O fim de ano é sempre uma época de balanço — e a relojoaria não escapa aos rescaldos. No 12.º mês e antes das últimas 12 badaladas de 2024, aqui fica uma dúzia de apontamentos de destaque.
Para além da escolha dos melhores relógios de 2024 sob vários parâmetros e em diversos certames, desde o Grand Prix d’Horlogerie de Genève até à road trip do Watch Of The Year que recentemente analisámos, há também muitas outras vertentes a mencionar que vão para lá do mero produto. Aqui ficam 12 notas de destaque:
A cor dominante
Não foi um ano tão colorido como os que se sucederam imediatamente após a pandemia, mas houve muitas propostas de interesse num alargado espectro cromático. A Nomos bateu mesmo recordes nesse aspeto! A escolher um tom específico, e porque estará sempre associado aos temas da ecologia e da sustentabilidade tão em voga, esse será o verde — fortemente presente em mostradores, desde um tom mais seco até ao chamado British Racing Green adotado pelo mundo dos desportos motorizados, desde um acabamento mate ao tratamento galvanizado mais refletivo. A Vacheron Constantin lançou quatro novos modelos Overseas em ouro rosa e mostradores verdes que foram marcantes e a Doxa introduziu o denominado ‘Sea Emerald’ na sua tradicional e já de si alargada paleta de cores.
E os nossos colegas da Fratello Watches acabaram o ano com o lançamento de uma edição própria em colaboração com a Czapek intitulada Promenade Transparencies ‘Viridian Green’, em homenagem aos pintores parisienses dos séculos XVIII e XIX. Sem esquecer o verde do Cubitus em aço da Patek Philippe, obviamente. E depois há a escolha do verde enquanto cor do dinheiro, como sucede nos destaques esverdeados do cronógrafo Millesime em edição limitada Raymond Weil x Largo Winch.
Mudanças no topo
Foi um ano de profundas mudanças corporativas na estrutura diretiva de dois dos três principais aglomerados relojoeiros — a Richemont e a LVMH (sendo o terceiro o Grupo Swatch). Na Richemont houve mesmo um largo período em que marcas destacadas funcionaram sem um CEO designado, como foi o caso da Jaeger-LeCoultre ou da Roger Dubuis.
A principal restruturação teve a ver com a passagem de Catherine Rénier da Jaeger-LeCoultre para a Van Cleef & Arpels e a ‘recuperação’ de Jérôme Lambert da cúpula diretiva do grupo para o cargo de CEO da manufatura de Le Sentier que já tinha ocupado anteriormente; também Louis Ferla passou para a Cartier e Laurent Pervès assumiu a liderança da Vacheron Constantin. Na LVMH, Julien Tornare deve ter batido um recorde qualquer: em praticamente meio ano, passou de CEO da Zenith para CEO da TAG Heuer e depois para CEO da Hublot!
Comunidades proliferam
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O Old Radium 'Black Ink' Bronze foi apresentado em março na MAD Gallery, do Marvilla Art District, em Lisboa | Foto: José Zenha
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Dois modelos em bronze Old Radium da Isotope: à esquerda a edição limitada 'Black Ink Bronze' e à direita o pilot watch em edição limitada | Foto: Bruno Candeias
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Dois modelos Old Radium da Isotope: à esquerda: 'Black Ink Bronze'; à direita: GMT 0º ‘Terra Maris’ | Foto: José Zenha
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Um novo modelo Isotope que será em breve lançado | Foto: José Zenha
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O fundador da marca, José Miranda (à direita), teve presente no evento de lançamento do novo Old Radium 'Black Ink' Bronze | Foto: Bruno Candeias
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O Isotope x Espiral do Tempo 'Black Ink Bronze' junto de diversos outros modelos da marca | Foto: José Zenha
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Isotope Hydrium California dial | Foto: José Zenha
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As fotografias dos relógios no pulso fazem sempre parte dos Encontros Espiral do Tempo | Foto: José Zenha Foto:
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À esquerda: Hydrium Nordbland; À direita: Hydrium X BSMH | Foto: José Zenha
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Diversas imagens do novo relógio da Isotope (da autoria de Paulo Pires) pontuaram, lado a lado com fotos da exposição presente, as paredes da MAD Gallery, em Lisboa | Foto: José Zenha
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Os convidados atentos aos diversos vídeos da marca projetados durante o evento | Foto: Bruno Candeias
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Vários modelos Hydrium da coleção da Isotope | Foto: Bruno Candeias
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O evento teve lugar na MAD Gallery do Marvilla Art District, em Lisboa. Umas horas perfeitas para fotografar | Fotos: Bruno Candeias
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José Miranda levou consigo alguns modelos ainda não lançados oficialmente | Foto: Bruno Candeias
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Isotope Moon Shot Terra Maris | Foto: Bruno Candeias
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Making of: o momento em que é tirada a fotografia de grupo é sempre muito animado. O resultado foi a foto seguinte desta galeria | Foto: Bruno Candeias.
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A quase obrigatória fotografia dos pulsos em grupo gera sempre muito entusiasmo | Foto: José Zenha
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Variedade não falta na coleção da Isotope e foi isso mesmo que também se pretendeu transmitir | Foto: Bruno Candeias
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No evento estiveram presentes diversos colecionadores da Isotope | Foto: José Zenha
Após o sombrio período do confinamento que pareceria indicar que todos iriamos passar a viver um novo normal, o velho normal regressou em força e dando cada vez mais importância aos eventos presenciais. A proliferação e o reforço das comunidades relojoeiras passou a ser uma realidade incontornável para os aficionados e a Espiral do Tempo fez a sua parte ao longo do ano, promovendo encontros em parceria com várias marcas — desde o lançamento do Isotope Old Radium ‘Black Ink’ x Espiral do Tempo até ao rendez-vous Espiral do Tempo x Raymond Weil no Palácio do Grilo, contando com a presença dos CEOs das respetivas marcas, e ainda o encontro organizado em parceria com o Oris Social Club Lisboa, para apresentação das novidades deste ano.
A paixão relojoeira tem o condão de unir e promover amizade instantânea entre gente tão diferente e de profissões tão distintas…
Tamanho a diminuir
Duas décadas depois de um período em que a média de diâmetros ultrapassava frequentemente os 40mm e andava tantas vezes entre os 42 e os 47mm, os relógios estão definitivamente mais pequenos — e as preferências parecem encolher cada vez mais. É certo que o período entre 2004 a 2010 (sobretudo) assistiu a exageros, mas agora também se está a cair no sentido oposto: para muitos, quase que é ‘intelectual’ usarem-se relógios pequeninos… esquecendo-se que o segredo está mais nas proporções que têm a ver com o pulso do utilizador e a própria arquitetura do relógio.
Viram-se até muitos atores de Hollywood a usar relógios historicamente definidos como sendo de senhora, seja pelo tamanho ou pela componente joalheira. No sentido inverso, também se notou um pouco uma tendência apelidada de ‘brutalismo’ que tem a ver com o sentido arquitetural e o tamanho considerável de certos relógios — como o Audemars Piguet ReMastered2 Self-Winding, o Maurice de Mauriac Pillow Watch ou o Toledano & Chan B/1.
Formas especiais
A exagerada e prolongada tirania dos relógios redondos tinha de provocar uma reação — e ela sentiu-se com força em 2024, com o exaltar dos chamados relógios ‘de forma’ (ou seja, todos os que não são redondos). E houve muitas formas a salientar, desde a quadrilátera até à oval, destacando-se também muito uma clara tendência para soluções assimétricas (Toledano & Chan, Anoma) e desconstruídas (Berneron, a loucura pelos Cartier Crash).
Depois de já em 2023 a Swatch ter avançado com o What If? quadrado de narrativa associada a uma realidade alternativa, a forma quadrada acabou por ser a mais destacada de 2024 devido à controvérsia que acompanhou o lançamento do Patek Philippe Cubitus.
Mostradores artísticos
Se o tom de mostrador que optámos por destacar é o verde, o tipo de mostrador que deu que falar em 2024 foi claramente o de pedras semi-preciosas antigamente associados a modelos mais… ‘efeminados’. O Berneron Mirage é um excelente exemplo disso com as suas diversas variantes e o efeito denominado ‘eye of the tiger’ esteve em particular destaque, mas há que ter também em conta até o mais sóbrio ónix presente nas edições comemorativas pretas do 30.º aniversário do Lange 1 da A. Lange & Söhne.
A Dennison, apesar dos movimentos de quartzo, destacou-se precisamente pelos seus mostradores de ‘pedras naturais’. Houve também muita atenção dedicada aos mostradores ditos ‘de artes e ofícios’ — ou seja, que promovem processos artísticos sofisticados: seja através de decoração em guilloché, seja através de pintura ou outras soluções estéticas refinadas.
Polémicas digitais
Na era das redes sociais e dos cancelamentos digitais, qualquer ponta de controvérsia pode ser rastilho para um escândalo de maiores proporções — quase sempre de maneira negativa e tantas vezes injustificado. Nesse sentido, houve um claro protagonista em 2024: o Cubitus, da Patek Philippe, desvelado antes do tempo na sequência da incúria de uma revista e prontamente crucificado por uma feroz matilha digital que tirou conclusões precipitadas e julgou à distância sem sequer por as mãos nos relógios em questão; a reação de Thierry Stern também não foi particularmente bem recebida.
Outros lançamentos que suscitaram polémica foram o da nova coleção Terranova da Bremont, gizada por Davide Cerrato para lançar uma nova etapa na vida da Bremont, e o da edição limitada Formula 1 x Kith da TAG Heuer, considerada demasiado cara para o produto em si alimentado por calibres de quartzo.
Elegância excessiva?
Num mundo cada vez menos formal, foi muito interessante ver uma clara e rápida viragem na tendência relojoeira rumo a modelos mais pequenos e elegantes — os chamados dress watches. Talvez o estilo mais predominante no mercado ainda seja o do relógio de mergulho, com o Rolex Submariner a ser a grande referência e talvez o relógio mais imitado.
Mas a Geração Z parece mais inclinada do que as suas antecessoras para modelos de pendor kitsch, mais pequenos, mais delicados, de forma, dourados e com mostradores de pedras semi-preciosas. O que, paradoxalmente, até contrasta com a roupagem demasiado informal e mesmo descuidada com que se apresentam.
De micromarcas a macro
Acentuando uma tendência que já vinha de trás, 2024 foi um ano em que as micromarcas reforçaram o seu espaço no mercado — sendo que algumas delas até já nem deveriam apresentar o estatuto de micromarcas, com o crescer do seu staff e o aumentar da produção para a casa dos muitos milhares de exemplares. É o caso da Baltic e da Furlan Marri, que também abraçaram segmentos de preço mais elevados.
A Studio Underd0g continua a ser um fenómeno muito especial, esgotando tudo o que põe à venda e criando novos modelos irreverentes ou colaborações de grande impacto mediático — lançando-se igualmente numa nova fasquia de preço. A Serica aventurou-se numa versão mais delicada, a Isotope tem um líder português e a Maen terá sido a grande revelação, sobretudo através do seu modelo de design integrado Manhattan (com menção especial para o colorido Manhattan de mostrador graffitado).
Boutiques na Avenida
O ano de 2024 assistiu à inauguração e à renovação de várias boutiques monomarca na mais dispendiosa artéria portuguesa — a lisboeta avenida da Liberdade. Começando pela Boutique TAG Heuer no primeiro trimestre, passando pela Boutique Patek Philippe no terceiro trimestre e acabando com a Boutique IWC no quarto trimestre. Para além disso, ainda houve a renovação da Boutique Cartier. Para português ver e estrangeiro comprar? Noutro ponto da cidade, a Hublot abriu igualmente uma boutique no El Corte Inglés no mês de março.
E vale a pena deixar aqui uma menção honrosa para as várias iniciativas promovidas pela Boutique Vacheron Constantin ao longo do ano — foi a mais proativa loja monomarca da Avenida da Liberdade.
Correias & Braceletes
Cada vez mais as marcas tradicionais e os grandes grupos estão a dar importância a um setor que antes tinham negligenciado e que foi devidamente aproveitado por iniciativas independentes, desde artesãos individuais até empresas especializadas: o das correias e braceletes. O ano de 2024 assistiu a esse maior cuidado por parte das marcas de dotar os seus relógios de sistemas de troca rápida de braceletes, seja na própria bracelete através de molas específicas ou em soluções integradas na estrutura do relógio, e também de oferecer alternativas dentro da sua própria coleção. Para além de uma maior atenção ao ajuste milimétrico nos fechos das braceletes de metal. Igualmente populares foram as braceletes de inspiração joalheira, como a
Entre as empresas especializadas, destacou-se claramente a Delugs — talvez a marca de correias/braceletes aftermarket número um da atualidade, tendo em conta a atenção ao pormenor e a impressionante variedade de soluções. Por Portugal, vão-se afirmando a Benfilstraps e a NorteSpring.
Patrocínios em barda
Hoje em dia, raro é o setor da sociedade com impacto mediático que não merece a atenção das marcas relojoeiras — através de patrocínios e parcerias que vão desde a cultura ao desporto, desde as estrelas consagradas a influencers emergentes. Em 2024, o patrocínio desportivo esteve em especial destaque devido a três áreas muito específicas.
Houve o anúncio de que a LVMH vai substituir a Rolex no mundo da Formula 1 através de várias das suas marcas (TAG Heuer e Hublot no plano relojoeiro, mas também a Louis Vuitton nas correaria de luxo e a Moët & Chandon como champanhe oficial), os Jogos Olímpicos foram um alargado campo competitivo em que várias marcas se digladiaram até no atletismo (antes não era permitido usar relógio na pista) e o ténis voltou a ser uma modalidade privilegiada para o estabelecimento de parcerias ou lançamentos (como se viu claramente em Wimbledon ou no US Open e nos pulsos de Novak Djokovic e de Rafael Nadal).
Mas há outros rescaldos a ter em conta. Cá estaremos na próxima semana para os fazer!