Ainda em retrospetiva, 2024 foi o ano em que as micromarcas se afirmaram definitivamente como um player significativo no mercado relojoeiro. Aqui ficam os destaques obrigatórios.
O que é uma micromarca? O conceito é algo lato e há muitas vezes a tendência de meter lá dentro tudo e mais alguma coisa. Mas a definição não é tão difícil de encontrar: trata-se de uma marca relojoeira de pequena escala que frequentemente é apenas reconhecida por aficionados atentos e comunidades de nicho. Começaram a nascer em meados dos anos 2000 e o advento da internet não só lhes permitiu ganhar divulgação como distribuir relógios diretamente aos consumidores através do comércio eletrónico — sem assumir as despesas gerais normalmente associadas às marcas tradicionais. Na esmagadora maioria dos casos, são fundadas por colecionadores ou entusiastas alimentados pela paixão relojoeira com elevado grau de proximidade do seu público. Com produção entre a Suíça e a Ásia (China, Japão), as micromarcas são frequentemente caraterizadas pelo staff reduzido ao mínimo, tiragens limitadas e estilos destinados a conhecedores. Resultado? Os preços são geralmente mais baixos, mesmo que o valor vá desde as algumas centenas até aos vários milhares.
2024 foi o ano em que as micromarcas reforçaram o seu espaço no mercado — de tal modo que várias delas já nem deveriam ser catalogadas como tal, com o crescer do seu staff e o aumentar da produção para a casa dos muitos milhares de exemplares. Como a Baltic ou a Furlan Marri, que também abraçaram segmentos de preço mais elevados. E a Studio Underd0g não anda longe disso. Descartando esses três exemplos, o novo Serica Parade dissecado à parte e também o caso especial dos Dennison de quartzo por nós já abordados anteriormente, aqui ficam alguns dos principais destaques de 2024:
Revelação
Apresentado como um tool watch que não parece muito tool e sob a chancela ‘Go Anywhere, Do Anything’, o VPC Type 37HW marcou a estreia da marca VPC (Venustas Per Constantiam, latim para ‘beleza via restrição’) com grande aclamação da crítica especializada. Foi fundada por Thomas van Straaten, jornalista do site Fratello Watches. Desenhado por Max Resnick, o Type 37HW tem uma caixa de aço com 37,5mm de diâmetro por 9,8mm de espessura e é estanque a 120 metros. O mostrador apresenta uma textura frosted e os índices são feitos por blocos luminescentes. O movimento escolhido foi o Calibre SW216-1 da Sellita com acabamento top grade e certificação do COSC. A bracelete também está muito bem elaborada e o fecho é dotado de microajuste. O primeiro lançamento é de 300 unidades para cada um dos três mostradores: Delft Blue, Dove Grey e Forest Green. Preço: 2.479 euros.
Fundada pelo designer italiano Nicola Callegaro, a Echo/Neutra não é uma micromarca nova — mas ganhou um novo reconhecimento em 2024 com o lançamento do Rivanera, um relógio retangular que vem bater na tendência mais dressy que se tem verificado nos últimos tempos… embora com um diferente estilo de sofisticação urbana devido à caixa acinzentada em titânio e a interpretação moderna da corrente Art Deco no mostrador. As duas versões (de mostrador preto ou cinzento) são alimentadas pelo Calibre ETA 7001 de corda manual e estão à venda por 1.490 euros.
Integração
Quando o Cubitus da Patek Philippe foi revelado ao mundo, houve muita gente a trazer à baila o Mannhattan da Maen — uma micromarca fundada em 2017 pelos neerlandeses Sebastiaan Cortjaens e Jules van Helvoort (Maen significa lua em velho holandês e é o símbolo do tempo). Com o seu design integrado, o Manhattan é assumidamente inspirado pelos relógios desportivos de luxo da década de 70 e, consequentemente, pelo Nautilus e pelo Royal Oak… mas com uma personalidade geométrica muito própria e bons acabamentos.
O Manhattan de 37mm está alimentado pelo Calibre SW200 de corda automática da Sellita e é comercializado por 899 euros. O Manhattan Ultra Thin 39 é motorizado pelo Calibre ETA 7001 de corda manual. O novo e maior Manhattan 40 também usa o SW200 e está disponível num preço early bird de 849 euros, havendo uma edição limitada com mostrador de jade a 1.249 euros. Mas a melhor edição limitada foi mesmo o Manhattan Graffiti, com um mostrador grafitado à mão com menção aos bairros de Nova Iorque.
Portugalidade
A Isotope é uma micromarca bem conhecida da comunidade relojoeira lusa, uma vez que foi fundada em Londres pelo português José Mendes Miranda e já lançou duas edições limitadas em parceria com a Espiral do Tempo — o Old Radium Portugal/UK 650 em 2023, comemorativo da histórica aliança luso-britânica, e o Old Radium Bronze ‘Black Ink’ em 2024, com um evento de apresentação no mês de março.
Ainda há alguns exemplares disponíveis de cada uma dessas duas edições, pelo que vale a pena aproveitar antes que seja tarde demais. Mas a linha Old Radium já fazia parte da coleção. As principais novidades no catálogo da Isotope em 2024 foram a estreia das linhas Mercury e MoonShot.
O Mercury arrancou com um modelo em colaboração com a revista Revolution (2.450 euros) dotado de um mostrador completamente espelhado, prosseguiu com o Mercury Shadow dotado de um mostrador cinza de acabamento vertical (2.645 euros) e conta ainda com a edição especial Mercury Marquetry ( 4.925 euros) de mostrador exótico baseado na técnica da marqueteria (no caso, marqueteria de palha elaborada por Bernardo d’Orey).
Já o Chronograph MoonShot é o primeiro cronógrafo da marca e apresenta uma interessante estrutura integrada em titânio e indicação inédita do tempo via discos rotativos nos submostradores; para já, está disponível nas versões Stealth e Terra Maris.
Nota suplementar para a Escudo, também fundada em Inglaterra com forte influência lusa. Para além de mais algumas versões do seu Ocean Seacrest, apresentou uma nova bracelete em aço muito apelativa.
Surpresa
A Venezianico foi fundada no final de 2017 pelos irmãos Alberto e Alessandro Morelli em San Donà di Piave, a 30 quilómetros de Veneza — com a intenção de capturar em relógios o espírito da cidade das gôndolas (o símbolo é uma cruz renascentista na velha torre do relógio da Praça de São Marcos). A coleção é composta por quatro linhas — Arsenale, Bucintoro, Nereide, Redentore — e a principal surpresa reside precisamente na Arsenale, uma inesperadamente excelente interpretação do design integrado inspirado nos desportivos de luxo dos anos 70 que ultimamente tem sido tão popular.
Inspirado no estaleiro protoindustrial Arsenale que produziu barcos em Veneza a partir do século XII, o relógio do mesmo nome apresenta-se muito bem equilibrado, com muito bons acabamentos e preciosos elementos decorativos. O Arsenale 40 está atualmente disponível em três cores com bracelete de aço (púrpura, azul e cinzento: 800 euros) e numa versão Ultrablack com mostrador Musou Black (absorve 99,4% da luz) e bracelete em cauchu (800 euros) ou em aço (900 euros). O movimento escolhido é o Miyota 9029 automático.
Assimetria
Uma clara tendência do ano de 2024 na relojoaria foi o gosto acentuado por execuções assimétricas, por vezes com uma pitada fortemente kitsch.
A parceria Toledano & Chan esteve em particular evidência graças ao B/1, inspirado no King Midas assimétrico e de design integrado que um certo Gerald Genta desenhou para a Rolex na década de 60. E na arquitetura brutalista. A execução é boa e o relógio apresenta-se mesmo apelativo, até porque teve por trás da sua criação os colecionador Phillip Toledano e Alfred Chan. É um excelente exemplo de adaptação com gosto de um estilo kitsch que até recentemente não era propriamente elogiado pelos estetas e vem equipado com um mostrador de pedra semipreciosa (lápis lazúli) que está muito a gosto das novas gerações. Motorizado pelo Calibre SW100 automático da Sellita, vale 3.955 euros e a primeira série esgotou rapidamente.
A Anoma é outra marca recente que procura a originalidade — e o nome indica essa mesma predisposição, já que Anoma é a versão curta de… ‘anomalia’. Inspira-se nas esculturas modernistas de Constantin Brâncusi e nos edifícios ondulantes do arquiteto Oscar Niemayer. O diretor criativo, Matteo Violet-Vianello, trabalhou na Sotheby’s e na plataforma relojoeira A Collected Man. E o primeiro relógio da marca, o A1, apresenta elementos de estilo que se podem encontrar tanto nos anos 60 como na década de 70, sendo assumidamente inspirado numa mesa criada por Charlotte Perriand nos anos 50. Ou seja, três décadas personificadas num modelo declaradamente assimétrico alimentado pelo Calibre SW100 automático da Sellita. À venda por 1.300 libras, a primeira série encontra-se esgotada.
Militar
A Micromilspec é uma marca norueguesa que desenvolve robustas edições customizadas em colaboração com unidades militares — e o apelo tool watch conjugado com esse espírito militar num design integrado seduziu muita gente em 2024, sobretudo graças ao Milgraph. O primeiro cronógrafo da Micromilspec apresenta uma apelativa aura de aventura e destaca-se pela coroa e botões à esquerda, embora não sendo obrigatoriamente pensado para canhotos (é mais para não arranhar o pulso em atividades mais radicais).
Esculpido em titânio e com um visual escurecido, inclui um ponteiro GMT adicional para segundo fuso horário e é alimentado por pelo Calibre LJP L121 ‘Soignée’ de corda automática e roda de colunas da La Joux-Perret. A produção é limitada: apenas 50 por ano, a 3.500 euros por unidade.
