Há mais uma marca de alta relojoaria a desdobrar-se na criação de uma marca de preço acessível. Após a MB&F e a MAD Editions, a Grönefeld terá a companhia da Grøne — e outras derivações se vislumbram no horizonte. Medida salutar ou oportunista?
Na história da relojoaria, não é raro que uma marca relojoeira de sucesso dê à luz uma sister company que beneficie da sua fama e forneça garantias de qualidade a um preço mais acessível. O caso mais conhecido é o da Rolex: o fundador Hans Wilsdorf criou a Tudor com os mesmos padrões de qualidade na construção, mas adotando movimentos de fornecedores externos para um preço final assumidamente mais baixo. Também a Girard-Perregaux, nos tempos em que era liderada por Gino Macaluso, passou a receber a companhia da JeanRichard na década de 90 — embora a marca tenha entrado em hibernação há cerca de uma década. Esse tipo de desdobramento tem surgido ultimamente no universo das marcas ditas independentes.
O caso mais recente é o da Grönefeld. Os patuscos irmãos Bart e Tim Grönefeld resolveram lançar a Grøne, com um primeiro modelo a ser posicionado entre os 2.000 e os 3.000 euros. No virulento mundo digital houve logo quem achasse a iniciativa oportunista e uma maneira fácil de fazer dinheiro à sombra da reputada marca Grönefeld, que já ganhou múltiplos galardões no Grand Prix d’Horlogerie de Genève e outros certames do género. É sabido que a internet é uma espécie de Caixa de Pandora que se abre a todo o tipo de opiniões e não é raro formarem-se correntes negativas de gente que comenta à distância sem grande conhecimento de causa. Mas o advento da Grøne só pode ser positivo e as razões por trás da sua criação estão bem para lá do alegado lucro fácil — e são até benignas.
Há já algum tempo que Bart e Tim anunciaram não aceitar mais encomendas de relógios Grönefeld porque a sua produção estava antecipadamente atribuída para os cinco anos seguintes. A Grönefeld é uma marca independente de alta-relojoaria de produção restrita, com a manufatura de calibres próprios e o aturado trabalho decorativo a exigir não só relojoeiros altamente qualificados, como artesãos de primeira água. A alta-relojoaria é exclusiva. E o atelier que os manos holandeses estabeleceram na sua aldeia familiar de Oldenzaal foi pensado para a produção de pequenas quantidades. O GronoGraaf, que ganhou o prémio de Melhor Cronógrafo no GPHG, é uma especialidade de confeção especialmente morosa. Para não falar dos restantes modelos do catálogo, como o galardoado 1941 Remontoire, o 1896 One Herz ou os turbilhões. Daí o primeiro preço de um Grönefeld se situar na casa dos 40 mil euros. Não é para todos. Aliás, é para muito poucos.
E é essa escassez dupla que está na origem da Grøne. Há poucos relógios Grönefeld a saírem para o mercado a cada ano, cerca de 200. E, mesmo que a lista de espera esteja bem povoada por endinheirados colecionadores, há pouca gente capaz de os comprar — especialmente na família dos próprios Grönefeld, para além de amigos e dos próprios trabalhadores da empresa. Essas são as razões fundamentais por trás da Grøne. Se o sucesso comercial for significativo, melhor. As mesmas razões levaram Max Büsser a criar a MAD Editions e, entretanto, as edições MAD1 e MAD1S tornaram-se num êxito tal que só podem ser adquiridas mediante sorteio.
«Fabricamos aproximadamente 80 relógios por ano e não temos intenção de aumentar esse número. O número pode ser ainda menor no futuro, pois pretendemos produzir relógios com maiores complicações», revelou-nos Bart Grönefeld. «O Principia em aço é o relógio de entrada na coleção Grönefeld e custa 36.900 euros sem IVA; ainda temos pedidos para os próximos três anos e não temos a certeza se vamos aceitar novos pedidos para ele. A nossa agenda está completamente cheia de pedidos confirmados e ainda temos uma lista de espera incrível de gente que deseja entrar na lista de espera».
Obviamente, a Grøne situa-se num nível distinto. «O lançamento do primeiro modelo Grøne, o Manueel One, foi um enorme sucesso. Lançámo-lo em 19 de novembro, numa edição limitada de 388 unidades; esgotou em poucas horas. Olhando para o futuro, embora estejamos felizes com o entusiasmo pela nossa nova marca, continuamos empenhados em manter a qualidade e o artesanato que à partida definem a Grøne. Não pretendemos apressar a produção para inundar o mercado. A nossa produção anual será cuidadosamente alinhada com a procura, garantindo um equilíbrio entre exclusividade e disponibilidade».
Bart Grönefeld ainda acrescentou: «Também estamos orgulhosos da parceria estabelecida com fornecedores habituados a lidar com volumes de produção mais elevados, o que nos dá a flexibilidade de gerir as nossas tiragens mantendo ao mesmo tempo a precisão e a atenção aos detalhes que os clientes da Grøne esperam. É importante sublinhar que a produção de Grøne não interferirá, em nenhuma circunstância, na produção de Grönefeld, uma vez que as duas marcas são negócios totalmente separados».
Tal como sucede com a MB&F e o projeto MAD Editions. Inicialmente, Max Büsser criou um relógio ‘acessível’ para dedicar e oferecer aos friends do nome da sua marca (MB&F significa Max Büsser and Friends). Ou seja, a sua Tribo — formada por colaboradores e fornecedores, sem esquecer a família mais próxima. «Os meus familiares não têm dinheiro para comprar relógios MB&F e a sua conceção é demasiado cara para os poder oferecer», disse-nos na altura. «Daí surgir a ideia de criarmos um modelo acessível que representasse o espírito da marca sem ser um MB&F». A mesma lógica que originou a Grøne — o nome provém, obviamente, de Grönefeld e era um diminutivo que os amigos de escola davam aos irmãos…
«Queríamos que a nossa família e os nossos amigos pudessem usufruir de algo que estivesse ligado a nós, que nos representasse, que tivesse a nossa linguagem de estilo», diz Tim Grönefeld. Ou seja, a origem é benigna e não se trata de qualquer aproveitamento oportunista. O resto (a sustentabilidade do projeto paralelo) vem depois — e oportunistas são todos aqueles que se submetem aos sorteios da MAD Editions e ficaram à coca para comprarem um Grøne para os vender logo a seguir no mercado secundário.
Outros casos
Num cenário em que praticamente todas as marcas procuram passar para um patamar de preço superior, ou mesmo criar uma marca ainda mais cara (como sucedeu com a Chopard e a Ferdinand Berthoud), Max Busser e a Grönefeld seguiram o caminho oposto — embora por via paralela. O mestre Andreas Strehler criou a Strehler. Stepan Sarpaneva há já vários anos que estabeleceu uma segunda marca (SUF Helsinki) mais desportiva, embora não seja tão ‘barata’ e o fosso de preço com a sua marca estabelecida não seja tão grande (embora a Sarpaneva não atinja os preços da MB&F ou da Grönefeld). Outro finlandês, o mestre Kari Voutilainen, que também tem uma lista de encomendas cheia para os próximos oito anos (!), optou por uma via distinta: em vez de fundar outra marca, adquiriu uma existente companhia finlandesa de relógios mainstream, a Leijona.
A próxima companhia relojoeira de renome a seguir as peugadas da MB&F e da Grönefeld parece ser a H. Moser & Cie. Edouard Meylan não faz segredo disso e vai ser muito interessante ver o que poderá fazer. Enquanto isso, uma boa solução será sempre chegar a relógios interessantes por via da colaboração de conhecidos nomes da relojoaria com marcas mais acessíveis — e, nesse aspeto, a Louis Erard tem-se revelado particularmente ativa: tem lançado atraentes edições limitadas com Alain Silberstein, Cédric Johner e Vianney Halter (cuja segunda colaboração será anunciada em breve).