Na ponta norte da Suíça e longe dos principais centros relojoeiros fica localizada Schaffhausen, uma pitoresca cidade que vale a pena visitar. E nós fomos visitá-la com um Portugieser da IWC no pulso.
Miguel Seabra, em Schaffhausen
Já se sabe que a Suíça é mesmo a pátria da relojoaria de luxo, sucedendo há já uns dois bons séculos à Inglaterra e à França enquanto ponta de lança da indústria — sendo apenas rivalizada por pequenos focos de produção na Alemanha, no Japão e em Inglaterra. Os tradicionais centros da relojoaria helvética ficam localizados num corredor decrescente que sobe desde uma base mais alargada em Genebra, na zona francófona da Confederação Helvética (com especial peso em Genebra, Vallée de Joux, Fleurier, La Chaux-de-Fonds e Le Locle na zona do Jura), até Zurique, na zona germânica (Biel, Solothurn, Holstein). Mas, ainda mais a norte ainda e mesmo junto à fronteira com a Alemanha, fica a cidade de Schaffhausen… e é lá que está sediada a IWC.

A IWC, acrónimo de International Watch Company, é uma firma muito peculiar. Tem nome de batismo inglês porque foi fundada em 1868 por um americano, Florentine Ariosto Jones, mas é a mais germânica das companhias relojoeiras suíças pelo mindset e atualmente até tem um CEO que é precisamente alemão; para além disso, uma das suas linhas bestseller chama-se Portugieser (o Portugieser Eternal Calendar foi mesmo o melhor relógio de 2024) e foi inspirada por comerciantes portugueses na década de 30, tendo também no seu catálogo linhas de nome italiano como a Portofino e a Da Vinci. É também uma das principais marcas da relojoaria de prestígio e o orgulho de Schaffhausen, sendo responsável por muitas das visitas ao local.

Na perspetiva relojoeira, a sede histórica da IWC (que inclui uma boutique e o museu) e a nova manufatura (o Manufakturzentrum, inaugurado em 2018 e que dista alguns quilómetros) são obviamente focos de interesse turístico. Mas a própria cidade é tão pitoresca e interessante que vale a pena visitar por si só. Porque é um excelente exemplo dos burgos medievais da velha Europa e está excelentemente preservada — e foi o que fizemos, adequadamente acompanhados de uma edição especial do Portugieser no pulso: o Ref. 5454-04 lançado em 2008 no âmbito das comemorações dos 140 anos da IWC, dotado de um Calibre 98295 (inspirado nos movimentos Jones de relógios de bolso) e com um mostrador preto de submostrador branco para os pequenos segundos.
A cidade
Schaffhausen (que também tem as designações Schaffhouse em francês e Sciaffusa em italiano devido à multiplicidade de línguas oficiais na Confederação Helvética) é a capital do cantão de mesmo nome e apresenta uma população que está a caminho dos 40.000 habitantes (sendo quase 30% estrangeiros residentes).

Fica localizada nas margens do Alto Reno, sendo uma das quatro cidades suíças situadas no lado norte do rio Reno, juntamente com Neuhausen am Rheinfall (onde estão localizadas a H. Moser & Cie e a Hautlence), Neunkirch e Stein am Rhein. A língua oficial de Schaffhausen é o alemão, mas a principal língua falada é a variante local do dialeto suíço-alemão… que nem sempre é compreensível para os germanófilos puros.

O peso teutónico é evidente e a cidade assemelha-se, no que diz respeito ao ambiente, a muitas outras do norte da Suíça (sendo as maiores Zurique, Basileia, Berna e Lucerna, todas elas banhadas por lagos ou pelo Reno) ou do sul da Alemanha; tem um charme muito especial e o centro histórico possui muitos edifícios bem preservados da era renascentista que são decorados com frescos e esculturas externas ou mesmo peculiares varandins, havendo também a destacar uma antiga fortaleza do cantão (Fortaleza Munot) acima do centro histórico.

As origens de Schaffhausen remontam ao virar do primeiro milénio, sendo mencionada pela primeira vez em 1045 como Villa Scafhusun — havendo duas teorias sobre a origem do nome, uma relacionada com a menção de um ‘vau’ através do Reno (pode referir-se a uma scapha ou esquife que era usado para desembarcar mercadorias vindas de Constança para transportá-las ao redor das Cataratas do Reno) e outra com origem em Schaf (ovelha, que formava o antigo brasão da cidade derivado dos Condes de Nellenburg).
A história
Há registos de que Schaffhausen cunhou as suas próprias moedas a partir de 1045, o que fez da localidade uma cidade-estado. Os condes de Nellenburg, que fundaram o burgo, estabeleceram no local o mosteiro beneditino de Todos os Santos, que se tornou no centro do burgo — que se tornou uma cidade livre imperial por volta de 1200. Em 1330, o imperador Luís da Baviera prometeu a cidade aos Habsburgo, que mandaram nela até ao início do século XV. Entretanto, várias convulsões religiosas marcaram a história local até que Schaffhausen conseguiu comprar a sua independência dos Habsburgos em 1418, aliando-se a seis confederados suíços em 1454 e a outros dois (Uri e Unterwalden) em 1479, e depois integrando a Antiga Confederação Suíça a partir de 1501.

Seguiu-se um período conturbado. A cidade foi severamente danificada durante a Guerra dos Trinta Anos pela passagem de tropas suecas (protestantes) e bávaras (católicas romanas); a ponte, fundamental para a ligação entre as duas margens, foi incendiada. Somente no início do século XIX o desenvolvimento industrial da cidade foi retomado.

A meio do século passado, um duro revés: no dia 1 de abril de 1944, Schaffhausen sofreu um bombardeio aéreo por parte da Força Aérea do dos Estados Unidos — que se desviaram do espaço aéreo alemão para a Suíça neutra devido a erros de navegação. Um total de 40 civis morreram e o presidente Franklin Delano Roosevelt enviou uma carta pessoal de desculpas, juntamente com quatro milhões de dólares em reparações.

A ferrovia chegou em 1857 e a estação de Schaffhausen tornou-se um entroncamento de linhas ferroviárias suíças e alemãs; uma das linhas conecta a cidade com as vizinhas Cataratas do Reno, em Neuhausen am Rheinfall — trata-se da maior catarata da Europa e uma atração turística da região que é particularmente popular pela sua espetacularidade fluvial.

O aeroporto mais próximo é o de Zurique, que dista 52 quilómetros (cerca de 35/40 minutos de carro) de Schaffhausen através da via rápida A4. Já agora: para quem é apreciador, a área circundante é de grande pendor vinícula e a variedade Pinot Noir é uma especialidade da zona.
Arquitetura
Existem 35 edifícios ou locais em Schaffhausen que estão listados como património de importância nacional. Isso inclui todo o centro histórico de Schaffhausen, as muralhas da cidade, a fábrica Giesserei+GF+Werk I, os arquivos municipais e cantonais, a caverna paleolítica de Schweizersbild e os assentamentos neolíticos de Herblingen e Grüthalde. Para além disso, existem quatro antigas casas de guilda e sete casas tombadas. Há apenas dois edifícios religiosos de relevo: a antiga Abadia Beneditina de Todos os Santos e a Igreja de São João.

No plano industrial, Schaffhausen abriga algumas reputadas empresas — a começar pela IWC, com o seu edifício histórico que lhe serve de quartel-general e a nova manufatura inaugurada em 2018. Há também a Georg Fischer (sistemas de tubagem, máquinas-ferramentas e automóveis), a Cilag e a BB Biotech na indústria farmacêutica/biotecnologia.

No plano relojoeiro, a localidade vizinha de Neuhausen am Rheinfall ganhou relevância com o restabelecimento da H. Moser & Cie (existe mesmo um museu dedicado a Heinrich Moser) e a aquisição da Hautlence por parte do mesmo grupo — que integra no mesmo edifício a Precision Engineering, empresa parente que confeciona espirais e sistemas de escape para muitas marcas de alta-relojoaria. Neuhausen am Rheinfall fica a 3km a sul de Schaffhausen e está colada às Cataratas do Reno (em alemão: Rheinfall), a maior cachoeira da Europa continental — com 150m de largura e 23m de altura.

Foi precisamente a força hidráulica que, numa perspetiva energética, levou o americano Florentine Ariosto Jones a escolher a zona para estabelecer a International Watch Company. A procura de relógios nos Estados Unidos estava em crescendo, mas não havia relojoeiros locais que dessem conta do recado; daí ter ido para a Suíça e quis estabelecer a sua marca num sítio onde pudesse contratar mão de obra especializada e acessível, para além de estar ao lado de uma estação de comboios e perto de um rio que garantisse energia hidráulica para um gerador capaz de proporcionar eletricidade à manufatura.

E na edição do ano passado do Grand Prix d’Horlogerie de Genève o cantão de Schaffhausen esteve em particular destaque, com a IWC a ganhar o prémio máximo e a H. Moser & Cie a arrecadar uma das categorias (‘Time Only’). Ou seja, uma zona da Suíça que vale a pena visitar pelo background medieval, vinhos de qualidade e valor relojoeiro. Aconselhamos!