Uma conversa no Château Monestier La Tour com Karl-Friedrich Scheufele sobre a Chopard e as afinidades da alta-relojoaria com viaturas clássicas e vinhos de exceção.
Karl-Friedrich Scheufele, copresidente da Chopard com a sua irmã Caroline, acolheu um pequeno grupo de jornalistas na sua propriedade vinícola na região de Bergerac, na Dordonha francesa — o Château Monestier La Tour, rodeado por vinhas. Aproveitou para, na companhia do filho Karl-Fritz, apresentar o seu projeto de viticultura e algumas novidades relojoeiras, como o L.U.C 1860 Flying Tourbillon e as versões L.U.C Quattro Spirit Year of the Dragon. Para além de reapresentar alguns modelos lançados anteriormente na primeira metade do ano (destacando-se o L.U.C Spirit 25 de mostrador Grand Feu preto) e de introduzir outros sob embargo que só serão publicamente conhecidos em janeiro de 2025 (teaser: serão complicados!).
Mas houve mais. O grupo teve a oportunidade de passear em algumas das mais famosas viaturas clássicas do século XX num passeio entre o Château Monestier La Tour e o Château de Montbazillac. A Chopard está intimamente associada ao mundo das viaturas clássicas, tendo sobretudo o estatuto de official timekeeper da Mille Miglia desde o final da década de 80 num patrocínio inovador para a altura. Sendo Karl-Friedrich Scheufele um colecionador, foi natural que o evento tivesse esse toque automobilístico suplementar.
O Château Monestier La Tour remonta ao XIII século e fica localizado entre Saussignac e Bergerac, na zona do Périgord pertencente à província da Dordonha, no sudoeste da França. A família Scheufele (que já tinha criado a Galerie des Arts du Vin em Genebra, em 1996) adquiriu a propriedade em 2012, 20 anos depois de Karl-Friedrich e a mulher Christine terem visitado a área durante a lua de mel. Numa dúzia de anos, a cultura do vinho foi restruturada de maneira orgânica e biodinâmica, estabeleceu-se um herbanário e três vinhas foram expandidas num espaço de 31 hectares. Sob a marca Château Monestier La Tour, são produzidos vinhos Bergerac tinto, branco e rosé; Côtes de Bergerac tinto; e Saussignac branco, entre as variedades Merlot, Cabernet, Malbec, Sémillon, Sauvignon Blanc, Muscadelle e Chardonnay.
Para além disso, foi igualmente possível assistir a um extraordinário concerto do violoncelista Gautier Capuçon, acompanhado do pianista Jérôme Ducros, numa igreja da região. Gautier, tal como o seu irmão Renaud, são amigos pessoais da família Scheufele e embaixadores Chopard — e participaram no projeto do Full Strike e do Strike One, testando a qualidade sonora dos modelos de complicações acústicas da marca.
Na despedida, houve um jantar final privado na casa Scheufele no Château Monestier La Tour, confecionado por três Chefs Michelin expressamente vindos de outras paragens para o efeito. Ou seja, foi uma experiência completa bem à moda da Chopard: genuína, discreta, com classe e conteúdo. Durante o séjour, aproveitámos para entrevistar Karl-Friedrich Scheufele — que, entretanto, recolheu mais dois troféus do Grand Prix d’Horlogerie de Genève para a Chopard.
Relógios, carros antigos e vinho de qualidade. Os relógios e os carros são engenharia, um produto quase científico baseado em cálculos matemáticos; a produção de vinho depende de alguns fatores aleatórios, como o clima. Como compara as três áreas?
Todos os carros modernos estão carregados de componentes eletrónicos e agora são totalmente elétricos, pelo que já não são inspiradores para mim — mas certamente que os carros antigos são, porque é uma mecânica que posso entender, com a qual me posso identificar e gosto da combinação também entre as soluções técnicas encontradas e o design. Acho que nos carros de hoje o design subjacente é técnico, é apenas prático, racional, não é realmente feito para agradar aos olhos ou não tem muita emoção. Um carro antigo é algo de emocional e um relógio mecânico também. Portanto, há uma ligação mecânica estreita e, claro, uma associação perfeita quando se trata de ralis ou de corridas, mas mais nos velhos tempos e não hoje — porque hoje em dia, para mim, correr já não é aquela aventura ou uma prova da competência do piloto. O paralelo com os vinhos, obviamente, é o cheiro, a paixão, a concentração necessária para chegar pacientemente ao objetivo, muita disciplina, é preciso projetarmos no futuro. Quando se planta um vinhedo, como se escolhe o tipo de vinho que vamos plantar? Como ter a certeza de que Merlot é a escolha certa, em vez de Cabernet Franc? Ou algo completamente diferente. Saber-se-á em quatro anos, talvez. É como quando se começa a desenhar um novo movimento. Obviamente que, com as ferramentas de hoje, pode-se fazer muita projeção, tornar os processos mais rápidos e a fabricação é mais rápida.
Mas mesmo assim é preciso fazê-lo para ter certeza de que realmente funciona. E temos a sensação de que é um bom produto somente depois de cinco ou seis anos no mercado. Acredito em que só se deve introduzir um novo produto ou um novo movimento uma vez que os testes estão completamente concluídos. Não quero que sejam os nossos clientes a testá-los. E isso leva tempo. É como o vinho; são precisos cinco anos para descobrir se a vinha que se plantou tem a uva certa. O relógio mecânico é um objeto muito pessoal, assim como as joias. As joias não têm absolutamente nenhuma função a não ser serem bonitas ou ter valor emocional. Eu colocaria um relógio mecânico na mesma categoria porque oferece muito valor emocional ou sentimental. Não conheço nenhum outro objeto que você possa usar e que queira guardar ou colecionar. Um carro clássico é muito complicado de se manter a funcionar convenientemente e, claro, no futuro, pode não haver combustível, etc. Um relógio é um objeto que tem grandes chances de sobreviver por muitos mais anos.
O lema do Château Monestier La Tour é ‘O que é feito com tempo, o tempo vai respeitar’. Quando inaugurou a Manufatura Chopard, na década de 90, dizia-se então que um novo calibre precisava de cinco anos de conceção para sair para o mercado e dez anos no total para amadurecer, porque era preciso usar os relógios e muitas vezes fazer acertos a partir do feedback. Trinta anos depois, quais as diferenças que vê no processo?
Agora a duração é menor, mas ainda é verdade que é preciso gastar tempo suficiente para testar e acho que nem todos fazem isso. Não quero apontar o dedo, mas é verdade. A relojoaria precisa de tempo para que as coisas saiam bem feitas. Se tivermos em conta o primeiro movimento, o L.U.C 1.96 de microrrotor, por exemplo, demoramos um ano a mais do que planejamos porque descobrimos que o cálculo para a corda do relógio não estava correto e não tínhamos energia de corda suficiente. Então tivemos que voltar à prancheta e ampliar o calibre. Foi a primeira vez para nós e eu não esperava que acontecesse. Foi um grande golpe quando percebi que demoraríamos um ano a mais do que tinha planeado. Depois, acostumei-me aos contratempos ou com a descoberta de que algo que havíamos projetado de uma determinada maneira não era prático na produção. Em casos como esse, é preciso voltar atrás e redesenhar.
Investir na Manufatura Chopard em Fleurier foi uma medida muito corajosa numa época em que uma manufatura integrada não era vista como sendo fundamental. Poucos anos depois e as pessoas já falavam da importância de ter calibres in-house. Ou seja, optou por uma manufatura antes que essa tendência se estabelecesse. Olhando para trás, foi uma aposta visionária e um grande investimento. Na altura, teve a certeza absoluta ou estava com algumas dúvidas?
Acho que se temos a certeza de alguma coisa, é quando nos devemos questionar ainda mais. Eu não tinha a certeza. Quer dizer, eu estava confiante de que seria a coisa certa a fazer. Mas se tinha a certeza? Não, não tinha certezas. Mas depois de analisar a situação, pensei que se quiséssemos fazer relógios autênticos e com os nossos próprios movimentos, não havia outro caminho senão a manufatura. O design segue o propósito do relógio e dos clientes que temos em mente com a coleção. Mas buscamos a qualidade da mesma forma em tudo o que fazemos, independentemente do relógio. E a linha L.U.C ensinou-nos muito sobre como abordar projetos e alcançar a excelência técnica. Devido às certificações, aplicamos coisas que não aplicamos a outros produtos. Vários relógios Chopard utilizam movimentos internos, que não existiriam se não tivéssemos os calibres L.U.C. E teria sido impensável lançar a marca Ferdinand Berthoud sem o conhecimento completo que acumulamos do L.U.C.
Porque decidiu ter a vossa própria manufatura integrada, sendo que a história da relojoaria suíça até é mais assente na rede de fornecedores? Sentiu que não queria depender de fornecedores?
Na altura ainda era tudo muito tranquilo. Podia-se obter movimentos de diferentes empresas e fornecedores sem quaisquer restrições ou grandes problemas. Mas tinha a certeza de que isso não iria durar. Se eu sabia mais do que os outros? Não tenho a certeza. Mas tinha a certeza de que as coisas mudariam. E podemos voltar aos carros: também tinha certeza de que preferiria dirigir um carro cujo motor fosse fabricado pela empresa que assinou o carro, não quereria ter um Porsche com motor Volkswagen. É uma questão de pureza, autenticidade, principalmente quando você se paga um certo preço por algo. E naquela época, ou talvez um pouco mais tarde, o grupo Volkswagen assumiu o controle da Bentley e era possível encontrar peças Audi num Bentley. Os alemães e os britânicos misturaram-se. Como sucede com a Lamborghini agora. Quer dizer, eu realmente diverti-me dirigindo o meu Audi na época com um motor de 10 cilindros, o motor Lamborghini, mas de certa forma esse tipo de situação não fazia muito sentido para mim. Então eu realmente quis ter a certeza de que, quando alguém comprasse um relógio L.U.C, ele teria de ter o nosso próprio movimento.
E quem é o comprador dos relógios L.U.C? Consegue estabelecer um perfil aproximado do cliente típico?
Acho que o comprador dos relógios L.U.C é certamente alguém que sabe o que está lá dentro. Não compra um L.U.C porque todos os seus amigos vão ver imediatamente quanto gastou no relógio, mas os conhecedores vão reconhecer imediatamente essa faceta mais discreta, tranquila, que se preocupa com o conteúdo, com a qualidade técnica. E ultimamente percebemos que muitos compradores dos relógios L.U.C são, na verdade, colecionadores relativamente jovens. Começou a sentir-se isso mais de há dois, três anos para cá e a tendência está a crescer. Há compradores mais jovens que não querem comprar as marcas mais estabelecidas e não querem gastar grandes quantias, mas reconhecem o que temos feito nos últimos 10 anos. Por exemplo, são loucos pelo L.U.C 1860, introduzimos um modelo em aço com mostrador salmão no ano passado e não conseguimos produzir o suficiente. É uma situação interessante. E os compradores desses relógios são, em sua maioria, jovens colecionadores. como o meu filho, a nova geração. É uma situação maravilhosa, porque a nossa responsabilidade é saber levar a relojoaria mecânica para a próxima geração.
Sobre os novos modelos introduzidos no outono, qual é a sua impressão pessoal sobre eles?
O modelo principal é uma interpretação do L.U.C 1860 original com turbilhão voador. Decidimos fazer somente 10 peças, uma pequena série. Com um diâmetro de 36,5mm e em ouro amarelo — um tom e um tamanho que estão realmente a ganhar tração entre as gerações mais jovens. E isso é muito encorajador. Portanto, creio que este tamanho e este tipo de relógio va avoir une deuxième jeunesse. como se diz em francês. E realmente tornou-se num clássico da nossa coleção. Também por causa do movimento. Sentimos a necessidade de termos aqui uma complicação bonita que precisava de uma reinterpretação em termos de caixa, em termos de tamanho. Acho que estamos num período em que veremos os relógios a tornarem-se mais pequenos na medida do possível, porque nem todos têm a sorte de dispor de movimentos que cabem em caixas mais pequenas e produzir calibres de menores dimensões é muito mais complicado.
Depois temos os modelos de artes e ofícios dedicados ao Ano do Dragão, nos quais o mostrador é extremamente importante — entre uma interpretação artística de contar o tempo, dando-lhe informações de forma razoável, com boa visibilidade, mas também de forma artisticamente agradável. É um objeto funcional, apresentado de forma artística. No qual o lado artístico realmente supera o lado funcional. O desenho dos mostradores foi feito internamente e a esmaltação foi feita internamente.
Numa entrevista em Lisboa, em 2010, disse-nos que não sabia se o seu filho seguiria a profissão da família. 14 anos depois, estivemos com o Karl-Fritz em Lisboa e vêmo-lo completamente imerso nos negócios de família, sabendo um pouco de tudo — relógios, vinhos, hotelaria. Parece estar pronto para ser um excelente sucessor. Como avalia a importância crescente dele para a empresa?
Bem, o primeiro projeto em que foi realmente responsável foi a reabertura do nosso hotel em Paris, o Hotel 1, Place Vendôme. E no edifício do hotel tínhamos uma boutique Chopard, que acabou por ser a razão pela qual comprámos o hotel. Que foi reaberto. O Karl-Fritz está de volta a Genebra e agora ele realmente tem tempo para trabalhar mais connosco e viajará bastante nos próximos dois, três meses para ver os nossos parceiros por esse mundo fora e compreender melhor o mercado, principalmente no Extremo Oriente, porque ainda não esteve no Japão e em Hong Kong. Acho que tem a mentalidade certa para se juntar a nós. A irmã mais velha também trabalha na empresa, no departamento de desenvolvimento de produto.
A última pergunta é mais técnica e diz respeito ao futuro e ao que se pode fazer com os calibres L.U.C. Há um relógio L.U.C. verdadeiramente especial, o L.U.C Tonneau, e os relógios de forma estão a regressar em força…
O que pretendo fazer é revisitar a nossa coleção de movimentos e reinterpretá-los com novas abordagens, novas caixas. Porque não um novo L.U.C Tonneau com turbilhão volante ou algo do género? Há muito a fazer e seguramente estaremos muito ocupados!