H. Moser & Cie.: Streamliner Flyback Chronograph

Quando a H. Moser & Cie anuncia um novo modelo, o mundo relojoeiro presta atenção. Mas desta feita não há qualquer genial jogada publicitária do seu CEO, Édouard Meylan, a complementar a excelência do produto que acaba de lançar. Nem é preciso: o novo Streamliner Flyback Chronograph fala por si tanto no plano estético como técnico. Um relógio desportivo de luxo completamente diferente do que a Moser fez até ao momento, mas que mesmo assim é completamente Moser e que inclui um inédito desenvolvimento mecânico.

O ano passado foi mesmo o dos relógios desportivos de luxo com design integrado reminiscentes da famosa corrente dos anos 70 que incluiu grandes ícones da relojoaria como o Royal Oak da Audemars Piguet, o Laureato da Girard-Perregaux, o Ingenieur da IWC, o Nautilus da Patek Philippe, o 222 (pré-Overseas) da Vacheron Constantin, o Sport Classic da Ebel, o Polo da Piaget, o Oysterquartz da Rolex e centenas de outros modelos de dezenas de outras marcas que seguiram a moda vigente da arquitetura de caixa e bracelete metálica integradas preconizada por lendários designers como Gerald Genta, Eddy Schopfer ou Jorg Hysek. Em 2019, e com o Royal Oak e o Nautilus no auge da sua valorização (longas listas de espera; preço a triplicar sobre o valor aconselhado de venda ao público), surgiram vários modelos da mesma tipologia que até suscitaram alguma polémica ao serem injustamente comparados com esses dois colossos da história relojoeira: a Bell & Ross apresentou a nova linha BR-05, a Chopard lançou a coleção Alpine Eagle inspirada no seu St. Moritz, a A. Lange & Sohne aventurou-se em território inédito com o Odysseus e no final do ano a própria Greubel Forsey arriscou com o GMT Sport (de design integrado mas sem bracelete metálica). Hoje foi a vez da H. Moser & Cie apresentar o Streamliner Flyback Chronograph Automatic, a primeira grande novidade de 2020 no sector da relojoaria fina.

Na mão: o primeiro contacto com o Streamliner, ocorrido sob embargo durante a Dubai Watch Week © Miguel Seabra/Espiral do Tempo
Na mão: o primeiro contacto com o Streamliner, ocorrido sob embargo durante a Dubai Watch Week © Miguel Seabra/Espiral do Tempo

Streamliner Flyback Chronograph

Na verdade, tivemos a oportunidade de tomar contacto com o Streamliner Flyback Chronograph Automatic ainda em 2019, durante a Dubai Watch Week e sob embargo. Édouard Meylan, o jovem e carismático CEO da marca, deu-nos conhecimento da novidade e deixou-nos manusear o relógio, brincando então um pouco com o facto de ser «mais um modelo desportivo de luxo de design integrado embora sem mostrador azul!» — após todo o alarido à volta de modelos dessa tipologia desvelados nos meses anteriores. Mas, brincadeira à parte, tendo a perfeita consciência de que aquilo que estava a mostrar era algo de completamente diferente da concorrência, sendo ao mesmo tempo completamente diferente de tudo o que a H. Moser & Cie já fez e simultaneamente um produto completamente H. Moser & Cie (o uso repetido do termo ‘completamente’ é obviamente propositado). Ou seja, Édouard Meylan mostrou-se totalmente confiante na ‘pertinência paradoxal’ do seu produto. E com toda a razão.

Ponteiros cronográficos dos minutos e dos segundos ao centro, em vez de nos habituais totalizadores de pequena dimensão © H. Moser & Cie
Ponteiros cronográficos dos minutos e dos segundos ao centro, em vez de nos habituais totalizadores de pequena dimensão © H. Moser & Cie

«O Streamliner representa a realização de um dos mais ambiciosos projetos que já tivemos na H. Moser & Cie», confessou-nos Édouard Meylan. «A ideia de uma coleção de relógios de forma em aço com bracelete integrada já estava na mesa quando adquirimos a marca em 2012. Precisámos de sete anos até nos sentirmos confortáveis com o resultado do projeto. Tinha de ser novo, diferente, fresco, elegante… mas ser Moser. É tudo novo: a caixa, a bracelete, o mostrador, os ponteiros e o movimento. Personifica o começo de uma nova era na Moser», acrescentou. E depois explicou o desenvolvimento do produto: «Começámos pela bracelete, uma bracelete que é confortável, elegante e diferente. Depois concebemos o modelo à volta da sua função cronográfica, que quisemos colocar em evidência. O Streamliner é um cronógrafo que dá as horas e não um relógio que faz de cronógrafo. Privilegiámos a sobriedade e a ergonomia, tal como a legibilidade ao optarmos por um mostrador com cronometragem de indicação central e não em submostradores — uma opção que se inscreve perfeitamente na nossa filosofia minimalista. Apostámos na própria essência do cronógrafo ao sublimar a função cronográfica».

HMoser_6902-1200_Streamliner_Full-side_press
Orgânico e original: o Streamliner Flyback Chronograph Automatic © H. Moser & Cie

Seja no plano estético como técnico, o primeiro cronógrafo da Moser é mesmo notável. A tal herança dos anos 70 é bem evidente num exercício de design com a assinatura de Marcus Eilinger: caixa de forma (cushion), mostrador fumé, bracelete metálica integrada no design e utilização de um material democrático como o aço num produto de prestígio — sendo que esse ‘caráter metálico’ está diretamente associado ao seu nome: os primeiros comboios de grande velocidade dos anos 20 e 30 estavam revestidos de aço e tinham um aerodinamismo estriado. Apesar desse legado da locomoção e da relojoaria do passado, o seu visual personalizado é bem distinto das mais recentes linhas inspiradas na década de 70 lançadas nos últimos tempos (o Polo da Piaget em 2017, o One da Urban Jurgensen em 2018, o BR-05 da Bell & Ross, o Alpine Eagle da Chopard, o Odysseus da A. Lange & Söhne em 2019) — talvez o que ainda possa saltar mais da memória seja a eventual comparação com alguns modelos dos primórdios da Porsche Design ou com as ondas da bracelete do Sport Classic criado por Eddy Schopfer em 1977 para a Ebel que foi um dos grandes favoritos da década de 80, mas nem essa analogia lhe retira originalidade. O Streamliner Flyback Chronograph Automatic é mesmo um relógio diferenciado porque utiliza diversos elementos de estilo conhecidos e combina-os de forma a apresentar um produto original.

O perfil do Streamliner e a integração da bracelete na caixa © H. Moser & Cie
O perfil do Streamliner e a integração da bracelete na caixa © H. Moser & Cie

As geometrias curvas contribuem para a fluidez das linhas e o resultado final é minimalista, mas de um minimalismo sofisticado no exterior que esconde uma grande complexidade mecânica no seu interior. Porque o Streamliner Flyback Chronograph Automatic inclui o mais recente desenvolvimento do laureado calibre AgenGraphe, o tal que equipou o cronógrafo Track 1 da Singer Reimagined que colecionou prémios nos últimos dois anos e que foi idealizado pelo mestre Jean-Marc Wiederrecht no seu atelier AgenHor de especialidades mecânicas. Na sua primeira versão (usada no Track 1 da Singer Reimagined e no Visionnaire da Fabergé), o movimento AgenGraphe de embraiagem horizontal dá todo o protagonismo à vertente cronográfica: os ponteiros das horas, dos minutos e dos segundos com eixo central pertencem ao cronógrafo, não estão lá para dar o tempo (embora seja possível utilizar um subterfúgio para isso: accionar o cronógrafo a partir da meia-noite ou meio-dia e utilizar os ponteiros cronográficos como ponteiros ‘normais’); a indicação das horas e dos minutos é fornecida através de dois discos na periferia. No Streamliner Flyback Chronograph Automatic, o AgenGraphe surge transformado em calibre HMC 902 com uma alteração significativa: as horas e os minutos deixam de ser indicados em discos para passarem a ter ponteiros tradicionais de eixo central; no que diz respeito à vertente da cronometragem, desaparece o ponteiro das horas e ficam apenas os ponteiros cronográficos dos minutos e dos segundos ao centro, com o ineditismo suplementar de serem ambos de retorno instantâneo (flyback).

O calibre HMC, derivado do AgenGraphe © H. Moser & Cie
O fascinante universo mecânico do calibre HMC 902, derivado do AgenGraphe © H. Moser & Cie

No total, o calibre HMC 902 desenvolvido com a AgenHor tem 434 componentes, 55 rubis e um mínimo de 54 horas de autonomia — sendo que uma vista de olhos pela sua magnificência mecânica através do fundo transparente em vidro de safira é enganadora: não se trata de um movimento de corda manual, mas de corda automática; o rotor bidirecional em tungsténio não está à mostra porque foi colocado entre o calibre e o mostrador precisamente para não tapar tão fascinante universo mecânico. E com a valência suplementar de o cronógrafo poder ser utilizado debaixo de água!

Meia luz: a elevação do vidro tipo Glassbox em destaque e a luminescência dos ponteiros das horas e dos minutos © H. Mozer & Cie
Meia luz: a elevação do vidro tipo Glassbox em destaque e os blocos luminescentes nos ponteiros das horas e dos minutos © H. Mozer & Cie

A caixa de 42,3mm de diâmetro por 14,2mm de espessura tem o que se apelida de ‘estanqueidade dinâmica’ até 120 metros: os ponteiros da função cronográfica (às 10 e às 2 horas) podem ser ativados subaquaticamente. A coroa ‘normal’ para acerto do tempo fica localizada às 4 horas. O vidro de safira é bombeado, do tipo Glassbox. E a bracelete assume linhas que prolongam as curvas da caixa. Trata-se de uma bracelete de conceção pouco comum e extremamente complexa, de visual fluído graças às suas ondas e a um acabamento de superfície que alterna o escovado vertical com o polido no interior dos elos que acentua o tal caráter Streamliner presente nos comboios rápidos dos anos 20 a 50 e ainda de vários bólides que tiveram esse mesmo nome, como um célebre coupé da Mercedes.

Carruagem de combóio Streamliner © DR
Carruagem de comboio Streamliner © DR
O Mercedes-Benz-540K-Streamliner de 1938 © DR
O Mercedes-Benz 540K Streamliner de 1938 © DR

O mostrador também é novo, embora com a caraterística dégradé que é tão típica da H. Moser & Cie. A cor é inédita entre os muitos mostradores fumados da marca: um cinzento antracite com nuances horizontais. Na orla, a minuteria interior assinala os minutos e a minuteria exterior em xadrez racing serve de escala para os segundos, com a escala taquimétrica discretamente colocada na orla em réhaut. Em vez dos algarismos das 12 horas, o 60 sobredimensionado que pontifica no topo do mostrador dá importância extra ao cronógrafo e inspira-se precisamente nos cronógrafos de mão dos anos 60 e 70. Os ponteiros cronográficos são finos e de tons diferentes: o vermelho para os segundos e um metálico rodinado para os minutos. E os ponteiros ‘seringa’ das horas e dos minutos assumem uma forma tridimensional em duas partes, com lomngilíneos blocos luminescentes de Globolight — um material inovador à base de cerâmica com Superluminova que até agora nunca tinha sido utilizado em ponteiros.

A indicação dos minutos surge em grande destaque no mostrador © H. Moser & Cie
A indicação dos minutos surge destacada em detrimento das horas no mostrador fumé raiado © H. Moser & Cie

Primeiras impressões

© Miguel Seabra/Espiral do Tempo
Excelente adaptação ao pulso © Miguel Seabra/Espiral do Tempo

Enquanto fã tanto da arquitetura relojoeira dos anos 70 como das caraterísticas técnicas do calibre cronográfico AgenGraphe desenvolvido pelo meu amigo Jean-Marc Wiederrecht, só poderia ter ficado completamente rendido ao novo instrumento do tempo assinado pela H. Moser & Cie — que é um cocktail de códigos estéticos modernistas do século XX dotado da mais desenvolvida micromecânica do século XXI. Sendo eu assumidamente um chrono guy, muitas das restantes caraterísticas batem certo com tantas outras preferências minhas: caixa de forma, mostrador dégradé e até uma bracelete que de algum modo é reminiscente do relógio que eu gostava de ter nos anos 80 (o Sport Classic da Ebel). O diâmetro é enganador porque a arquitetura integrada — sem as asas tradicionais — faz com que assente em pulsos médios e pequenos bem melhor do que os 42,3mm indicados poderiam fazer supor. E o primeiro contacto foi também muito agradável no plano táctil devido às suas formas orgânicas e curvilíneas. Um produto holístico de grande originalidade que também é de grande exclusividade, uma vez que tem uma tiragem limitada a somente 100 exemplares e preço condizente um pouco abaixo dos 40 mil euros; logo se verá se haverá novas variantes com o movimento HMC 902 baseado no AgenGraphe, mas é certo que o Streamliner Flyback Chronograph Automatic constitui o ponto de partida para uma nova linha no catálogo da H. Moser & Cie.

Características Técnicas

H. Moser & Cie
Streamliner Flyback Chronograph Automatic
Edição limitada a 100 exemplares.

Referência/ 6902-1200
Movimento/ Mecânico de corda automática, Calibre HMC 902 desenvolvido com a AgenHor para a H. Moser & Cie, mínimo 54 horas de reserva de corda, 21.600 alt./h., 55 rubis.
Funções/ Horas, minutos, cronógrafo com indicação central para os minutos e segundos decorridos, cronógrafo flyback.
Caixa ∅ 42,3 mm/ Aço. Vidro de safira. Fundo transparente com“Limited 100PCS” gravado. Coroa de rosca às 4 horas. Estanque até 120 metros (permite que a função cronógrafo e flyback sejam usadas debaixo de água).
Bracelete/ Integrada de aço com fecho de báscula.
Preço/ € 38.000

Orgânico e original: o Streamliner Flyback Chronograph Automatic © H. Moser & Cie

Outras leituras