O lado sorridente da relojoaria

Há relógios que nos fazem sorrir. Já alguma vez tinha reparado nisto? Talvez não. Mas sim, é verdade. Há relógios que nos fazem sorrir sem darmos conta e há relógios divertidos, pensados para despertar o nosso lado mais feliz. Há ainda relógios que nos fazem sorrir por serem guardadores de memórias ou por evocarem momentos especialmente felizes. Depois, há relógios que nos fazem sorrir porque simplesmente gostamos de olhar para eles, por serem como são ou significarem o que significam. Há mil e uma maneiras de a relojoaria despertar o nosso lado mais sorridente. Tem algum relógio assim?


Artigo originalmente publicado no número 75 da Espiral do Tempo (verão 2021), mas agora atualizado com mais fotografias.


Partimos de uma ideia bem conhecida: os relógios de pulso quando são fotografados ou expostos em montras têm geralmente os ponteiros das horas e dos minutos posicionados mais ou menos às 10h10m. Diz-se que os ponteiros assim dispostos transmitem emoções positivas, fazendo lembrar uma cara sorridente. Tudo isto tem nuances, claro, e há outras formas de posicionar os ponteiros, pelas mais diferentes razões, nomeadamente, a localização dos logótipos das marcas. Mas a posição sorridente dos ponteiros é a dominante, quer desperte ou não as desejadas emoções positivas nos clientes. Até porque a relojoaria tem muitas outras formas de nos fazer sorrir. Falemos então de marcas específicas e de intenções.

Franck Muller Vegas
Franck Muller Vegas | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Os modelos Mega Cool da H. Moser & Cie, Pioneer e Pioneer Tourbillon, a título de exemplo, têm uma origem engraçada. Além de terem nascido como resposta ao desejo de momentos leves e descontraídos, tão longínquos dos tempos de pandemia, foram desde o início designados «Mega Cool» enquanto nome de código do projeto que estava em desenvolvimento. No fundo, o objetivo era criar um relógio que fosse ‘mega cool’, inspirado nos tons verdes e inspiradores das águas das Caraíbas. Depois, perante os protótipos que começaram a surgir, a reação das pessoas foi mesmo positiva e o comentário tão adequado «Isto é mega cool» garantiu o estabelecimento do nome final dos novos modelos.

Pioneer Centre Seconds Mega Cool
Pioneer Centre Seconds Mega Cool | © H. Moser & Cie.

Acaba por ser uma história com piada e como estas a H. Moser & Cie tem muitas. Mais do que irreverência, é sentido de humor. Todo o seu percurso mais contemporâneo, desde que passou para a liderança de Edouard Meylan, prima por esta forma de existir. No fundo, os relógios da marca unem o lado mais tradicional da relojoaria suíça em termos de elevada qualidade a um lado humorístico que a posiciona num patamar à parte no setor. São relógios pensados para nos deixarem com boa-disposição.

Louis Erard X Alain Silberstein La Semaine
Louis Erard X Alain Silberstein La Semaine | © Louis Erard

Mas da mesma forma que a H. Moser & Cie nos faz sorrir pelo modo como escolhe estar presente na relojoaria, também há outras marcas empenhadas em fazer o mesmo à sua maneira. A Oris tem no cerne dos seus modelos o desejo de nos fazer sentir felizes: «O que fazemos leva felicidade às pessoas, fá-las sorrir», defende Rolf Studer, Co-CEO da Oris. Por isso, não só lança modelos consensuais, como arrisca apresentar modelos descontraídos e coloridos, como os Cotton Candy, ou simbólicos, como o Hölstein Edition, lançado a 1 de junho, dia do aniversário da marca. Neste último caso, o fundo não é transparente, apesar de surgir como o primeiro relógio da marca a ser equipado com o Calibre 403, um movimento automático da Série 400 da Oris, inaugurada em 2020, desenvolvido in-house. Porque não mostrá-lo então, como o está a fazer com outros modelos? Porque, o fundo destaca o simpático Oris Bear. Esta mascote é um símbolo de positividade e de felicidade, e acabou por ficar associada à campanha «Honour our Heroes», que teve como objetivo prestar homenagem a pessoas que, durante os momentos difíceis de pandemia, se distinguiram pelo seu papel crucial na comunidade.

Oris Cotton Candy
Oris Cotton Candy | © Oris

Depois, temos as cores tão bem exploradas na edição 75 da Espiral do Tempo. Se há uns tempos, os relógios eram lançados nas tonalidades discretas de sempre, agora não nos podemos queixar. As cores vivas parecem estar a surgir como reação aos tempos mais tristes. Um pouco por todo o lado, descobre-se a variedade – do cor-de-rosa, ao vermelho, passando pelo amarelo, pelo castanho, pelo laranja, entre tantas outras. O verde neste campo parece ser a tendência mais marcada, talvez porque o verde simboliza a esperança ou talvez porque simplesmente o verde é uma cor intemporal, que resulta tão bem com tantos materiais e com a personalidade de tantos relógios.

MB&F Sherman
MB&F Sherman | © MB&F

Resta saber se todas estas tonalidades vibrantes que têm vindo a ser adotadas em relojoaria apelam ao sorriso dos consumidores, até porque, como em tudo, há sempre a questão do gosto pessoal. Uma cor mais viva num relógio de pulso não fará certamente todas as pessoas mais felizes. Mas haverá certamente e sempre a cor certa que vai ao encontro das emoções ou sentimentos mais positivos de cada um. Seja uma cor vibrante ou apagada. Ou uma combinação das cores da melancia, como acontece no mostrador do Watermel0n lançado via Kickstarter pela jovial marca Studio Underd0g.

Studio Underd0g Watermellon
Studio Underd0g Watermellon | © Studio Underd0g

E seguimos em frente nesta saga da busca de relógios que nos fazem sorrir. Neste caso, podemos falar de complicações. Se é novo na matéria, saiba que uma complicação em relojoaria significa todas as funcionalidades de um relógio que vão além da mera indicação das horas, dos minutos e dos segundos. A indicação da data é um exemplo mais simples, assim como o dia da semana. Curiosamente, é nesta complicação que a Louis Erard na sua parceria com Alain Silberstein tem dado que falar. No modelo La Semaine, lançado como parte de uma colorida trilogia, a indicação do dia da semana faz-se acompanhar de uma pequena abertura na qual vai aparecendo uma cara que passa de menos sorridente (para a segunda-feira) para mais sorridente à medida que a semana avança. Uma espécie de hino à chegada do final da semana.

Louis Erard X Alain Silberstein La Semaine
Louis Erard X Alain Silberstein La Semaine | © Louis Erard

Horas loucas

Noutro contexto, existem relógios cujo propósito é mesmo potenciar a diversão. São os designados relógios com complicações lúdicas, que tendem muitas vezes a significar um trabalho mecânico de exceção. Não é qualquer marca que está à altura de conceber relógios assim. A Franck Muller pode ser bem evocada neste caso, através de modelos como o Crazy Hours – no qual o ponteiro das horas, ao invés de seguir o seu curso normal no mostrador (a habitual rotação que acompanha a numeração sucessiva da 1h às 12h), parece saltar aleatoriamente… quando na verdade salta cinco ‘casas’ da 1h para as 2h (que estão localizadas onde habitualmente estão as 6h), depois mais cinco ‘casas’ das 2h para as 3h (onde tradicionalmente estão as 11h), e assim por diante. A ideia original deste conceito tem a sua graça, uma vez que pretende levar as pessoas a dissociarem as horas de certos momentos do seu dia. Da mesma marca também destacamos o Franck Muller Vegas, que replica no mostrador o jogo da roleta. O botão inserido na coroa ativa um ponteiro central, fazendo-o mover rapidamente, à semelhança do movimento que faz a bola de uma roleta. Depois, o ponteiro para num dos números indicados. Para que serve uma complicação assim? Apenas para divertir quem usa este relógio de pulso. 

Franck Muller Crazy Hours 30th Anniversary
Franck Muller Crazy Hours 30th Anniversary lançado em 2023 | © Franck Muller

Já a Hautlence também não ‘brinca em serviço’ na hora de criar modelos pensados para brincar – mas que não se tratam, verdadeiramente, de complicações lúdicas, até porque, neste tipo de relógios, atrás da complicação esconde-se quase sempre a função de dar horas. Mas as edições limitadas da Hautlence nem sequer dão o tempo. São, antes, relógios de pulso que convidam a um momento de descontração. Se no Playground Pinball a diversão é garantida através de um minúsculo jogo de flippers, o Playground Labyrith integra um jogo em que uma pequena esfera tem de seguir o caminho certo até encontrar a abertura que lhe servirá de destino final. E como estas casas referidas, há tantas mais.

Hautlence Pinball e Labyrinth
Hautlence Pinball e Labyrinth | © Hautlence

Há quem se tenha especializado em estimular os nossos sentidos, através de engenhosas criações eróticas que prendem a nossa atenção (como o faz tão bem a Ulysse Nardin). Há ainda relógios que nos contam histórias pela interação das personagens criadas (como acontece com a Van Cleef & Arpels) ou modelos que puxam pelo nosso lado mais sorridente pelo facto de serem peças de incrível conceção ou especialmente bonitas. As criações do mestre russo Konstantin Chaykin têm o condão de surpreender, tal como algumas peças da Louis Moinet.

Ulysse Nardin Classico Manara Manufacture 40mm
Ulysse Nardin Classico Manara Manufacture 40mm | © Ulysse Nardin
Van Cleef & Arpels Le Pont des Amoureux
Van Cleef & Arpels Le Pont des Amoureux | © Van Cleef & Arpels

E depois há todas aquelas associações a personagens da nossa meninice, desde os braços de Mickey enquanto ponteiros nos relógios de Gerald Genta até ao Royal Oak Concept Black Panther que iniciou a parceria da Audemars Piguet com a Marvel e os seus heróis.

Gérald Genta Arena Retro Mickey Mouse Disney
Gérald Genta Arena Retro Mickey Mouse Disney | © Gérald Genta

Tudo isto são pequenos mundos, criados em última análise para agradar todos aqueles que terão o privilégio de poder usar um relógio de pulso, com muito gosto. Até porque mais do que sorrisos potenciados por ponteiros, complicações, cores divertidas ou até pelos letterings Smiley Face dos mostradores, os relógios de pulso enquanto objeto acarinhado guardam consigo aquele lado mais simbólico de que existem nas nossas vidas não apenas para cumprir a sua função mais básica – algo que com os dispositivos eletrónicos conseguem fazem na perfeição –, mas porque significam algo de bom e que nos faz sentir bem. E tudo o que é bom pode bem despertar sorrisos. 


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