Europeia é a zona geográfica que dados mais detalhados e acessíveis tem relativamente à compra de relógios enquanto fatia do total das compras dos consumidores. Menciona que, comparativamente e salvaguardadas as distâncias, o típico consumidor europeu gasta mais dinheiro em pão do que em relógios — e que a porção que os europeus têm alocado à compra de relógios não tem subido nem descido tendo em consideração os últimos cinco anos. Mas destaca que os consumidores portugueses e italianos gastam aproximadamente mais três e duas vezes em relógios do que a média europeia! Refere mesmo que, em 2021, o consumidor português duplicou a verba destinada a relógios no total das suas compras… ao passo que a Suíça (ironicamente!) registou uma queda de quase 50 por cento nesse parâmetro. «Usei dados de um relatório estatístico da União Europeia sobre os pesos usados para o cálculo da inflação na Europa; esses pesos representam a importância dos items nos gastos do consumidor», disse-nos Brendan Cunningham. Ou seja, indícios que dão a entender um ano relojoeiro de 2022 em alta no nosso país — mesmo que os índices de vendas também estejam associados ao turismo.
Bolha ou bola de neve?
O termo ‘hype’ terá sido a palavra do ano relojoeiro de 2021, designando toda a loucura à volta dos chamados relógios desportivos de luxo — os icónicos modelos em aço integrados da Patek Philippe (Nautilus) e Audemars Piguet (Royal Oak), os Rolex em aço (sobretudo da linha Professional) e qualquer relógio hi-tech da Richard Mille. A bola de neve ganhou uma tal força que dificilmente será travada em 2022. Por associação, também a bolha criada (e ‘bubble’ foi outro dos termos marcantes de 2021) vai manter-se nos próximos tempos: a fama atingida por esses modelos e essas marcas, a valorização no after market e os preços estrambólicos nos leilões só vão gerar ainda mais procura — aparentemente puxando a relojoaria, no seu todo, para cima… mas a preponderância quase excessiva dessas marcas acaba por ser injusta para tantas outras que fazem um trabalho extraordinário e apresentam produtos excelentes que desvalorizam à saída da loja porque não foram bafejadas pela tal ‘hype’. A exceção parecem ser as marcas de alta-relojoaria independente, que estão a beneficiar da febre pela relojoaria e a ser encaradas como bom investimento: F.P. Journe, De Bethune, Akrivia, MB&F, Urwerk, Voutilainen, Grönefeld, Moser. Do grupo Richemont, a A. Lange & Söhne está a valorizar bem e a linha Overseas da Vacheron Constantin também já apanhou a carruagem da loucura à volta dos modelos integrados de luxo em aço.
Cor(es)
O cinzentismo depressivo da pandemia veio reforçar a necessidade de a relojoaria gerar emoções através de mostradores vibrantes — com o recurso a cores fortes para além dos usuais preto, branco, prateado e mesmo azul marinho. Variantes do verde e do vermelho têm estado fortes nos últimos dois anos e 2021 acabou mesmo sob a égide do Tiffany Blue da última tiragem do Patek Phillipe Nautilus 5711, o que pode indiciar que o azul turquesa se torne na tonalidade de 2022. Entretanto, a Pantone determinou o 17-3928 ‘Very Peri’ como a cor de 2022 — e esse roxo/lilás/púrpura devidamente trabalhado com atrativas variações e até mesmo em degradé poderá ficar muito bem num mostrador. Porque não? Segundo a Pantone, «o 17-3938 Very Peri ajuda-nos a adotar a alterada paisagem das possibilidades, abrindo-nos para uma nova visão enquanto rescrevemos as nossas vidas». E atenção: o tão valorizado Royal Oak ‘Black Panther’ Flying Tourbillon da Audemars Piguet já foi lançado em 2021 com tons roxos, tal como o Royal Oak Tourbillon Extra-Thin. A H. Moser & Cie lançou o Endeavour Centre Seconds Purple Haze e tem alguns outros mostradores azuis ou bordeaux que fogem para o púrpura. O roxo é uma cor com uma certa aura vintage e tem sido algo desaproveitado pela relojoaria nos últimos tempos; esperamos vê-lo utilizado com bom gosto em 2022.
Bonecada
Qual será o personagem de banda desenhada em destaque neste ano de 2022? Nos últimos anos, o Snoopy (sobretudo graças à Omega), o Mickey (com o reviver da marca Gerald Genta por parte da sua proprietária, a Bulgari), Blake e Mortimer (numa edição limitada da Reservoir) e sobretudo o Black Panther (graças ao surpreendente acordo entre a Audemars Piguet e a Marvel Entertainment) foram as personagens em grande destaque — houve mesmo uma primeira pièce unique Royal Oak Concept Flying Tourbillon com o personagem Black Panther em três dimensões no mostrador a ser leiloado por 5,2 milhões de dólares. Também as personalizações e edições limitadas da Bamford Watch Company têm sido influenciadas pelo apreço do seu fundador George Bamford por figuras que dão um toque de irreverência ao mostrador.
Meio século
Mais uma referência ao Royal Oak neste preview… que se torna incontornável no contexto de 2022, porque se cumprem precisamente 50 anos desde o seu lançamento pela Audemars Piguet na feira de Basileia. Na altura, o relógio desenhado por Gerald Genta custava dez vezes mais do que um Rolex GMT e os 3.650 francos suíços do preço davam para comprar um Jaguar. Inicialmente foi tomada a decisão de fazer apenas 1000 exemplares e o próprio Georges Golay, então presidente da manufatura de Le Brassus, não estava muito convencido do seu sucesso e achava que se desviava excessivamente da identidade da marca — mas os clientes gostaram da apresentação dos desenhos do relógio e o projeto foi para a frente. Afinal de contas, era um relógio moderno devidamente adequado à febre futurista da época, impulsionada pela conquista espacial e pelas séries de ficção científica.
O efeito Ómicron
A nova variante do Covid tem-se espalhado rapidamente e, depois de forçar ao cancelamento da exibição da OAK Collection em Londres no mês de dezembro e consequente adiamento (possivelmente para maio), já provocou também o cancelamento de um evento da Chopard comemorativo do 25.º aniversário da coleção L.U.C em janeiro. Após a realização virtual do Watches and Wonders em 2020 e 2021, será que a pandemia vai forçar a uma nova versão digital da feira em abril de 2022? Talvez não; segundo os mais recentes desenvolvimentos, a Ómicron está a revelar-se uma variante muito contagiosa, mas não tão impeditiva a ponto de as autoridades exigirem as mesmas medidas draconianas do passado num contexto de grande taxa de vacinação; a minha previsão é a de que a pandemia já esteja em fase de endemia e que o Watches and Wonders se realize presencialmente de 30 de março a 5 de abril.
Revelação
As grandes revelações de 2021 foram a Furlan Marri (uma micromarca que foi mesmo galardoada no Grand Prix d’Horlogerie de Genève) e o mestre Miki Eleta (um antigo taxista que concebe extraordinários relógios de mesa em que a engenharia mecânica se faz acompanhar de personagens em miniatura). Para 2022, prevê-se que mais uma ou duas novas marcas independentes de alta relojoaria surjam entre os finalistas do Grand Prix d’Horlogerie de Genève; resta saber se alguma micromarca irá conseguir a projeção que a Studio Underd0g e, sobretudo, a Furlan Marri — ambas lançadas no Kickstarter — tiveram no ano passado.
Causas
A sustentabilidade e o empoderamento feminino estiveram na ordem do dia em 2021, a primeira exemplificada pela decisão de uma marca de elevado gabarito como a Greubel Forsey em deixar de produzir correias em pele animal e o segundo pelos inúmeros fóruns que debateram as necessidades da mulher enquanto consumidor ou a desatualizada caraterização dos relógios de homem e senhora. Sem esquecer a vertente de beneficência, com múltiplas vendas em leilão a gerarem avultadas verbas com destinos caritativos; em 2022 não haverá Only Watch (trata-se de um leilão de beneficência bienal), mas continuar-se-á a ver nos leilões determinadas vendas cujo proveito irá para fins de caridade. A Panerai apresentou um relógio concebido com uma elevada percentagem de material reciclado e colocou à disposição da indústria as parcerias; em 2022 essa sanha ecológica irá continuar em força, juntamente com várias outras causas que certamente irão surgir.
Virtualidades
Em 2020 foram os Insta Lives que animaram o primeiro confinamento (e muitas sessões fizemos nós em @espiraldotempo com grandes protagonistas da relojoaria!); em 2021 foram os debates quase radiofónicos na aplicação Clubhouse (sem imagem) que ganharam popularidade no segundo confinamento. Entre um e outro ano, o Zoom foi igualmente uma ferramenta de peso. E os podcasts relojoeiros têm ganho popularidade nos últimos tempos e vão ganhar maior relevância durante este ano, destacando-se os do Hodinkee e do Scottish Watches; em Portugal, é de salientar o papel do Hora Certa. Será que 2022 irá forçar o surgimento de um novo recurso virtual para a comunicação da comunidade relojoeira? O certo é que as NFTs e as criptomoedas irão redobrar de importância no contexto da indústria relojoeira.
O documentário
A não perder em 2022 por qualquer aficionado de relojoaria que se preze: o filme Making Time, documentário com um orçamento de vários milhões de dólares e protagonizado por várias personalidades — Philippe Dufour, Max Busser, Aldis Hodge, Ludovic Ballouard — que dão uma imagem muito pessoal e emocionante dos respetivos trajetos de vida. Há testemunhos e passagens que são especialmente fortes. Como a referência à juventude de Aldis Hodge, ator afroamericano de Hollywood que é também relojoeiro e designer de relógios. As imagens do pedido de casamento do mestre Ludovic Balouard à primeira mulher que depois seria vítima de cancro. E a confissão de Max Busser, admitindo que os seus pais nunca reconheciam valor em qualquer coisa que fizesse. Verdadeiramente imperdível, embora nesta altura ainda não seja possível adiantar uma data para o seu lançamento.
Encontros Espiral do Tempo
Fizemos uma primeira experiência informal com o mestre Karsten Frassdorf no final de 2019 e arrancámos formalmente com os Encontros Espiral do Tempo no início de 2020 com a apresentação de Marco Borracino da Singer Reimagined, Jorn Werdelin da Linde Werdelin e da artista especializada em ilustração relojoeira Julie Kraulis… até que a pandemia nos cortou o ímpeto. Regressámos em 2021 com um evento dedicado à Cvstos. Em 2022 contamos realizar encontros mais frequentes destinados aos amigos da Espiral do Tempo e à comunidade relojoeira. A começar pela reunião dedicada à Graham — que chegou a estar prevista para o mês de dezembro e que teve de ser adiada devido ao reforço das medidas sanitárias…