Que tendências e mudanças se esperam para 2024 no universo relojoeiro? Nunca é fácil fazer previsões ou entrar em jogos de adivinhas — mas aqui fica uma perspetiva sobre o que pode acontecer.
Ano novo, vida nova — é o que se costuma dizer. No entanto, a passagem de 31 de dezembro para 1 de janeiro geralmente não implica qualquer mudança radical na vida das pessoas, a não ser que a mudança seja exigida por algum contrato ou promovida por uma qualquer resolução pessoal mais ou menos drástica.
O que se sabe é que 2024 terá um dia a mais por ser um ano bissexto e, por coincidência dos ciclos quadrienais, um ano olímpico que será muito marcado precisamente pelas Olimpíadas de Paris. Espera-se também que fique marcado pelo fim dos dois graves conflitos que têm marcado a atualidade e influenciado a economia mundial, com alguns reflexos negativos no contexto relojoeiro. E é precisamente nesse contexto que lançamos os nossos vaticínios:
Preços
Mal tinha começado o ano e já os aficionados davam conta do aumento no preço dos relógios Rolex, que tem reforçado cada vez mais o seu estatuto de marca líder no mercado do luxo. Ou seja, nesse aspeto nem é preciso vaticinar — já se trata de uma certeza. E, tendo em conta a inflação associada aos conflitos bélicos no leste europeu e no médio oriente, adivinha-se facilmente que todas as marcas façam uma atualização de preços nos seus catálogos de 2024. Resta saber qual a percentagem em cada caso.
Design
O que é demais acaba por cansar e provocar uma reação. Por isso é que as modas são cíclicas. E se os últimos anos ficaram tão marcados pelo regresso em força do design integrado, com praticamente todas as marcas a embarcarem numa tendência que teve muito a ver com a fama e a escassez do Royal Oak da Audemars Piguet e do Nautilus da Patek Philippe, é de esperar que a moda comece a abrandar.
Vai ser interessante perceber como é que marcas que hoje em dia têm uma evidente preponderância do design integrado no seu catálogo, como sucede com a Parmigiani Fleurier e a sua galardoada linha Tonda PF, ou que têm modelos de design integrado como best sellers, como acontece com a Frédérique Constant e a linha High Life, se vão ajustar a essa eventual mudança. Mas não há dúvida de que essa tipologia continua a ter uma clara preponderância nas vendas atuais.
O ressurgimento em força da Cartier também pode empurrar outras marcas e sobretudo os aficionados para os chamados ‘relógios de forma’ — modelos retangulares, quadrados ou tonneau (mas sem bracelete metálica integrada!). Nesse sentido, seria excelente que a A. Lange & Söhne recuperasse o retangular Cabaret para o seu catálogo; o Reverso da Jaeger-LeCoultre, em grande evidência no seu 90.º aniversário em 2022, deverá reforçar o seu estatuto de grande ícone da relojoeria de pulso. Resta saber se outro ícone geométrico, o quadrilátero Monaco da TAG Heuer, beneficiará dessa eventual tendência. Mais e novos relógios de forma precisam-se para uma relojoaria diversificada que contrarie a tirania dos relógios e mostradores redondos — e se possivel com movimentos igualmente de forma para respeitar a grande tradição, e não calibres redondos ajustados a caixas geométricas.
Tamanho
Tem-se visto alguns atores de Hollywood e personalidades públicas usarem relógios muito pequenos e até mesmo de senhora, o que se pode tornar moda num universo relojoeiro que tem muitas das suas protagonistas femininas a clamar pela definitiva abolição da categorização de género nos catálogos. Mas, para além da excentricidade de certos artistas e da vontade que alguns outros têm de chamar a atenção com opções pouco usuais, os diâmetros devem manter-se sobretudo entre os 37 e os 41mm no que diz respeito aos modelos para homem.
Cores e mostradores
Na última meia dúzia de anos, e sobretudo em reação aos sombrios tempos da pandemia, assistiu-se a uma enorme explosão de cor nos mostradores — e até as marcas mais sóbrias e tradicionais acompanharam essa tendência cromática. Nalguns casos, o exagero tem sido demasiado (passe a redundância)!
Mas tal banho psicadélico, que na história da relojoaria de pulso só tem equivalência na revolucionaria década de 70, pode estar em vias de abrandar; no meio de tanta profusão de cores, as marcas vão voltar a apostar num cromatismo mais sóbrio com o regresso aos chamados mostradores básicos: branco (também nas ‘claras’ variantes opalina e prateada), preto e azul. Também a vincada moda dos mostradores fumé nos últimos tempos pode abrandar, precisamente devido à reação aos exageros.
Colaborações
Se há alguns excessos que tendem a abrandar, isso não irá acontecer com a moda das edições colaborativas. Em 2023, associámo-nos à Isotope e à comemoração dos 650 anos da aliança luso-britânica no lançamento do Old Radium Portugal/UK 650 (o primeiro relógio de sempre com a inscrição Espiral do Tempo!) em bronze e o ano acabou com a edição tripartida Furlan Marri x Revolution x Auro Montanari e o anúncio do projeto Kollokium. Para trás ficaram dúzias de relógios colaborativos e em 2024 voltarão a surgir edições limitadas do género… incluindo mais um sob a chancela da Espiral do Tempo, por isso estejam atentos!
Aliás, já há uma edição colaborativa a destacar nestes primeiros dias do novo ano: o Bell & Ross BR 03-92 x Wayne Enterprises x Uncrate, com uma bela versão esqueletizada do BR 03-92 num mostrador em tons acobreados.
Dança das cadeiras
Já se sabia que Henry-John Bennahmias se ria reformar no final de 2023 e dar lugar a Ilaria Resta na liderança da Audemars Piguet, como se sabe que haverá mudanças no topo de várias marcas conhecidas do panorama relojoeiro — por uma questão meramente cíclica, por maus resultados ou por mudança de estratégia de grupo no caso dos conglomerados de luxo. E sabemos de fonte fidedigna, para além de a hipótese já ter sido aventada nalguma imprensa, que Julien ‘Tornado’ Tornare vai deixar a liderança da Zenith para se tornar CEO da TAG Heuer (a marca relojoeira mais conhecida do grupo LVMH) a partir da próxima segunda-feira. O anúncio oficial deverá ser feito até lá.
A vaga na Zenith será preenchida não por alguém do grupo LVMH, mas por um executivo vindo da rival Richemont: Benoit de Clerck, COO da Panerai após ser o responsável da IWC nos Estados Unidos. Frédéric Arnault passa da TAG Heuer para uma outra marca do império pertencente à família e que faz do seu pai Bernard Arnault um dos cinco homens mais ricos do mundo; fala-se no Fashion Group, mas também na Bulgari. O certo é que há alguns CEOs que se aproximam da idade da reforma e Jean-Christophe Babin, excelente na Bulgari depois de o ter sido na TAG Heuer, é um deles. (NOTA DA REDAÇÃO: as mudanças na TAG Heuer e Zenith confirmaram-se no dia a seguir a este artigo; quanto a Frédéric Arnault, passou a ser responsável da divisão relojoeira do grupo LVMH (um posto que antigamente era de Jean-Claude Biver) e supervisionará a gestão dos CEOs da TAG Heuer, Zenith e Hublot.
Sobe e desce
Que marcas vão ganhar cotação, que marcas vão perder élan? Após o anúncio da compra do nome da Universal Genève por parte da Breitling, aguardam-se ansiosamente novidades relacionadas com tão aplaudida ressurreição. Entretanto, começa a ver-se que a Ebel vai recuperando aos poucos — e seria muito interessante que conseguisse, através de uma coleção bem atualizada, recuperar parte do prestígio que a levou a ser uma marca incontornável entre o final da década de 70 e meados dos anos 90.
Noutro plano, é interessante ver o regresso da Ritmo Mundo — o nome é português porque a mulher do fundador Ali Soltani é brasileira — a um bom plano graças ao lançamento iminente do modelo Pegasus, que poderá recuperar para a marca californiana de espírito latino a aura que tinha quando o seu stand impressionava todos em Baselworld nocio do novo milénio.
Mercados Vintage e Paralelo
Tem-se assistido a uma quebra no mercado vintage, ultrapassada a loucura dos preços em leilão no período pós pandemia (2021, 2022). Por outro lado, o aumento de produção da Rolex também ajudou a estancar a folia de preços dos seus modelos no mercado paralelo. Nesse sentido, a bolha especulativa esvaziou-se um pouco nalguns casos e muito noutros. Como sucede quase sempre, o mercado tem o condão de se ajustar — ou autoregular.
Only Watch
O cancelamento e adiamento da edição do Only Watch foi o principal terramoto relojoeiro de 2023 — porque a iniciativa de beneficência tinha-se tornado num evento incontornável da fina-flor relojoeira e um barómetro de mercado que ajudou as marcas independentes a valorizarem-se exponencialmente. Supostamente deveria realizar-se em abril deste ano, mas… neste momento está tudo em aberto e o futuro parece incerto, porque o Príncipe Alberto do Mónaco (que sempre foi um incondicional apoiante da iniciativa de Luc Pettavino) não quer que o Principado e as suas instituições estejam ligadas a situações algo dúbias.
Entretanto, há já algumas movimentações de bastidores para lançar um projeto semelhante — igualmente baseado em peças únicas proporcionadas pelas mais prestigiadas marcas e cujas verbas reverteriam para instituições de caridade. Vai ser interessante ver como é que a comunidade relojoeira e os seus protagonistas vão reagir.
IA
Não se sabe qual a verdadeira influência que a Inteligência Artificial terá na indústria relojoeira em 2024, mas seguramente que estará presente na estratégia dos principais grupos e marcas — teremos de esperar para ver qual o tipo de aplicação nas diversas vertentes da relojoaria. E será interessante acompanhar os debates que se irão realizar em torno do tema na cimeira Luxury at the Summit, que se realiza no próximo mês de abril em Val d’Isère.
Horology Forum
Onde será organizado o Horology Forum de 2024? A cimeira de cultura relojoeira que alterna anualmente com a Dubai Watch Week (os organizadores são os mesmos) realiza-se de modo itinerante em anos pares e teve lugar anteriormente em Londres (2018) e Nova Iorque (2022) — depois de, em 2020, a correspondente edição ter sido realizada online devido à pandemia. Parece importante que seja escolhida uma cidade que tenha uma representação da Christie’s, parceira da organização. Paris é a escolha mais óbvia, mas… porque não Lisboa, que tem um espaço da Christie’s na Avenida da Liberdade? A capital portuguesa está cheia de atrativos para a comunidade relojoeira internacional (como se provou com o P.Day que trouxe a Lisboa aficionados da Panerai de todo o mundo em 2023) e um tal evento seria excelente para promover em Portugal tudo o que tem a ver com a relojoaria tradicional.